“Se este jogo me fazer gastar 50h para liberar o final, eu vou criar a minha própria seita”, disse isso antes mesmo de sequer iniciar Cult of the Lamb (Steam / Xbox / PlayStation / Switch). Eu estou mais do que cansado de jogos que se intitulam roguelites e inflam a sua permanência com uma metaprogressão patética e que tem pouco a oferecer. O título da Massive Monster faz o contrário.
Eu sequer colocaria “Cult of the Lamb” na categoria roguelite. Ele é uma mistura de um dungeon crawler com elementos de gerenciamento e administração de recursos. Morrer no jogo é, no máximo, um pequeno inconveniente que pode ser recuperado em minutos. Se você está em busca de algo brutal, desafiador, complexo e cruel, é bem provável que você não vá se conectar tanto ao game. Bem, exceto a parte do “cruel”, que depende de como você administra a sua seita.
Em outros tempos eu teria crucificado (sem trocadilhos) “Cult of The Lamb” por ser raso e não possuir “conteúdo” suficiente para alguém que é fã de dungeon crawlers. Não faço isto por ver quão direto ao ponto e “honesta” foi a Massive Monster em seu design: aqui está o seu personagem, crie uma seita, derrote chefões e veja o final. É o típico jogo para um final de semana — ou, se você for como eu, para completar em duas ou três sentadas dependendo da dificuldade escolhida.
O feito de construir um jogo onde você tem uma parte administrativa separada entre recursos simples e avançados, e diferentes traços para cada cultista é incrível – isso tudo com um dungeon crawler com as suas próprias regras em paralelo é incrível.
Comparar os meus sentimentos enquanto jogava “Cult of the Lamb” com outros jogos que são adorados por tantos – como “Loop Hero” e “Rogue Legacy 2” — é assustador. No caso de “Loop Hero” e “Rogue Legacy 2”, toda morte era seguida por um “Ughhh… não, o que eu fiz de errado agora? Qual a combinação que eu esqueci? Eu não acredito que eu vou ter que melhorar meu personagem pela milésima vez, eu só quero completar o jogo, céus, o que tem de tão difícil nisso?”.
Abro um parêntese para apontar que, ao menos no caso de “Rogue Legacy 2”, é possível remover a geração aleatória do mapa para “facilitar” a progressão, mas a meu ver isso diminui o propósito do jogo ser um roguelite e não exclui a questão da metaprogressão ser dolorosamente lenta.
Quando eu falhava em “Cult of the Lamb”, quase que imediatamente pensava: “tudo bem, eu não matei o chefão dessa vez, mas ao menos consegui completar uma quest, ter os materiais para construir novos alojamentos e liberei uma nova área secundária, ótimo! Vou continuar para ver o que tem pela frente”.
A cadência de “Cult of the Lamb” é tão, mas tão gostosa de apreciar que a execução das tarefas “impostas” pelo jogo nunca são carregadas demais ou demandam um investimento absurdo de mim. Quando eu não estava construindo novos alojamentos ou delegando tarefas para os meus cultistas, eu ia para outras áreas do mapa pescar para garantir um alimento de qualidade melhor, jogava um mini game de dados, ou pensava nos meus próximos objetivos a curto e a longo prazo.
Eu sequer imaginava que ia ficar investido em todo o lado “administrativo” de “Cult of the Lamb”. Os trailers indicavam pra mim um sistema secundário mediano que eu ia acabar não dando muita bola ou que seria uma pedra no meu sapato. 15 horas de jogo depois e eu estava resmungando comigo mesmo: “Argh, esqueci de realizar o sermão de hoje”.
Tudo bem que não foi assim de começo; meu pré-conceito com esses sistemas secundários é tamanho que eu tratei a base com o mínimo de cuidado possível. Derrotei os dois primeiros chefões e construí as novas edificações de qualquer jeito ao ponto que minha base poderia ser considerada aquela caixa onde você guarda peças de lego, tamanha a zona.
Cabanas de um lado, bases de obtenção de materiais no meio delas. Juro que eu sou uma pessoa organizada na vida real, mas nem sempre reflito o mesmo nos jogos. Por sorte há uma opção para editar e reorganizar as suas estruturas no painel de construção, mas infelizmente ela é pouco citada depois dos minutos iniciais onde você não tem praticamente nada na base.
