Entre os dias 4 e 8 de maio de 1942, as forças armadas dos Estados Unidos e do Japão se enfrentaram no que é hoje conhecida como a Batalha do Mar de Coral. Foi nela que o alto comando dos EUA notou a importância do porta-aviões. Dissecado por muitos historiadores, o confronto tem várias interpretações. Uns dizem que foi uma vitória para os Estados Unidos dada a menor perda de tropas, outros apontam que foi uma derrota tática, já que o preço pago foi alto demais já que os EUA perdeu o porta-aviões USS Lexington, um dos maiores da nação, perto do quase insignificante porta-aviões Japonês Shōhō. O que isso tem a ver com Command & Conquer Remastered Collection (Steam / Origin)? Em 1995 vitórias ou derrotas táticas eram elementos raros em jogos de estratégia em tempo real.
A importância histórica de doutrinas militares aplicadas dentro de jogos de estratégia não é algo novo. Wargames ou jogos de estratégias voltados para entusiastas como Harpoon de 1989 já trabalhavam com a ideia de que vitórias táticas — onde um lado pode vencer o confronto ao perder equipamento menos valioso ou tomar zonas de controle de maior importância — eram um componente essencial. Porém, abranger um público maior com essa noção — ao menos no que diz respeito ao seu componente “single-player” — era algo impossível.
Eu nunca fui um grande fã de Command & Conquer: Tiberian Dawn. Tenho um certo apreço pelo Red Alert, mas só fui me interessar pela franquia já no Tiberian Sun. Retornar a esses jogos, ainda que remasterizados (e com uma das melhores remasterizações que já vi), abre não só uma porta para entender o passado, mas também como esses tipos de doutrinas afetaram a construção da maioria de suas missões.
A quantidade enorme de missões distribuídas entre sua campanha principal e expansões tem um objetivo claro: destrua a base do inimigo ou defenda a sua base de um contra-ataque. De um ponto de vista militar, é antiquado, quase comparável com as grandes batalhas que ocorreram durante a idade do bronze . Porém, em termos de um jogo, elas são ótimas tanto para 1995 como para 2020. É um belo de um arroz com feijão que fez a franquia deslanchar aliado aos vídeos (que vocês que me desculpem, mas eles são muito bregas) que tentam dar algum contexto para o que o jogador faz em cada uma dessas missões.
Um breve exemplo: Uma das primeiras missões do GDI envolve resgatar uma caixa deixada por um espião em uma região controlada pelo NOD. Se essa missão fosse desenvolvida atualmente por uma empresa como a Relic ou até mesmo a 1C com a franquia Man of War, seria uma missão furtiva com grandes limitações em como você pode navegar pelo mapa. Um outro tipo de design e — por consequência — outras ideias sobre os diversos métodos em operações militares seriam expostos. Command & Conquer? Construa a sua base, destrua tudo o que vir pela frente e depois pegue a caixa.
Sei que há um certo grau de nostalgia nisso, mas também responde parte de uma pergunta que tem sido feita desde meados dos anos 2000. O que aconteceu exatamente com os jogos de estratégia? Foram eles absorvidos pelo mercado dos MOBAs? A comunidade ficou velha demais para termos a agilidade para micro e macro gerenciamento? Digo que Command & Conquer Remastered, junto com Age of Empires II: Definitive Edition apontam o contrário. O que falta é o retorno de um certo patamar de simplicidade.
Uma vez apontei como They Are Billions conseguiu encapsular o melhor das partidas de Age of Empires II — aquele delicioso momento de Turtling onde você lentamente construía o seu castelo para depois verem quem era o primeiro a derrubar tudo. São objetivos claros, bem definidos, abrangentes. Até mesmo Starcraft I e II, que até então são os mais populares jogos de estratégia no momento, seguem esse mesmo parâmetro de destruição em massa — apesar de suas missões serem mais elaboradas do que as de Command & Conquer e o multiplayer ter um componente de derrota ou vitória tática muito mais presente.
