É estranho escrever isso em 2018, mas a primeira vez que Dark Souls foi anunciado eu fiquei decepcionado. Minha esperança era que a From Software fizesse um novo King’s Field — o dungeon crawler em primeira pessoa que permanece como uma das minhas franquias favoritas. Tendo gastado dezenas de horas no primeiro Dark Souls, seu DLC e suas sequências, é impossível dizer que ele não tem um lugar especial no meu coração, principalmente depois de jogar a Remastered Edition (Steam / PlayStation 4 / Xbox One).
As mudanças de Dark Souls Remastered são sutis — muito sutis. Uma iluminação melhorada aqui, texturas melhores acolá, e obviamente suporte a 4K / 60 fps se você tem um PlayStation 4 Pro ou um Xbox One X (1080p nos modelos padrão). Partidas multiplayer agora podem ter até seis jogadores, seleção de múltiplos itens no menu (especialmente útil para usar souls), Covenants que podem ser mudados nas bonfires, matchmaking com senha, mudanças no PVP que incluem matchmaking global ou não, e a remoção da habilidade de usar itens de cura — exceto Estus Flasks — em uma partida contra outro jogador. E, para os brasileiros, finalmente legendas e menus em português. De resto, está como tudo como foi deixado na última atualização (1.07, lançada em 2012).
Se, por um lado, penso que Dark Souls Remastered devia ter um modo “arranged” com spawns diferentes (algo como um Scholar of the First Sin para Dark Souls 2, mas opcional), por outro eu vejo que ele é “perfeito” do jeito que está. Sim, mesmo com o terrível Bed of Chaos, as partes irritantes de Blight Town, e a ligeira decepção que é a segunda metade do jogo, após Anor Londo.
Mais do que suas sequências, Dark Souls vive e morre pelo seu level design. A sensação de chegar pela primeira vez em Firelink Shrine, o misticismo da área, de ser transportado para um universo completamente diferente, é mais intensa do que Majula de Dark Souls 2 ou a própria Firelink Shrine de Dark Souls 3. Teleportar-se para outras áreas é um luxo que é dado à você só depois de muito, mas muito suor e mortes. Muitas mortes.
Voltar para um jogo que você terminou no mínimo vinte vezes e perceber que perdeu completamente o jeito, e o ritmo, sempre é uma situação engraçada. Eu sentei para jogar Remastered com a mentalidade “Ah, eu já terminei, sei para onde e como ir”. Rodei Undead Burg por uma hora pois me esqueci como chegava no Capra Demon. Vergonhoso.
Dark Souls sempre foi punitivo com aqueles que não prestam atenção no cenário, que não analisam uma situação para tentar encontram a melhor saída para ela; porém, jamais o considerei injusto. A maior diferença que vi após retornar a Lordran é que o primeiro game da série é bem mais punitivo do que eu lembrava – ao ponto de dizer que tanto Dark Souls 2 quanto 3 não possuem a mesma qualidade.
Antes que pegue uma tocha e venha até minha casa, eu não falo que “casualizaram” (detesto o termo), ou que facilitaram Dark Souls, mas sim que há menor espaço para erro. É facílimo de você tomar um “stunlock” — ser imobilizado – após tomar uma série de golpes. Fui lembrado muito bem disso depois de ser emboscado em Undead Burg por três soldados Hollow após atravessar a ponte que conecta o primeiro bonfire ao resto da área.
A presença do poise é o que me faz sentir que, mesmo que tenha terminado inúmeras vezes Dark Souls, eu nunca de fato o dominei. Botei o pé em Anor Londo e as terríveis lembranças de ter ficado preso durante oito horas seguidas nos malditos arqueiros vieram com tudo. Fechei o jogo, fui dar uma volta e me preparar psicologicamente para aguentar tudo de novo.
Como uma mão lava a outra, o design das fases não seria tão impactante se não fosse pelo poise. Lembrei-me disso também quando entrei em Sen’s Fortress, onde tomei “stunlock” de um mago e fui jogado para longe por um dos pêndulos da verdade. Quem diabos inventou de colocar uma ponte tão pequena para você atravessar?
