Holy Fury (Steam) é de longe a maior expansão de Crusader Kings 2 até hoje, mas diferentemente de algo como The Reaper’s Due, não é necessariamente tão impactante. Enquanto a peste bubônica foi o foco desta última, criando maiores momentos de tensão para todas as nações / facções / etnias da Europa da Idade Média, Holy Fury olha para o jogo e “Ok, o que podemos arredondar dessa zona de desenvolvimento que foram esses últimos seis anos?”.
Exageros à parte, esse é bem o contexto em que Holy Fury se encontra: revitalizar um jogo que passou por tantas mudanças ao longo dos anos, sendo muitas delas severas, é algo cada vez mais difícil. Jade Dragon foi em si uma tentativa, ao trazer ainda mais mecânicas como a inclusão da China como uma “influência” no Leste, mas falhou por acabar não só tendo um impacto pequeno no restante do jogo, mas também trazendo peso desnecessário. Mesmo assim, o que não falta nesta expansão é ambição; o que torna duas das mais visíveis adições dela as minhas preferidas: Shattered e Random Worlds.
Sabe-se lá por qual razão meu cérebro decidiu isso, mas eu nunca senti “correto” começar uma partida de Crusader Kings 2 e planejar alguma estratégia maluca. Não era exatamente roleplay, pois até Holy Fury eu não conseguia me encaixar exatamente, só não sentia que meu tempo seria bem apreciado se o meu reinado católico debandasse e começasse a entrar em guerra com metade da Europa por motivos aleatórios — coisas que guardo para a guerra dos 30 anos e a reforma católica do Europa Universalis IV. Randomized Worlds são a oportunidade de eu finalmente fazer isso. O que a nova opção faz é alterar completamente a posição, religião, e quantidade de duques e impérios de Crusader Kings 2. Eu passei tanto tempo na tela de geração de mapa só para ver a quantidade de opções que nem sei se daria para encaixar em um único texto. Joguei com o império de Antioca, localizado no Leste, e por algum motivo acabei com 76 vassalos no começo de uma partida, o que causou uma imensa ruptura nos primeiros dez anos de reinado. Depois disso entrei em guerra com um segundo império, o de Asalupidicenia, que tomava maior parte do leste da Europa e Rússia. A Europa ocidental? Um conflito entre reinos pagãos de origem africana com sultanatos que seguiam uma religião peculiar com um polvo como símbolo. Seguidores de Cthulhu, eu presumo.
Shattered World traz o mesmo propósito, mas um para aqueles que preferem que todos estejam no mesmo patamar. Você pode ajustar a quantidade de duques, vassalos, quantos personagens terão traços de grandes conquistadores, qual o tipo de linha de sucessão é mais proeminente, e também ter um mundo aleatório… só não tão…. “insano” quanto o Randomized World. Neste modo eu me debrucei para apreciar as novas interações trazidas por Holy Fury — o segundo pilar que sustenta a expansão.
Irei, portanto, contar a brevíssima história de Yared, um egípcio da cultura germânica, um terrível lutador com 0 pontos de martial e rodeado por outros chefes de cultura germânica, mas oriundos do Oeste da África. Já deu para ver que essa vai ser uma partida e tanta.
Considerado um “infiel” por muitos ao seu redor, Yared não teve uma vida exatamente pacata. Quase imediatamente após começar seu reinado, decidiu participar da sociedade dos Wolf Warriors, focada em promover guerras, duelos, e causar muita morte. Mas para isso Yared tinha de se provar capaz de segurar uma espada. Parabéns Yared, 0 pontos de martial e acha que vai ganhar algum duelo. Para a minha surpresa ele venceu, apesar de sair severamente machucado. Com isso ganhou o traço de bravo, que dá +3 de martial. Já é algo, mas agora era hora de descansar e tentar administrar o reino.
Yared tinha duas grandes tarefas que precisavam ser resolvidas a curto prazo: contratar comandantes competentes para as suas tropas, e ganhar a confiança de sua esposa de volta. A primeira tarefa não era tão difícil; foi com a esposa que as coisas complicaram. Não sei se foi por causa de Yared ter uma concubina ou de dormir ao lado de um crânio — troféu que ele mesmo pegou para si após arrancar a cabeça de seu adversário no duelo.
Seu relacionamento deteriorou ao longo dos anos seguintes até que Yared optou pelo divórcio, disposto a lidar com as devidas consequências. Sua esposa era de uma longa linhagem de guerreiros e espiões, e, para piorar, a única filha viva de uma das maiores casas da região — Cholokashvili — que via Yared como um “infiel”. O divórcio significaria a ruptura do pacto de não-agressão, a possível fúria do pai de sua esposa, Bakur, e o adiamento de um dos sonhos de Yared: a reformulação de sua religião para uma que abraçasse a poligamia. É que, para realizar esse sonho, ele teria de tomar controle de três locais santos para a religião Pagã — algo impossível naquele momento.
Foram cinco anos de um peculiar silêncio até que Bakur declarasse guerra contra Yared. Um momento oportuno para ele, eu diria, pois estava enfraquecido e já lutando outras duas guerras para manter os meus cofres cheios.