Falando em administração e painéis, Cult of the Lamb tropeça um pouco neste aspecto. A interface em si é funcional, com listagem de recursos e dos principais atributos da seita. Entretanto, os traços individuais de cada um dos seus seguidores só podem ser vistos caso dialogue com eles. À medida que a seita cresce, o processo acaba ficando cansativo.
Além disso, alguns traços dos seus seguidores aparentam estar lá mais para atrapalhar o “early game” do que para dar a eles alguma personalidade ou definição. Eventualmente eu liberei rituais mais poderosos – como fazer com que eles trabalhem dia e noite sem cansar ou impedir que a barra de “fé” não diminua por três dias. Acabou que eu prestava menos atenção nos seguidores, percebendo-os mais como uma força de trabalho que eu “coletava”.
Essa é uma das trocas que, a meu ver, foi necessária para fazer “Cult of the Lamb” funcionar tão bem. Há tantos outros jogos que oferecem esse aspecto mais aprofundado — como o DLC “Ideology” para “Rimworld” ou “Honey I joined a Cult”. Não duvido que venham a aparecer seitas com os mais belos ornamentos e seguidores personalizados até dizer chega, mas infelizmente esse aspecto reverberou muito pouco comigo.
O processo de equilibrar pratos da Massive Monster também é notável na própria curva de dificuldade das dungeons. Das quatro dungeons presentes, as duas primeiras são intensas e eu tive muito mais receio de “perder itens” ou “falhar” do que nas duas últimas. Nelas eu já me sentia poderoso; de fato o líder de uma seita com todos os poderes “mágicos” e um arsenal mortal.
Cartas de tarô — que atuam como “boosts” e são coletadas ao completar certas quests ou encontradas nas dungeons — não ajudam nem um pouco em diminuir essa sensação de que você é extremamente poderoso. Me pergunto se essas cartas estão no game com esse propósito ou se são migalhas de um design mais ambicioso da Massive Monster. Seja como for, ela ao menos garante maiores chances de sair vitorioso, especialmente pra quem não tem costume com o gênero.
Devo apontar que isso também pode vir um pouco da minha própria experiência com outros jogos que usam o estilo de combate de “Cult of the Lamb”. Tanto que levei algumas tentativas até decorar os padrões de ataque um pouco fora do normal dos principais chefões – de longe o ponto mais forte do combate do game. Se você já é veterano de dungeon crawlers, recomendo bastante aumentar a dificuldade para “hard” para ter um melhor proveito do jogo.
Mas é aí que mora a maravilhosa magia de “Cult of the Lamb”. Por mais que ele possa não ter me desafiado tanto, por mais que ele tenha alguns aspectos que não reverberaram tanto comigo, ele me prendeu do momento que criei a minha seita até o final dos créditos.
Difícil não me apaixonar quando vejo um jogo abraçar tantos sistemas e – dentro de seus limites – explorá-los para criar algo condizente. Perdi a conta de quantos jogos eu escrevi sobre que pendiam demais para um lado ou demais para o outro. “Cult of the Lamb” acerta a medida tão bem, mas tão bem, que ver os créditos rolarem na tela me deixou um pouco triste, e me peguei pensando “bem que poderia ter um pouco mais de ação ou algo para fazer”.
Em teoria eu ainda tenho muita coisa para fazer. Ainda não liberei todas as edificações, tenho alguns colecionáveis para pegar e – se tivesse reverberado comigo – administrar melhor minha seita. Mas eu estou mais do que feliz com o resultado final de “Cult of the Lamb”. Ele soube muito bem onde parar, tanto para o meu bem quanto para o bem dele.
Queira você criar sua própria seita, sacrificar seus seguidores ou ser “bondoso”, aí é com você. Mas te garanto uma coisa: seja qual for a escolha, o tempo gasto em “Cult of the Lamb” vai ser fantástico.
Total - 9
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“Cult of the Lamb” tem lá seus problemas na interface e uma curva de dificuldade que poderia ter sido mais bem ajustada. Mas para cada um desses tropeços, há um jogo que sabe contar uma simples e direta história, que entrega múltiplas mecânicas sem te sobrecarregar, e que tem um loop de gameplay sensacional. Um dos melhores lançamentos da Massive Monster e da Devolver em 2022.