“Olha lá quem chegou, o chato”. Essa é uma das dezenas de frases que eu carinhosamente uso para apontar que um dos meus gatos entrou no quarto. O gato que, quando não esparrama seus 8kg em cima de mim, decide morder meu pé às três da manhã. É também a frase que eu continuamente usei bastante nas minhas partidas de Crusader Kings 3: Royal Court. A diferença é que eu amo meu gato… e Royal Court (Steam) tem seus altos e baixos.
De acordo com a Paradox, Royal Court é a primeira grande expansão de Crusader Kings 3. Expansão em partes, a realidade é que a desenvolvedora mais uma vez empacota uma grande atualização que resolve problemas que ela mesma criou para Crusader Kings 3 – como a ausência de posições na corte – e coloca Royal Court como um “incentivo” para você explorar o máximo dessas mecânicas. Uma pena que o sistema de corte em si seja um pouco patético.
A introdução de uma visualização de seu trono real — mecânica exclusiva para reis e pessoas que possuem títulos similares em outras culturas — é no papel um imenso passo para expandir os sistemas de interação e elementos de RPG de Crusader Kings. Outra vez a Paradox consegue pisar na bola e fazer esse sistema mundano.
O que me incomoda é a presença de poucos eventos exclusivos que surgem quando você realiza a ação “Hold Court” – uma nova ação, disponível a cada cinco anos, e que permite que você ouça as preces de plebeus ou de seus vassalos; é praticamente a versão medieval de “reuniões que deveriam ter sido emails”. A diferença chave é que eu participo de reuniões que deveriam ser e-mails, pois eu preciso pagar as contas.
Pode ser que eu tenha jogado Crusader Kings 3 demais desde o seu lançamento, mas a quantidade de eventos que vi sendo repetidos ou que também apareciam como ocasiões naturais ao longo de partidas passadas era estarrecedor. “Pera, mas eu já falei com essa pessoa, eu já vi esse evento, eu já aturei esse chato! Qual o motivo dele voltar para a minha corte? Por que eu me impressionaria com ele agora só por ser renderizado em uma corte em 3D?”, e revirava os olhos. Capaz que alguém da Paradox me responda “Ora, para você se sentir mais na pele do personagem!” — bom, me desculpe, mas não faz muita diferença para mim.
A corte em si, embora bela de se ver, é como o equivalente de comprar skins para shooters em primeira pessoa: eu entendo o apelo, mas não é do meu interesse. Eu posso passear por ela via diferentes câmeras e até posso encontrar um nobre que queira me vender algum artefato raro (mais sobre eles em breve), disparando um evento especial. Na maioria do tempo eu esquecia que ela existia.
Como está cada vez mais costumeiro nos jogos da Paradox, a comunidade de modders vem para salvar o dia, e dezenas de mods com novos tipos de eventos – dos mais banais aos mais impactantes – já estão na lista lista de mais usados no Steam Workshop.
A parte boa do sistema de corte e de “Hold Court” é que ao menos os eventos ligados a ela são esporádicos o suficiente para não me sobrecarregar de informações em um jogo que, convenhamos, já é mais denso do que a maioria.
O que de fato salva o sistema de corte de ser um completo desastre, e também Royal Court em um geral, é o tão aguardado – ao menos por mim – novo sistema de cultura. Muito como religião em Crusader Kings 3, culturas agora podem ser moldadas do jeito que você bem entender. Você pode começar em uma cultura específica, decidir que não quer mais fazer parte dela, torná-la híbrida com uma cultura que divide o mesmo espaço geográfico que você e tantas outras peculiaridades que geram uma lista imensa.
Considerando o meu histórico de ter começado a apreciar os jogos da Paradox a partir de Hearts of Iron 2 (ainda a minha franquia favorita) e de jogar boa parte deles como uma imensa planilha interativa, a ideia de modificar culturas acerta o meu coração como uma flecha disparada de um cupido.
Os inícios em 867 deixam de ser aquele “tédio” da versão base de Crusader Kings 3 para se tornarem um paraíso para eu criar o caos. Começar com o Rei Carlos II da França, e lentamente, ao longo de 400 anos, sair de uma tradição católica para uma cultura poligâmica, trm uma linguagem híbrida e uma religião que aceita o canibalismo é de chorar de rir. Ou, se você estiver com vontade de causar o caos – e eu imagino que boa parte das pessoas gostam de ter um “Casos de Família” medieval nas mãos –, criar o seu próprio monarca e criar uma cultura híbrida.