Seu exército marchou até a capital e lá se manteve até que as muralhas sucumbissem. O que se sucedeu foi uma sangrenta batalha entre o exército controlado por Yared e pelo de Bakur. Suas espadas se cruzaram no campo de batalha. Lá estavam os dois frente a frente; um golpe certeiro de Yared quase lhe deu a vitória, mas não antes de Bakur conseguir arrancar a perna de Yared.
Os últimos anos do reinado de Yared podem ser descritos como patéticos. Perdendo parte de sua terra, seus vassalos e sua corte, sem dinheiro para sequer construir um hospital ou um vilarejo, ele morreu no calar da noite, sob circunstâncias um tanto quanto suspeitas. O spymaster deixou alguma intriga escapar, ou foi cúmplice nela? O mistério continua no ar.
O pequeno reinado de Yared foi, sem sombra de dúvidas, o mais próximo que cheguei de finalmente abraçar o conceito de roleplay em Crusader Kings 2. Por mais que esse fosse o foco, eu sempre vi meus súditos como números e atributos a serem conquistados ou eliminados. Stellaris, por outro lado — e com a centena de problemas que carrega — sempre foi a base para criar meu roleplay. Gastei horas criando novas espécies que depois colocava para digladiar no espaço, fosse contra mim ou contra os outros.
Dessa vez foi diferente; eu não me identifiquei com Yared — pelo amor, eu não sairia por aí tomando concubinas, irritando esposas ou arrancando cabeças — mas algo me atraiu mais fundo. A inclusão de duelos mais detalhados, que consequentemente fizeram as sociedades exclusivas para as religiões Pagãs mais interessantes, e a própria vontade de reformar a minha religião para algo que tivesse mais afinidade com meu governante – eram alvos, objetivos a serem conquistados.
Jogadores que gostam de pedir favores para o Papa como se ele fosse a mãe deles, quero dizer, de religiões católicas, também desfrutarão de uma prazerosa gama de alterações como cerimônias de coroação, possibilidade de se tornar uma santidade ao falecer, linhagens históricas ainda mais poderosas, batismo de seus filhos pelo Papa e, obviamente, Cruzadas. Muitas Cruzadas. Ou, se você quiser, pode reformar o catolicismo ou recriar a religião Helenística.
Serei breve no aspecto católico, pois sinceramente sou um terrível jogador com países que adotam a religião. Minha partida como o imperador Náhkol de Francia teve um começo pacato, pacato até demais para o início de uma campanha na data selecionada (1066). Só que esqueci de uma coisa ao jogar com ele: novamente estava em um mundo aleatório e com a opção “Animal Kingdom” ativada. Meu vizinho não era ninguém mais, ninguém menos que Bahamut, o dragão-rei da Escócia. Seus vassalos? Outros dragões. A Síria era controlada por ursos polares. Parece uma história de Dwarf Fortress, mas não é.
Mesmo dentro desse contexto bizarro no qual me encontrava (Jerusalém era tomada por um elefante, um Elefante!), eu me senti mais próximo de quem era aquele personagem. E essa mudança também é sentida não só pela expansão, mas na própria tela dos personagens — que recebeu uma nova interface e agora permite que eu identifique com maior facilidade os atributos positivos e negativos deles, aumentando a facilidade de entender como e quando decisões importantes devem ser tomadas. Detalhes pequenos, mas que tornam a experiência — e especialmente o aprendizado para novatos – muito mais agradável.
Holy Fury só é prejudicado por uma pequena grande decisão da Paradox, o quase-predatório método de DLCs adotado pela empresa desde o lançamento do próprio Crusader Kings 2. Para apreciar Holy Fury em sua plenitude, você precisa ter ao menos The Old Gods, Monks & Mystics, Sons of Abraham, e Way of Life. Alguns deles são ligados às sociedades que citei, a possibilidade de desenvolver melhor o seu personagem, de jogar com uma nação pagã que não seja genérica. Ou seja, aquele preço de R$37,99 vai subir um tanto. Agora, aqueles que preferiram segurar a onda e não comprar as expansões anteriores ficarão um pouco perdidos com alguns detalhes que citei. Já está mais do que na hora da Paradox começar a integrar algumas dessas expansões no jogo base sem custo adicional como fez com Europa Universalis IV em Dharma.
Com expansão ou não, interessado em apreciar a expansão na sua plenitude ou não, Holy Fury é de longe uma das melhores expansões já feitas para Crusader Kings 2, pois consegue abraçar todo estilo de jogador — dos que querem criar um sultanato na Europa enquanto lutam contra patos aos que querem reformar a sua religião pagã para um nu-cristianismo, dos amantes de cruzadas aos que gostam de jogar como um duque e ficarem no seu canto. Crusader Kings 2 chegou no ponto de “se mexer mais, estraga”, e se esta for a última expansão para o game — é uma baita despedida.
Crusader Kings 2: Holy Fury
Total - 9
9
Uma fantástica expansão capaz de incluir um pouco mais de “tempero” em uma fórmula de quase seis anos, e que pode ser apreciada por todo e qualquer tipo de jogador de Crusader Kings 2. Vá a cruzadas, remodele religiões, lute contra patos, seja um rei-gato. A Idade Média agora é, mais do que nunca, um quadro em branco. Faça dela o que quiser.