Você tem alguma ideia de quanta poeira fica acumulada em um ano? Não sei dizer um número exato, mas fiquei assustado ao ver que meu volante estava puro pó quando o tirei do armário para jogar DirT Rally 2.0 (Steam / PlayStation 4 / Xbox One). Volantes são pesados, chatos de serem colocados na mesa, trocentos cabos que precisam ser conectados, é trabalhoso, sabe? Existe todo um “ritual” (como eu gosto de chamar) de instalar, ajustar, sentar na cadeira e então começar um jogo. Esse ritual está intrinsecamente ligado à própria forma como eu enxergo a sequência do jogo de corrida da Codemasters.
Lembro-me que no período do lançamento do seu antecessor, muitos sites usaram a terrível analogia de “Dark Souls de corrida”, o que rendeu boas risadas. Para ser honesto, há um pequeno fundo de verdade nessa frase. Não que a franquia da From Software tenha alguma coisa a ver com Rally. Também já aviso que não, você não pode dirigir de armadura, nem eliminar os oponentes com espadas. É o ritual, é a sensação de pular de cabeça no desconhecido.
Mesmo que uma sequência – diria até que menos uma sequência e mais uma gigantesca atualização – DiRT Rally 2.0 abraça esse ritual por entender o que escapou à Codemasters no predecessor: este é um jogo de corrida de nicho. Você pegar e jogar com um gamepad é o equivalente de dirigir um carro com uma mão no volante, outra no celular, e em primeira marcha o tempo todo.
A partir dessa compreensão, a Codemasters jogou fora tudo que esse nicho tende a considerar supérfluo. Não espere uma campanha elaborada como a de DiRT 4 ou de F1 2018. Aqui uma série de eventos de Rally e Rallycross já bastam. O propósito delas é preparar você para o sofrimento que acompanha cada corrida, ganhar um dinheiro, comprar uns upgrades básicos (que só são válidos para esse modo), e uns carros. Alternativamente você simplesmente pode ignorar tudo isso e partir para fazer os seus próprios eventos, que foi o que fiz.
Ao contrário de cuidadosamente fazer uma curadoria, eu joguei todos os estágios possíveis dentro de um mesmo evento, botei a dificuldade no máximo e não quis saber de mais nada. As novas regiões (Nova Zelândia, Argentina, Austrália, Espanha, Polônia e EUA) são tematicamente variadas e abraçam um elemento em comum: sempre vai existir uma ou outra corrida que vai te ferrar de um jeito que você não vai querer encostar no jogo por três dias.
Lembro-me de ter vibrado de felicidade ao ver que a próxima pista era na Nova Zelândia… até reparar que ela era composta de curvas fechadíssimas — onde usar freio de mão é quase essencial, e eu sou terrível nisso — e que começava às duas horas da manhã. Para fechar com chave de ouro, estava chovendo. Que inferno.
Eu adoro chuva… quando estou em casa, seguro, sem a chance de ter de pisar no rio que a minha rua vira quando cai a primeira gota. Estar dentro de um carro em chuvas torrenciais para mim então é a morte. “Eu chego em casa ou não? Essa rua está inundada, tem que ir por outra”, etc. Esse medo é transposto para DiRT Rally 2.0 e outros jogos de corrida na minha postura em pistas ou eventos chuvosos. Eu sempre fico com o pé atrás de enfiar o pé no acelerador, mesmo sabendo que eu preciso para vencer.
Nessa mesma corrida o meu copiloto me avisou que as próximas curvas seriam duas de nível 6 (menos intensas) para a direita e uma para a esquerda de nível 5, e que eu tinha que tomar cuidado com um possível pulo. Eu estava tão focado no que acontecia que eu fisicamente olhei para o lado e soltei “Como assim pulo? Não enten-”, a sentença foi cortada pela metade ao enfiar o meu carro em uma árvore, quebrar uma das lanternas e furar um pneu. Tinha de concluir essa etapa e a próxima com o carro nesse estado.
A corrida seguinte, ainda na Nova Zelândia, foi a que mais testou os meus sentidos. Com só um dos faróis funcionando, eu tinha de prestar muitíssima atenção nos avisos do meu piloto. Eu estava, realmente, indo em direção a um eterno desconhecido, um breu sem fim, uma esperança de que a próxima curva não seria o fim do evento.
