Era difícil esconder a minha frustração de ver chuva pelo quinto dia seguido. Meus sobreviventes sentiam o mesmo, pelo visto. Um estava exausto de tanto cortar madeira, a outra fraturou a perna em uma das expedições. A mais nova? Bem, tal como eu, estava perto de desistir de tudo. Ainda assim, mesmo nas piores situações, Dead in Vinland (Steam) é capaz de te dar esperança. Que bom que ela está lá, pois só assim para enfrentar a jornada.
O game conta primariamente a história da família do Viking Erik, que, depois de fugir da morte na sua terra natal, se encontra na desconhecida ilha de Vinland. Parte gerenciamento, parte visual novel e com uma pitadinha de combate, os franceses da CCCP não se acanham de “ferrar” o jogador a ponto de deixar Darkest Dungeon com inveja. O resultado de qualquer ação em Dead in Vinland é baseada em RNG (Random Number Generator), ou seja, uma jogada de dados — o que quer dizer que ela pode ser mortal, trazer consequências negativas ou, raramente, positivas. E consequências positivas são realmente raras; não conte com elas, mas saiba que elas estão lá.
Teimoso do jeito que sou, optei, mesmo com alertas enormes na tela para não fazer isso, por começar pelo modo “roguelike”. Em outras palavras: morreu, pode dizer adeus ao seu save. O pontapé inicial é a chegada da família na ilha, onde então eu devo dar conta de tarefas que vão do estabelecimento de uma pequena vila com uma cabana, área para corte de madeira, mineração, descanso, exploração a outras coisas do cotidiano.
Não vou me acanhar em dizer que a jogabilidade dele pode ser considerada monótona para muitos. Menus, menus, arrastar personagens para uma das cinco telas do vilarejo, atribuir tarefas. É literalmente isso que você faz nas dezenas de horas (sem contar as vezes que falhar) de duração. Cada personagem tem uma longa lista de atributos — exploração, coleta de alimentos, caça, socialização e mais. No topo disso há os atributos principais: fadiga, sede, fome e depressão.
Manter o equilíbrio da vila em constante crescimento não é uma tarefa fácil. Rotação de responsabilidades entre os habitantes, mexe ali, mexe acolá. Verifica se quem está encarregado de afazeres como obter água não está cansado demais para fazê-la, pois caso esteja a quantidade de materiais obtidos é reduzida consideravelmente. Verifique se há mantimentos perecíveis ou não perecíveis suficiente para os próximos dias. Torça para que o próximo dia não seja chuvoso, o que pode aumentar a taxa de fome, ou ensolarado demais — que quase dobra a quantidade de cansaço nas atividades mais mundanas possíveis e você ainda corre o risco de gastar todos os mantimentos para salvar uma pessoa. Não se esqueça que os mantimentos obtidos na vila são limitados, então explorar a ilha e lutar contra possíveis inimigos também vira uma parte da rotina; uma onde sair com sérios ferimentos do combate ou de um passeio pela floresta é a regra. O simples ato de coletar madeira de um barril pode causar um machucado, que causa uma infecção e faz um personagem ficar desesperado e ainda mais exausto.
Para piorar, um grupo de bandidos liderados por Elof pede um pagamento de tributos a cada X dias para deixá-los viver. Falhe e você morrerá. Fique cansado demais, passe fome, fique desidratado ou deprimido demais e o personagem morrerá.
Já deu para perceber como a questão de saber equilibrar o dia a dia rapidamente se torna uma bola de neve, não é? Por volta da décima hora de jogo eu já não sabia mais a quem eu atribuía funções por minha irresponsabilidade de estabelecer uma rotação competente; tomei decisões “estúpidas” ao me arriscar em explorar mais do que devia sem os mantimentos necessários e mais da metade dos habitantes tinham alguma doença ou penalidade que os tornava ainda mais fracos — pernas quebradas, diarreia de ter se alimentado de um cogumelo na floresta, distensão muscular. Um ar de exaustão dominava a minha vila, cada vez com menos recursos e menos chances de sobreviver.
Teria feito um trabalho melhor se algumas das funcionalidades, como a importância de atividades de coleta ou qual a taxa de água que deve ser coletada por dia, fossem melhor explicadas, coisa que o tutorial um tanto apressado deixa mais confuso do que qualquer outra coisa. Tudo bem, eu sei, sobrevivência e etc, mas ao menos dá uma mãozinha, sabe? Só não estendo a minha crítica para o repetitivo combate por conta dele ser tão raro que não incomoda.
