Eu quero que escrevam uma lenda sobre mim, a lenda do homem que começou a jogar “Crusader Kings 3: Legends of the Dead” (Steam), mas que na metade de uma partida pegou uma virose, ficou com febre e teve que ir para o hospital. Felizmente, eu fiquei bem depois de alguns dias de repouso e uma quantidade inimaginável de soro. Não posso dizer o mesmo dos reis e duques que controlei desde que o DLC saiu. Ou seja, ao menos uma coisa a Paradox acertou em cheio: demonstrar o impacto das doenças da idade média em “Crusader Kings 3”.
Eu não tinha dúvidas de que a desenvolvedora iria acertar nesse ponto. O sistema implementado em “Crusader Kings 3” é bastante similar ao que vi em “Crusader Kings 2”. Para muitos, ele deveria estar presente desde o lançamento — algo com que concordo. Entretanto, se ele estivesse no lançamento, ele não teria tirado proveito das incríveis camadas que foram adicionadas desde então.
Vejo “Crusader Kings 3” como um jogo bem mais difícil de apontar “defeitos” — ou melhor, deslizes — do que o seu antecessor, pelas diversas camadas de dinamismo presente neles. A Paradox se debruçou em sistemas de roleplay que podem ser muito bem vistos em “Tours and Tournaments” e até mesmo na mais fraca das expansões, “Royal Court”. Pequenos quando vistos separadamente, mas com um impacto gigante a longo prazo.
Assim são as doenças trazidas por “Legends of the Dead”. É impossível vê-las “totalmente” em uma única partida. Pode ser que o seu reino seja poupado de uma epidemia, mas um de seus aliados ou até amigos faleça e aumente a carga de stress do seu personagem. Eventos como sair para caçar e passar dias viajando pode causar um estrago na sua corte. Hospedar torneios? Você está praticamente convidando para que uma epidemia bata na sua porta.
Esta interligação fantástica de mecânicas me faz ser menos “crítico” do que “Legends of the Dead” adiciona. Não importa se você está em uma partida como o rei da França ou uma tribo na África. Doenças não vão levar em conta o seu status social. Quando elas te pegam, elas te pegam de jeito.
Claro que um rei da França tem muito mais chances de sobreviver do que um Sheik na África, mas ter atributos de uma região afetados — além da própria saúde do seu líder — vai muito além do que “Crusader Kings 2” oferecia.
Foi em meio a esse caos que vi vassalos poderosos que tentavam usurpar o meu trono na França morrerem, enquanto outros surgiam de territórios que não eram da menor importância para mim com sede de sangue e poder.
Eu não consigo enfatizar o quanto eu adoro esse dinamismo presente em “Crusader Kings 3”. É um elemento que poucos jogos são capazes de reproduzir com o mesmo grau de intensidade, capaz de gerar entusiasmo e pavor. É por esse dinamismo que, assim que a peste negra começou a tomar conta do mapa de “Crusader Kings 3”, o pavor se instalou em mim.
Diferente do que acontecia em “Crusader Kings 2”, a peste negra de “Legends of the Dead” não é só um conjunto de eventos onde você “só” vai fechar os portões do castelo, rezar para que não seja consumido por ela ou não tenha que escolher opções extremas como o canibalismo. Passou o evento e tudo voltava para o “normal”. A peste negra devasta províncias e testa o planejamento até mesmo daqueles mais afinados em “Crusader Kings 3”. Não que seja possível exatamente planejar tudo com um jogo de tamanho dinamismo.
Quando chegou a vez da França ser afetada pela peste negra é que eu vi, outra vez, o incrível trabalho da equipe do Grand Strategy em produzir eventos significativos, fazer com que toda decisão tivesse um peso enorme. O enfoque em roleplay de “Crusader Kings 3” não tem como ser diminuída. Até mesmo a forma, vestimenta e atitude de alguém afetado pela peste negra — caso sobreviva — é alterada.
