Eu escolhi cobrir “Creatures of Ava” (Steam / Xbox) meio que às cegas. Achei o visual bonito e pensei “por que não?”. Assim que as cenas iniciais começaram, e que eu estava no papel de Vic, uma cientista ambientalista que viaja para o planeta de Ava para salvá-lo, pensei “lá vem mais uma tragédia de narrativa sobre o salvador humano”. O título da Inverge Studios e publicado pela 11bit não me trouxe nenhuma confiança nas primeiras horas e, quanto mais eu jogava, mais eu temia pelo pior.
“Não precisamos da sua ajuda, sabemos nos virar e os humanos que vieram antes de você tentaram a mesma coisa, e nós dissemos não. Sabemos que o nosso planeta está morrendo, e sabemos que há como salvar parte dele, e fizemos a paz com isso”. Estou parafraseando o que um dos líderes do Naan, os nativos do planeta de Ava.
A reação desse líder me pegou desprevenido. Sei que estamos em pleno 2024 e que a narrativa do “salvador branco” já devia ter morrido faz tempo. Mas muitos jogos continuam a perpetuá-la mesmo sem saber (e se eu entrar no âmbito dos jogos de estratégia, essa crítica vai longe). O pontapé da Inverge Studios em mostrar que “Creatures of Ava” não ia ser assim começou a me aliviar de pouco a pouco.
Não vou chegar e dizer que algumas das mensagens exploradas pela desenvolvedora não estão um tanto quanto “batidas” e, para 2024, até parecem como um sonho distante. Os Naan, por exemplo, oferecem a Vic uma flauta “mágica” que a ajuda a recrutar animais para solucionar quebra-cabeças ou curar aqueles que foram afetados pelo que os nativos chamam de “The Withering”.
Eu compreendo o que a Inverge Studios tenta fazer com a narrativa de “Creatures of Ava”. Colaboração entre diferentes espécies – ou melhor, no caso do nosso planetinha que está cada vez pior – diferentes pessoas vai trazer frutos para todos. Mas, essa não é a realidade em que vivemos. Muito menos a realidade que Vic vai encontrar ao longo da história.
Chego a dizer que Vic, em boa parte da história, é quase como uma coadjuvante de toda a narrativa dos Naan. A população nativa é quem carrega a narrativa de “Creatures of Ava” nas costas, e por um bom motivo. O sonho distante que citei acima? Ele é muito bem representado pelas diferentes personalidades que Vic vai interagir.
Desgosto, apatia, indiferença, curiosidade, raiva. Os Naans sabem muito bem que não precisam de salvação e muito menos que Vic os fale o que fazer ou deixar de fazer. Não é todo dia que um jogo com uma ambientação que, em teoria, deveria ser reconfortante, bota essas diferenças na mesa e fala “nem sempre vamos nos dar bem, e pode ser que nunca nos demos bem no fim do dia”.
Foi um absoluto deleite conhecer mais sobre a história de cada habitante, o motivo deles não confiarem em Vic, se eles mudariam ou não de opinião. A Inverge Studios fez um trabalho tão bom em estabelecer os Naans como habitantes do planeta de Ava que, se fosse decisão minha, “Creatures of Ava” seria quase que exclusivamente um jogo focado na narrativa sem nenhum elemento de “jogabilidade” adicional. Mas, como ainda vivemos em uma era em que todo jogo precisa ser interativo para ter o mínimo de sucesso, isso não é uma realidade. É aí que “Creatures of Ava” tropeça.
Explorar o planeta de Ava em si é delicioso, a palheta de cores é reconfortante, intensa e cada criatura que você interage tem seus trejeitos, e peculiaridades. Em muitos momentos você vai precisar interpretar a atitude delas para tirar fotos e ganhar pontos de pesquisa – usados para desbloquear novas habilidades – ou curá-las da “The Withering” para que te ajudem em pequenas missões. As missões que, para mim, descem que nem uma pedra por dois grandes motivos.
O primeiro são as missões de cura ou “resgate” de animais: Entendo a necessidade de “Creatures of Ava” ser acessível para todo o tipo de público, já que ele possui um sistema de “combate” não violento. Você nunca de fato ataca as criaturas, mas precisa desviar dos possíveis ataques delas ou juntá-las em grupo para curá-las mais rápido. A movimentação do jogo parece não ter sido feita para isto, muito pelo contrário. Os comandos as vezes demoram para serem executados e Vic muitas vezes parece não responder a ações básicas.
Questões como a descrita acima podem muito bem ser consertadas com uma atualização ali ou acolá, mas não resolve o segundo motivo, as missões são simplesmente…chatas. “Creatures of Ava” se escora demais nas entediantes “fetch quests” até para momentos cruciais da narrativa. Vá ali e pegue “X” elemento, depois volte para “Y” e entregue para “Z”. Como alguém que estava interessadíssimo em conhecer mais as histórias dos Naan – muitas delas contadas via missões secundárias – eu tive estômago suficiente para aguentá-las. Minha recomendação? Que faça elas à conta gota.
Melhor dizendo, se você for jogar “Creatures of Ava”, jogue no ritmo mais tranquilo possível ao contrário de mim que tentou completar o máximo possível no menor tempo, e não foi por conta de prazos, mas sim por conta do meu tremendo interesse nos Naan.
Pois eu sei que, debaixo de problemas como as missões sem graça e uma jogabilidade muitas vezes travada – tal como descrevi extensivamente acima – há um jogo fantástico que traz questões interessantes, pega temas que muito bem poderiam ter a mesma resposta de jogos produzidos 10 anos atrás e os repensa.
A Inverge Studios foi capaz de criar uma joia bruta, um jogo que vai agradar os fãs que buscam reconforto, mas também não vai deixá-los parados no lugar passando a mão na cabeça deles e falando “Vai ficar tudo bem, tudo fica sempre bem”. Uma abordagem inusitada para uma indústria que gosta tanto de bater na mesma tecla, ainda mais quando a temática é jogos reconfortantes.
Total - 8
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Embora tenha problemas na jogabilidade e missões maçantes, a narrativa e o universo de “Creatures of Ava” encantam. A história de Vic e dos Naans que habitam o planeta de Ava é uma que aborda temas que, ainda que vistos em outros jogos, ganham um novo propósito e levantam ainda mais questões para nós humanos em 2024. Recomendado mesmo se você não for o maior fã de jogos reconfortantes.