Estava em frente da porta de um outro chefão. “Farei mais esse e vou dormir”, escondia meu desejo de virar a noite pois sabia que deitar na cama sem derrotá-lo me incomodaria. Morri na primeira, na segunda, na terceira, na quarta tentativa. Na quinta, saí vitorioso. Ah, como senti saudade de você, Dark Souls.
Após me sentir pouco animado para terminar Dark Souls II e Bloodborne, minhas expectativas para Dark Souls III não podiam estar mais baixas. As promessas vinham aos montes, os chefões, as áreas, o novo sistema de habilidades e alguns refinamentos diziam que esse tinha tudo para ser o melhor da série.
A sensação de ser a experiência mais masoquista que vai passar continua presente. Olhava para a área que ia entrar e apenas pensava: “Lá vou eu sofrer de novo”. Mas não é aquele sofrimento o qual você se sujeita por puro prazer ou necessidade. É aquele que você tem certeza que irá, cedo ou tarde, superar.
A história retém o ciclo da luz e da escuridão, mas que toma peculiares e interessantes caminhos de acordo com as decisões do jogador. Os principais oponentes são os “Lords of Cinder”, que deixaram seus tronos e cabe ao protagonista restaurá-los. Simples de se explicar superficialmente, mas que ainda retém o estilo de adicionar camadas e mais camadas por meio da descrição de itens. A forma que é apresentada para o jogador já é maravilhosamente mais fácil de acompanhar do que Bloodborne.
Dark Souls III de maneira geral é mais fácil de compreender sem retirar a sensação de descoberta e quase que completo terror ao encontrar alguma monstruosidade. As primeiras horas apresentam uma quase que constante linearidade, o que não é algo ruim. Ele não se trata de uma sequência, mas o refinamento de uma base que já foi estabelecida há quase dez anos atrás.
Aprecio a maneira que as mecânicas são apresentadas ao jogador e aplicadas contra ele. Da forma que os chefões são dispostos, seus padrões de ataque e como vencê-los. A curva de aprendizado está muito mais suave do que seus antecessores. Sempre girou em torno de punir como aprendizado, só que este chegava ao ponto de ser frustrante. “O que diabos eu devo fazer para vencer esse chefão?”, era uma frase que falava quase antigamente e que em Dark Souls III quase não existiu.
Tenho de tomar como base também a minha experiência, solidificada ao longo de longos anos de tortura, diferentes builds e desafios auto impostos para expandir a longevidade dos antecessores. Mesmo que a tenha, a jornada pelo mundo de Lothric não foi amigável. A curva de aprendizado atinge um ponto onde o difícil se torna o quase impossível, onde as tentativas ficam mais longas e os bonfires um pouco mais distantes.
Mesmo com as quase trinta horas que joguei, não conseguia tirar a sensação de que Dark Souls III não era exatamente um título da série Dark Souls, mas sim o mais próximo de Demon’s Souls que a From Software já chegou. Não que eu ache os outros games ruins, continuam muito bons, mas Demon’s sempre teve um lugar especial. Era aquele mundo estranho, com mecânicas um pouco obscuras, uma progressão linear que lentamente se expandia e uma diversidade de builds que podiam ser criadas.
Toda área que eu entrava em Dark Souls III essa ideia voltava na cabeça. Era como se eu olhasse para o passado, me sentisse reconfortado e ao mesmo tempo desafiado. Até mesmo o hub central do jogo se assemelha muito mais ao Nexus do que qualquer outro da série.
Mas o que seria Dark Souls sem as tão temidas lutas contra os chefões, não é mesmo? Após sair decepcionado com a falta de criatividade que vi em Dark Souls II, esperava no mínimo algo marginalmente melhor. A From Software foi muito além disso.
Ela é capaz de fugir do padrão de “etapas” de um chefão — normalmente definido pela quantidade de vida que o resta — e misturar com algumas surpresas que te pegam desprevenido, mas que não te confundem. Saem os gigantes pouco inspirados de Dark Souls II e voltam os inimigos humanoides que testam a esquiva e destreza do jogador.