O que é diminuido é o impacto da segunda grande adição de “Legends of the Dead”. O sistema de lendas em teoria permite que você crie e estabeleça lendas de seus gigantescos feitos. Muitos deles podem ser construídos de histórias banais. Uma caça onde você eliminou um coelho vira um conto épico de como você sobreviveu a uma emboscada, lutou valentemente e venceu os seus adversários.
Essas lendas geram bônus para atributos do seu personagem e, caso se enraízem dentro do coletivo popular, começam a estabelecer a sua família como uma de feitos enormes. Todavia, as lendas mais parecem contos que desaparecem em um piscar de olhos do que… bem… lendas.
Não sei se a Paradox apenas não quis dar poder demais para o jogador e por consequência aumentar o seu poder contra outros reinos e vassalos, ou se a desenvolvedora plantou um sistema que vai ser explorado com mais profundidade em futuras atualizações e pela comunidade.
Na atual conjuntura, produzir uma lenda de grande importância requer “sementes” que aparecem em boa parte na região católica de “Crusader Kings 3”, ou seja, Europa, e exigem um gasto absurdo de dinheiro. Até as lendas mais fortes que eu consegui criar se dissipavam antes mesmo do meu próprio Rei falecer. Será que inventaram checagem de fatos na idade média retratada pelo jogo e eu não fui avisado?
O sistema em si também não é tão intuitivo ou natural quanto eu gostaria. Comparado com a naturalidade de hospedar torneios ou fazer viagens com sua corte, a interface das lendas cria um distanciamento do roleplay de “Crusader Kings 3”. Algo como “aqui está um novo sistema com que você vai interagir ocasionalmente, mas não se preocupe se não interagir, nada de mal vai acontecer”. Também não vi a IA tentar estabelecer as suas próprias lendas — o que eu esperava, considerando que “Crusader Kings 3” já tem sistemas bem poderosos para isso: o de religião e de culturas divergentes.
Eu talvez me sentiria menos decepcionado com as lendas se elas tivessem vindo como um sistema gratuito, tal como o de legitimidade, que é a cereja no topo do bolo da atualização que acompanha “Legends of the Dead”. Ainda que elas, de fato, aumentem a sua legitimidade de se manter no trono seja qual for a sua denominação (rei, rainha, sheik, etc), métodos mais tradicionais como vencer batalhas ou casamentos ainda são uma aposta mais segura.
Para um jogo que até então mostra imenso dinamismo, as lendas são rígidas e, por ora, não muito interessantes de se interagir com. Mas, dado o histórico de “Crusader Kings 3”, eu estou mais do que disposto a acreditar que a Paradox irá revisitá-lo ou preenchê-lo com conteúdo — preferencialmente gratuito.
Depois de um final de ano morníssimo para “Crusader Kings 3”, “Legends of the Dead” começa o terceiro ano do Grand Strategy com o pé direito. É o pé direito que eu imaginava? Não. Mas, graças a uma boa interligação de mecânicas e o enfoque em roleplay, tentar sobreviver a um dos piores períodos da idade média nunca foi tão desafiador e divertido. É o tipo de DLC que enriquece um jogo em todas as áreas, mesmo quando o sistema de lendas deixa bastante a desejar.
Eu sei muito bem que vou continuar a jogar “Crusader Kings 3” ao longo do ano para ver o que a Paradox vai adicionar no futuro. Só espero que, quando “Roads to Power” — previsto para o terceiro trimestre deste ano — sair, eu não pegue alguma doença ou ocupe algum cargo político no dia que ele for lançado.
Crusader Kings 3: Legends of the Dead
Total - 8
8
Se alguém ainda tem dúvida que a ênfase demasiada em roleplay de “Crusader Kings 3” foi uma decisão errada, “Legends of the Dead” acaba com esse argumento. A forte interligação de mecânicas fazem com que lidar com crises de saúde seja muito mais assustador, ao mesmo tempo abrindo oportunidades para você usurpar terras de seus oponentes. A peste negra é uma peça central que mostra todo o seu poder destruidor e muda o panorama de uma partida inteira. Gostaria de falar o mesmo sobre o sistema de lendas, mas, por ora, ele está mais para uma “mecânica adicional” do que algo de fato pertencente ao Grand Strategy.