Uma ajuda do tutorial também ajudaria a ver as qualidades do jogo, incluindo certos aspectos do design. Por exemplo, quando o assunto é penalidades impostas ao jogador por Dead in Vinland, reconheço que inicialmente não fiquei muito contente em ver “depressão” como um atributo tendo em vista que não confio em muitos desenvolvedores para exatamente definir o que é a doença e as milhares de formas que ela pode se manifestar. No fim, Dead in Vinland faz um trabalho muito melhor do que eu imaginava. Grande parte das ações não são ligadas necessariamente a “tristeza” (o que já é um tremendo avanço no que tange jogos), mas sim a coisas que remetem a sensação de exclusão, solidão, ou apenas o vazio.
Depressão também foi a causa da morte do meu primeiro personagem, a jovem Kari — que designei como exploradora da minha expedição. Exausta, com fome e desidratada, um último confronto e o encontro de ossos daqueles que já passaram por Vinland foi demais para ela. Sem conseguir ver a luz no fim do túnel, Kari se enforcou, o que chocou a todos da minha pequena vila, que fez com que eles seguissem caminhos separados — para depois padecerem pelas mãos dos bandidos que dominavam a ilha.
Não foi tristeza, nem foi covardia. Foi a reação de alguém que não sabia mais o que fazer em uma situação extrema. Como alguém que, em muitos momentos da vida, teve essa mesma sensação, o choque foi ainda mais forte. Demorei um tempo até me recuperar e decidir começar uma nova partida.
A mecânica em si pode “irritar” (termo que eu uso com muita cautela), já que como tantas outras ações, Dead in Vinland nem sempre deixa claro quais delas estão ligadas ao aumento da depressão. Muitas vezes é questão de “tentativa e erro”, e por mais que eu tenha motivos para criticá-la, se encaixa perfeitamente na proposta e não diria que está muito longe da realidade de muitos que sofrem da doença.
Se tudo parece caótico e desesperador, e é em sua grande parte, é a esperança — aquela que eu mencionei antes — que me deu as forças para fazer uma nova partida e ir até o final.
Esperança pode surgir de muitas formas, e jogos tendem a pender demais para grandes discursos sobre valores e união. Dead in Vinland aposta no diálogo casual entre os personagens — sejam eles a família de Erik ou os mais de 14 que podem se juntar ao vilarejo — para demonstrar que nem tudo está perdido. São as piadas entre eles no final de um dia de trabalho, a maneira que eles conseguem demonstrar o pouco de alegria que ainda têm — mesmo quando tudo está prestes a desmoronar — que me deixou tão entusiasmado para continuar a jogar.
Um dos meus momentos favoritos, de tantos que poderia listar aqui, foi uma resposta que Kari soltou quando seu pai, Erik, resmungou sobre sua constante afronta e desejo de explorar Vinland. Algo como “Pelo menos eu não fiquei preguiçoso que nem você quando se casou com a mamãe”, uma mistura de tom leve e deboche. Ações como essas também influenciam na taxa de depressão do personagem, que pode ser reduzida com o mais simples dos gestos: simpatia pelo próximo.
Seus personagens não têm um pano de fundo aprofundado; não gastei horas em ler páginas e mais páginas sobre quem são ou de onde vieram. O que me importa é saber que são humanos como eu e você, lutando para sobreviver sob circunstâncias extremas, se apoiando uns nos outros para terem o mínimo de conforto e carinho.
Quando me separei do lado “racional” da coisa e comecei a adentrar o emocional (algo que tenho muita dificuldade de fazer em jogos, e reprimo esse sentimento na vida real) foi que percebi o quanto cada um deles havia se desgastado para manter uma singela vila – a chama da sobrevivência – acesa. Um machucado não era mais só um atributo negativo; era saber que aquela pessoa talvez não estivesse tão disposta a conversar na noite seguinte, ou perceber que eu posso ter prejudicado uma possível “amizade” dentro da vila. É raro, para mim, ter esse retorno emocional em jogos. Não poderia ficar mais feliz ao vê-los acontecer aqui.
Mesmo com o tutorial fraco, algumas mecânicas obtusas demais e o (felizmente raro) combate repetitivo, Dead in Vinland faz o que eu gostaria que mais jogos fizessem — enfatizar que são as ações corriqueiras do dia a dia que nos dão forças para seguir em frente. Mesmo nas piores situações, uma palavra de conforto, uma conversa jogada no final da noite para relaxar fazem um bem danado.
Dead in Vinland
Total - 8
8
Dead in Vinland é repleto de escolhas difíceis, momentos tensos e muitas vezes desesperadores. Reforça a temática de gerenciamento e pressiona o jogador a ser cauteloso nas decisões. Mas, para toda ação negativa, há sempre um lado positivo. Um lembrete que, no meio do caos, ter alguém do seu lado e uma conversa amiga, é o que basta para seguir em frente.