São nesses momentos — em que meus vassalos olham para mim e falam, com a delicadeza necessária: “Meu amigo, você está maluco?” quando eu decido mudar um dos pilares da cultura — que os elementos de RPG tão bem sedimentados pela Paradox começam a funcionar com Royal Court.
As incontáveis guerras civis que eu tive que apaziguar — seja na França, Suécia ou tantos outros reinos — por causa de mudanças absurdas foram excelentes. Imagina que eu cheguei e mandei “Então, agora nós somos uma cultura poligâmica; todo mundo pode ter 4 esposas, vocês que lutem”. E eles lutaram contra mim, é claro.
Como um jogo altamente modular, eu não só ficava fascinado em ver os meu reinos pegarem fogo, mas também outros reinos passarem pelas mesmas situações, já que eu aumentei a quantidade e frequência de culturas híbridas. Se o caldeirão já fervia antes de Royal Court, a Paradox só me ajudou a botar mais lenha.
Muitas guerras tiveram a participação direta do meu personagem, que, com sua espada feita especialmente para ele, decepava os inimigos em batalha e entrava em duelos. Essa espada faz parte do novo sistema de inventário e artefatos. Ainda que parte da atualização 1.5.0, o sistema que apareceu pela primeira vez em Monks & Mystics é expandido por Royal Court com a introdução de artesãos “raros” que podem forjar itens que você pode equipar ou apresentar na sua corte, aumentando a sua “grandeza”.
Eu já adorava o sistema de equipamento de Crusader Kings 2, portanto era óbvio que eu ia cair de amores pelo de Crusader Kings 3. Meu principal interesse permaneceu nos equipamentos que eu podia vestir ou levar para o campo de batalha. Já aqueles que aumentam a “grandeza” da sua corte ficam como algo “secundário”. Eu os exibia na corte para aumentar uns pontos ali e acolá, facilitar o aprendizado de novas línguas — uma nova mecânica que facilita a interação entre outras culturas — ou ganhar pontos com certos vassalos ou líderes religiosos. Mas, como já disse acima, eu tenho pouco interesse em ver uma corte em 3D e teria me contentado com um simples menu.
O que vai ser um grande divisor de águas, como de praxe, é a obtenção desses artefatos. A principal maneira de adquiri-los é via eventos que exigem um bom montante de dinheiro. Não se assuste se a maioria das buscas por artefatos não der em nada; diria que 3 das minhas 20 expedições me trouxeram algum benefício. Mas, o que seria Crusader Kings 3 sem um pouco de “RNG”? É do jogo, e segue em frente com os bolsos vazios.
Eu sinceramente fiquei mais frustrado quando obtive um artefato que aumentava a grandeza da minha corte e impressionava os meus hóspedes. A minha visão do sistema de grandeza é: buffs, buffs e mais buffs para te tornar mais poderoso em Crusader Kings 3 e, outra vez, acho a interação com o trono monótono. Não precisa me dizer que era assim que funcionava na época e em partes funciona até hoje.
Me lembro muito bem do começo dos meus 20 anos quando fui na casa de alguém e esta pessoa proclamou, com todo o orgulho do mundo, que ela tinha um quadro original do Romero Britto. Olhei para aquele quadro minúsculo, dei um sorriso de canto de boca e não comentei. Quem sou eu para dar pitaco nas decisões da vida dos outros? Logo eu, que acabei de tomar um gole de café que está na minha caneca da Hello Kitty ao fechar esse parágrafo.
Dito isso, Crusader Kings 3: Royal Court mais adiciona do que decepciona. Os puristas e buscadores de conquistas vão adorar dominar o mundo como o império Bizantino (sério, vocês não se cansam disso não?) e apreciar todas as conquistas que eles obtiveram ao longo dessa campanha. Vou continuar a achar um baita potencial desperdiçado, mas aposto que em dois anos eu irei olhar para essa matéria e falar “Ao menos eles adicionaram mais mecânicas para o trono real”. Essa é a Paradox atual, para o bem ou para o mal.
Eu vou continuar me divertindo com esse misto de “imensa planilha” com o sistema de grandeza e o reforço do sistema de roleplay de Crusader Kings 3 trazido por Royal Court. Agora, como posso criar Lord Farquaad no jogo? Hmmm… preciso descobrir isso o quanto antes e criar uma cultura baseada em Shrek.
Crusader Kings 3 - Royal Court
Total - 8
8
A adição do trono real em 3D e seus respectivos eventos não é muito interessante por si só, mas Royal Court é salva pelos elementos de roleplay de Crusader Kings 3, que são mais ainda fortalecidos com o fantástico sistema de cultura modular, artefatos e equipamentos. Se é o caos que você busca, então é caos que Royal Court trará.