Por falar em destreza, aqueles que optam por uma build focada nisto ficarão felizes em saber que finalmente a desenvolvedora não os esqueceu, nem se voltou demais para força ou magia. Deixo para os especialistas em Dark Souls descobrirem a maneira mais efetiva de vencer um chefão ou de obter o melhor equipamento para o PVP, porém a variedade que vi era estonteante.
Não há muita novidade quando falo do combate em si, da luta corpo a corpo com os inimigos. A tensão está lá e segue a mesma fórmula que tornou a franquia tão famosa. Queria dizer que as Battle Arts — conjunto de habilidades especiais definidas por cada arma — dão um pouco mais de tempero a elas, porém seu uso foi restrito a raros momentos. Situacionais é a maneira que as defino.
Ao mesmo tempo, o polimento destes momentos de tensão é elevado a um ponto extremo. Tenho um longo histórico de reclamar dos “hitboxes”, ou seja, onde os inimigos recebem dano, em Dark Souls e Dark Souls III simplesmente não apresentou problemas nisso. É praticamente perfeito. Cada ataque conectava, cada golpe era certeiro e quando não conectava a culpa era, acima de tudo, minha.
Dos pequenos deslizes que a From Software cometeu, muitos ainda estão ligados a sempre desapontadora conectividade online. As partidas cooperativas que fiz caiam em duas categorias: Perfeito ou completamente impraticável. Em um ponto específico não conseguia ver os inimigos, enquanto o outro jogador deslizava pelo chão. Não sabia se era um bug ou apenas mais uma pegadinha da From Software. Infelizmente foi o primeiro caso.
Mas, não quero me prender apenas a estas tecnicalidades, já que a versão de PC, usada para essa análise, reforça ainda mais o comprometimento da desenvolvedora com a plataforma. Após o terrível port de Dark Souls, os games subsequentes melhoraram a galope e dessa vez não é diferente. Não apenas está visualmente impressionante, como quase que impecável tecnicamente. Duas áreas se mostraram problemáticas na taxa de quadros, mas de resto não tenho do que reclamar. Se você tem um PC poderoso suficiente para rodá-lo, não pense duas vezes.
Quando chego ao final da sessão, seja de trinta minutos ou de quatro horas, fecho o jogo e não sinto apenas uma sensação de alívio ou de vitória por ter derrotado um chefão, sinto uma urgência de querer retornar ao mundo de Lothric para mais aventuras mesmo com a ciência de que isso vai me fazer perder horas importantes de sono. Tento apreciar jogos como alimentos, sinto o sabor, vejo se é de meu agrado e se devo pedir novamente. Mal terminei Dark Souls III e já penso qual o próximo personagem criar. Isto é algo raríssimo de acontecer.
Muitas vezes eu viro os olhos para jogos que “empoderam” o jogador, o colocando como o centro total das atenções e que nenhuma outra solução é viável. Estes normalmente fazem de uma maneira que me cansa, que não condizem com a história ou que tratam os outros aspectos de maneira tão genérica que a premissa se esvai.
Peculiarmente, Dak Souls III nunca me afetou dessa forma, talvez por refletir no conceito de que sou capaz de vencer esses desafios se persistir. Eu sou por natureza teimoso, insistente e talvez até um pouco inconveniente. Me dê um desafio que eu te dou uma solução de uma forma ou outra. É por isso que gosto tanto da série de maneira geral e vê-la cair em uma ambientação genérica ou em um “sucessor espiritual” sem muita variedade foi decepcionante.
Dark Souls III é um retorno à forma, é juntar todos os elementos que eu amo na série e incluí-los em um só pacote. Desafiador, visualmente impressionante, mágico até. Entram os corajosos e só saem aqueles que puderem ser coroados como vitoriosos. Abrace o desafio, entenda as mecânicas, leve o tempo que precisar, ele te permite isso. No final, espero que se sinta tão realizado quanto eu me senti.
A análise foi feita com base em uma cópia para PC fornecida pela Bandai Namco.
Dark Souls III
Total - 9.5
9.5
Dark Souls III combina tudo o que há de bom na série em um único game. Desafiador, emocionante, com ótimos cenários e o combate ainda mais refinado. Além disso, consegue ser um bom ponto de partida para iniciantes com uma curva de aprendizado menos punitiva. Se este é o fim da franquia Souls, é o melhor que já vi.