Command & Conquer não pestaneja, vai direto ao ponto que a Westwood queria na época. Usar as doutrinas militares mais básicas possíveis para que um público pudesse aprender a apreciar um jogo de estratégia. Neste ponto o remaster não toca em nada fora dos aspectos visuais e pequenas melhorias na interface. Você ainda não tem o “attack move” que virou padrão na indústria, as unidades têm suas funções claras e o pathfinding do harvester continua um porre de se lidar — que é a minha maior crítica sobre essa nova versão. Pelo menos isso é compensado com a nova trilha sonora que está de matar.
Entretanto, é um jogo em que eu posso sentar, mandar uma partida single-player, seja via campanha ou modo skirmish, me arriscar no multiplayer — em que sou terrível aliás —, e não preciso me desesperar se eu estou fazendo a build order correta, como acontece em jogos mais atuais. Saliento que isso muda se você está em um ambiente de torneio como muitos que têm surgido agora com o lançamento do remaster, mas a base está lá; clara e bem esculpida.
E, por mais que eu não queria dar o braço a torcer, Company of Heroes — um dos meus jogos de estratégia favoritos junto com Homeworld — trouxeram avanços assim como a batalha do Mar de Coral trouxe novas e importantes lições para a frota dos EUA. Vitórias táticas começaram a tomar conta de partidas, sejam elas no modo single-player ou no multiplayer. Esse grau de granularidade é difícil de se compreender, ainda mais para iniciantes no gênero.
Sente alguém para jogar Company of Heroes e veja a pessoa se confundir inteira com os diversos recursos, o fato de que você tem que conquistar territórios, que proteções podem ser destruídas, há uma dinâmica que requer um esforço de aprendizado muito mais longo do que um mero “destrua a base do inimigo”.
Aponto que isso não é um pedido para que os jogos se tornem mais simples; ora, eu gosto de complexidade, amo complexidade. Entre Company of Heroes e Command & Conquer, sempre vou escolher o jogo da Relic. Mas é o mesmo caso entre Civilization, um 4X que vejo perder força, mas ainda ter um grande público, e o fantástico Star Ruler 2 — que manteve seu status de nicho.
O que faço aqui é mais um apelo, talvez o meu milésimo apelo para a comunidade de estratégia e os seus respectivos desenvolvedores. Entendam o escopo do que vocês querem criar e parem de se focar tanto em um público que não existe. Jogos de estratégia ainda têm muito a crescer por diferentes frentes, mas enquanto não tivermos mais exemplos que sirvam como base, a comunidade vai enxugar mais e mais. Nem tudo que é velho é ruim, nem toda inovação é boa. Eu gostei de ter gastado mais tempo em um jogo de 1995 do que o próximo “grandioso” jogo de estratégia que “vai mudar o mercado”. O que isso diz sobre o estado da nossa indústria?
Também não digo que precisamos de cópias de Command & Conquer pipocando por aí (aliás já temos muitas, como 8-bit armies), precisamos de uma base sólida para aí sim construir o resto do edifício. Porém, continuamos tentando começar pelo topo na torcida que a base se construa sozinha. A resposta para isso está fora do escopo desta análise, mas queria que ao menos ela servisse de um ponto de partida para entendermos onde estamos e para onde queremos ir com esse gênero.
É impossível, portanto, não recomendar Command & Conquer: Remastered. Para quem já jogou Tiberan Dawn ou Red Alert, vai encontrar um local confortável e, como já apontei, uma das melhores remasterizações que eu já vi nessa indústria. Se você nunca jogou, não perca essa chance. Quem sabe ele não vira seu jogo de estratégia favorito e te abre para esse gênero maravilhoso que eu tanto amo?
Command & Conquer Remastered Collection
Total - 9.5
9.5
Excelente
Ainda que careça de algumas funcionalidades que julgo essenciais para um público moderno, Command & Conquer Remastered é uma remasterização incrível que não só eleva a qualidade visual de Tiberian Dawn e Red Alert, mas relembra que a simplicidade em jogos de estratégia ainda precisa ser uma porta para muitos se interessarem pelo gênero. Que nuances como vitórias táticas podem ter o seu espaço na indústria, mas que às vezes a aproximação direta vai ser a melhor rota para atrair um público maior.