Assim que freei na linha de chegada, soltei as mãos do volante e notei o quão tensos estavam os meus braços – sensação exacerbada por ter decidido aumentar o peso de alguns aparelhos na academia no mesmo dia que fiz a corrida, algo que não recomendo. Todo o meu pavor de dirigir com essas limitações foi passado para o meu corpo. Depois que eu me acalmei foi que finalmente “vibrei” por ter ao menos ficado em quarto lugar.
A última vez que eu tive essa sensação com um jogo de Rally foi com o primeiro DiRT Rally, e não chegou nem a um terço da intensidade que DirT Rally 2.0 me proporcionou. Eu comecei então a jogá-lo na base do conta-gotas. Uma, duas, três corridas, parava para respirar, dar uma volta, tomar uma água e às vezes um banho.
Creio que parte dessa intensidade, pavor, não seria possível se a Codemasters não tivesse se sobressaído no aspecto técnico de DiRT Rally 2.0. Não tenho o costume de comentar minuciosidades como essas, mas tendo em vista que é um jogo onde o volante é quase obrigatoriedade, é bom ver que a desenvolvedora finalmente deixou para trás a mentalidade de “qualquer coisa está bom” para a comunidade. O Force feedback foi consideravelmente melhorado, fazendo com que você sinta as diferentes superfícies e como elas afetam a sua direção com mais clareza; a configuração inicial para os principais volantes — no meu caso, um G27 — requer poucos ajustes para que não ocorra clipping (perda de informação devido a intensidade do force feedback, algo que varia de acordo com a marca do volante), e finalmente é possível ver o volante virar mais do que 180º. No meu caso, uso a configuração de 540º. Isso sem contar as dezenas de ajustes de campo de visão, assento, suporte a monitores e mais. Eu passei mais de duas horas para ajustar tudo o que eu precisava no primeiro DiRT Rally, neste? Não mais do que quinze minutos.
O comportamento dos carros é variável, pois apesar de todo o aspecto “simulador” que DiRT Rally 2.0 carrega, a Codemasters ainda tenta manter um grau de acessibilidade para quem usa controle, então não espere algo uma diferenciação entre fabricantes e tipos de motor tão grande quanto um Assetto Corsa, RFactor 2 e outros gigantes da simulação. As diferenças de tração dianteira para traseira, tração nas quatro rodas ou integral já bastam para o escopo do game.
DiRT Rally 2.0 só não é “perfeito” pois eu continuo a torcer o nariz para os eventos de RallyCross, dessa vez mais proeminentes no menu, e expandidos com mais pistas. Tal como os eventos principais de rally, as pistas são variadas e desafiadoras… se você quer tentar bater o tempo do relógio ou tem um grupo de amigos (com volantes, de preferência) para participar de partidas online. A IA, mais uma vez, é abismal, dolorosa de se jogar e com um fetiche secreto de bater no seu carro se você der brecha. Tendo em vista que a IA de F1 2018 era relativamente competente, ver a Codemasters regredir nesse ponto é um pouco decepcionante.
Desastres causados pela IA no RallyCross à parte, DiRT Rally 2.0 é um dos raríssimos casos onde eu fico de queixo caído por uma sequência. Todas as minhas (grandes) críticas foram resolvidas, o suporte a volantes está melhor do que nunca e as pistas são maravilhosas. Depois da tristeza que foi DiRT 4, DiRT Rally 2.0 é tudo o que eu esperava da Codemasters. É o ritual de instalar o volante, de se preparar para uma corrida, e ver sua pontuação lá no topo da tabela de liderança. O abraço do desconhecido, você contra o relógio, sua habilidade em cheque, o medo de que a curva mais simples possa fazer um evento ir por água abaixo. É, novamente, a celebração do que é Rally para fãs de Rally.
DiRT Rally 2.0
Total - 9
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DiRT Rally 2.0 é a sequência que todo fã de Rally merece; um jogo refinado, com menos problemas técnicos, e que celebra o esporte em todas as facetas possíveis. Ele não segura a sua mão, ele não te pede desculpas por colocar a corrida mais difícil de todas na sua frente. Coloque as mãos no volante, respire fundo, e dê o melhor de si em cada corrida.