Fabraz, o desenvolvedor de Demon Turf, diz que o jogo tem uma duração média de 30 a 40h para ser completado 100%. Como alguém que é péssimo em jogos de plataforma 3D, eu devo ter demorado mais de 12 horas para chegar ao final do segundo mundo. Quantas horas eu levei para terminar o jogo? Eu não sei, mas só arranhei a superfície dele e não sei se eu irei coletar todos os itens. Vontade não falta, o que falta mesmo é habilidade, pois eu venho pensando nele desde que ele foi lançado em 4 de novembro (Steam / PlayStation / Xbox / Switch).
Desde muito novo eu tenho um sério problema com jogos de plataforma no geral. Eu cresci jogando no computador e jogos como Super Mario World e Super Mario 64 vieram muito depois na minha vida. Por algum motivo que eu não sei bem explicar eu tenho um dificuldades em perceber profundidade ou calcular distância nesse gênero. Sim, eu sou daqueles que morre na primeira fase do Super Mario World e apanha para terminar Crash Bandicoot. Demon Turf é, no mínimo, umas 100 vezes mais difícil do que todos esses juntos.
As primeiras áreas me trouxeram um pouco de desmotivação. “Lucas, você não tem coordenação para jogos de plataforma, por que diabos você decidiu cobrir esse jogo? O que você tinha na cabeça? Você vai parar no primeiro mundo e vai desistir”. Eu errava cada pulo banal, dava cada tropeçada estúpida que a sensação era de que eu de fato seria derrotado por Demon Turf.
Dei uns passos para trás e pensei o que estava me atrapalhando em Demon Turf. Seria a protagonista 2D em um ambiente 3D? O fato do jogo deixar eu colocar checkpoints onde bem entender (mecânica que eu amei, depois de aprender a usá-la propriamente)? Não, não era nada disso. Eu estava jogando Demon Turf como um jogo de plataforma tradicional.
Em muitos aspectos ele é um jogo de plataforma 3D bem tradicional, mas ao invés da sobrecarga sensorial que muitos do gênero tendem a gerar em mim, Fabraz desconstrói os mapas ao ponto de eles serem meras “abstrações”. Tudo que está na tela é o “essencial” para fazer o jogo funcionar, por assim dizer. A melhor comparação que eu posso dar é o mapa Tick Tock Clock de Super Mario 64, mas expandido para um jogo inteiro. Foi no momento que eu percebi a diferença entre Demon Turf e os outros jogos de plataforma — nos quais eu tendia a jogar, me frustrar, e desistir — que eu comecei a apreciar o seu design.
Ele não deixou de ser absurdamente difícil, com pulos que requerem uma precisão de outro mundo e mapas com plataformas móveis, espinhos e outras dezenas de formas de te matar prontinhas para te abraçarem. Mas agora cada erro ou deslize era uma oportunidade de aprender e de certa forma fazer a minha própria desconstrução do mapa para os seus elementos essenciais.
“Ok, então tem essa flor, e se eu fizer um pulo duplo e flutuar para ali eu consigo cortar caminho e não ter dor de cabeça com aqueles inimigos que eu tenho que combater”. Não é delicioso quando vem essa inspiração? Isso ocorreu tantas vezes em Demon Turf que, acompanhado dos seus controles refinados e precisos, eu me sentia um gênio.
Gênio mesmo é Fabraz, que desenvolveu o jogo também pensando na comunidade de Speedrun. Os meus tempos mais ágeis ficavam no final da tabela de liderança. Quantas vezes eu falei “Pera, como essa pessoa terminou o mapa em 2 minutos e eu levei 12? Eu nem morri!”? Sequer tenho ideia, mas era um incentivo extra para tentar encontrar atalhos com diferentes habilidades ou mods em cada mapa.
Habilidades, sim! Como ia me esquecer delas? Demon Turf utiliza um sistema bem interessante de alocação de habilidades. Elas são divididas entre habilidades tradicionais, itens e mods. As essenciais para terminar o jogo — como dar pulos triplos, criar “túneis de vento”, um gancho que é usado para abrir novas passagens ou se transformar em uma ave para flutuar e impulsionar a protagonista Beebz pelo cenário — são desbloqueadas primariamente ao derrotar um chefão. Outras são compradas via uma loja de mods com dinheiro coletado nos mapas. Infelizmente, é na parte de lutar contra chefões que Demon Turf se perde um pouco.
Como todo bom jogo de plataforma, há um chefão no final de cada mundo; muitos deles não condizem bem com a proposta do jogo. Ele deixa de ser aquele jogo vibrante sobre precisão e tomar riscos para se diluir em lutas maçantes onde você decora a tática em minutos. Eu só morria neles por conta de descuido ou por não ter aprendido a tática de primeira. Ao menos são curtos e uma pequeníssima parcela de Demon Turf.
Agora com a campanha principal completa eu tenho um novo desafio: terminar as variantes das fases. Cada uma delas é composta por uma “First Trip” — a versão mais fácil dela — e uma “Return Trip” que é só liberada ao derrotar o chefão da área. Bastou olhar para a primeira e eu já fui “Ah…. É… é mais difícil mesmo não é? Eu… só devo demorar um ano para completar ela”. Ah, mas eu vou completar, prometo para vocês. Um dia eu vou.
Ah, a quem eu estou enganando? Eu vou acabar gastando mais tempo nos arcades, mini games, treinando minhas habilidades de pulo ou tentando completar minha galeria de fotos (Sim, também há um museu de fotos que você pode completar caso deseje. Demon Turf é recheadíssimo de conteúdo!) antes de começar as “Return Trip”.
Eu não sou lá uma pessoa fácil de cativar quando o assunto é jogos de plataforma; creio que deixei isso bem claro no texto. Mas mesmo enquanto eu o escrevia, o controle ficava do meu lado e eu pensava “Por que não deixar esse texto para outra hora? Eu acho que vou tentar melhorar o meu tempo em uma das fases de Demon Turf”, tamanha é a influência do jogo sobre mim. Foi muita força de vontade e responsabilidade para conseguir terminar cada parágrafo.
Meu desejo era de cair de cabeça no mundo de Demon Turf pela centésima vez, tirar fotos, ver Beebz, a protagonista cabeça quente cuja principal motivação ao longo da história toda é ser a dona do pedaço e discutir por coisas pequenas — como todo adolescente faz. Rir dos diálogos, rir da minha própria inaptidão para completar certas fases.
Se já tivéssemos criado uma máquina do tempo e alguém voltasse para o Lucas de 2019 e falasse “Você vai jogar um jogo de plataforma, e você vai gostar tanto, mas tanto dele, que pode ser candidato para o seu jogo do ano” eu ia rir na cara da pessoa. “Eu? Com jogo de plataforma? Eu não gosto do estilo”. Agora cá estou, surpreendendo a mim mesmo. Demon Turf é sem sombra de dúvidas o melhor jogo de plataforma 3D de 2021 e um absoluto deleite para quem gosta do estilo.
Afinal, ele conseguiu o impossível: fazer eu apreciar mais e mais o gênero.
Demon Turf
Total - 9.5
9.5
Salvo as maçantes batalhas contra chefões, Demon Turf é o melhor jogo de plataforma de 2021. Exala carisma com a protagonista Beebz, traz um conjunto de movimentos e habilidades sensacional. Além disso, é desafiador ao mesmo tempo em que cria um interessantíssimo diálogo entre a construção de fases de jogos de plataforma e como reduzi-las ao seu essencial sem virar trivial.