Poderia me estender por mais dez ou quinze parágrafos descrevendo o quão apaixonado sou pelo design das áreas de Dark Souls. Seus caminhos escondidos, atalhos, emboscadas e monstros bem posicionados. A sua interconectividade ainda não foi completamente superada por nenhum dos jogos que o usou como inspiração. Neles eu vejo um mero jogo; em Dark souls, um mundo. O pôr do sol em Anor Londo, a entrada para Duke’s Archives, a escuridão de BlightTown – são memórias de lugares e não de “níveis”. E a história que acompanha esses locais é tão interessante quanto visitá-los. Isto é, se você tiver a paciência de desembaraçar o ocasionalmente — para não dizer frequentemente — lore confuso.
À medida que eu jogava o remaster, percebi algo que me deixou um tanto triste; a fórmula, na sua atual conjuntura, está desgastada. Por mais que eu saiba que o elemento místico e exótico de Dark Souls permanece forte, uma nova adição à franquia não vai evocar as mesmas emoções. Isso não vem de hoje, mas é algo que comecei a perceber desde o primeiro DLC de Dark Souls III. Minha felicidade não vinha de descobrir novas rotas, mas sim de fazer builds ridículas ou tentar completar o game com armas diferentes. Não sou uma pessoa de jogar PVP, portanto ignoro essa parte a não ser pelo duelo ocasional quando estou muito disposto a passar raiva gratuitamente.
Por falar em PVP, a minha maior frustração com o remaster vem do fato que a From Software ainda não colocou um sistema de anticheat competente. Algumas horas na versão PC e eu já tinha esbarrado em jogadores cuja vida não era reduzida, usavam armas fortíssimas (mais do que o jogo permite), ou alguma outra bizarrice. Foi um dos raros momentos que eu preferi jogar algo nos consoles, especialmente por conta da pouca diferença de imagem. Era isso ou jogar no modo offline, ou nunca restaurar a minha humanidade — que impede que outros jogadores entrem no seu jogo, mas também não permite coop.
Independentemente de me sentir desgastado com a fórmula ou de ter problemas com cheaters, apreciar a ambição de Dark Souls – e a capacidade de torná-la algo real – é inevitável. Em uma só tacada ele traz um pacote que atrai diversos tipos de jogadores: os masoquistas, os que gostam de deitar e rolar sobre um “lore” obtuso, os que gostam de PVP – e para todos esses ele dá maleabilidade para ser jogado, rejogado incontáveis vezes. Os “souls-like” — termo que detesto hoje em dia — que temos por aí ainda podem tirar muitas lições de Dark Souls sobre como construir lugares e como evocar emoções.
Não gosto de apontar algo como uma versão “definitiva”; afinal, é uma noção que vai variar de pessoa para pessoa (por exemplo, não consigo gostar do remaster de Shadow of The Colossus por ser tão diferente da obra original). Contudo, é difícil não dizer que Dark Souls Remastered é a melhor versão do game. Aqueles que jogam no console não vão ter mais que sofrer com problemas na taxa de quadros, e jogadores de PC não vão ficar dependentes do DSFix para rodar a 60fps ou aumentar a resolução interna.
É Dark Souls, é o jogo pelo qual me apaixonei anos atrás e pelo qual ainda tenho um imenso carinho. Rejogá-lo foi um prazer imenso. É um dos poucos jogos que considero atemporal, que merece ser jogado por qualquer um que deseja uma excelente dose de desafio, ou que esteja disposto a observar e aprender como criar um mundo coeso e convidativo. Não há motivos para não o ter em sua coleção.
Dark Souls é, sim, fantástico.
Mas ainda quero um novo King’s Field.
Dark Souls Remastered
Total - 9
9
As melhorias são sutis, mas fazem que Dark Souls Remastered seja a melhor versão do clássico da From Software. Merece estar na sua coleção, não importa quantas vezes já tiver terminado o jogo.