Quase dois anos atrás eu acreditava que haveria um futuro fantástico para Civilization VI, um jogo que foi capaz de –a duras custas – sacudir as estruturas quase imutáveis da franquia, e que com o tempo os inconvenientes seriam resolvidos inconvenientes que não aparentam ter prioridade para a Firaxis, já que Rise and Fall (Steam) não faz nada disso.
A primeira expansão para o game de estratégia 4X chega com o lema de “trazer instabilidade”. As partidas agora são separadas por “eras” determinadas por um número de turnos. Jogadores que realizarem ações como destruir um acampamento de bárbaros ou descobrir uma nova tecnologia recebem pontos que culminam em uma “era dourada” (bônus), uma “era normal”, ou uma “idade das trevas” (penalidades). A mudança – conceitualmente – é particularmente relevante ao levar em conta que as partidas de Civilization VI seguem um molde muito “arcaico”; vá ali, construa uma nova cidade, obtenha recursos, planeje seu exército, crie distritos, conquiste os inimigos. Minha presunção era de que a inclusão de eras ia tornar mais vantajoso realizar essas tarefas e instigar uma exploração minuciosa do mapa.
Vi minha primeira “era dourada” ao jogar com os Países Baixos. Uma tela me alertou que teria um aumento nos pontos e alguns bônus nas rotas de mercado – que era justamente o foco da minha civilização no momento. Uma rápida passada de olho diz que não há nada de errado com o sistema. Recebi um reforço positivo por ter feito um bom trabalho. É neste reforço que me deparo com o primeiro grande defeito de Rise and Fall.
Eras normais ou douradas não incentivam o jogador a fazer manobras arriscadas, já que é muito “fácil” – a não ser em dificuldades altíssimas, onde os oponentes praticamente usam “cheats” contra você – atingir uma era dourada; tudo que você faz contribui para ela. Eliminou bárbaros? Toma aqui três pontos, fez o mínimo de esforço possível? Toma mais pontos. Eu era parabenizado por, literalmente, jogar Civilization.
Entrar em uma idade das trevas exigiu que eu propositalmente me prejudicasse na partida. Não eliminava bárbaros, demorava a pesquisar tecnologias e escolhia civilizações com um forte poderio militar no early game para me defender de possíveis ameaças. Minha forma de jogar Civilization VI mudou? Sem dúvida, mas a custo de uma mecânica mal implementada.
O ponto alto de Rise and Fall é justamente sair de uma idade das trevas para uma era dourada, feito descrito como uma era heroica, que dava ainda mais bônus a minha civilização. Havia “desafio”, um caminho mais longo a ser percorrido; tudo o que eu não fiz para passar para uma era dourada tinha de ser feito em dobro, o que em mid para late game – com a expansão de outras civilizações – era mais trabalhoso. Até mesmo as policies – o sistema de cartas de bônus passivos adotados por Civilization VI – eram menos situacionais do que aquelas que vi serem oferecidas durante uma era dourada.
Mal chegava a estabilidade da era heroica e meu desânimo voltava.
Não escondo a minha expectativa de que essas eras trouxessem algum “boom” para vitórias culturais ou de ciência – sistemas que foram duramente prejudicados na mudança de Civilization V: Brave New World para Civilization VI. Muito pelo contrário, alcançá-las tornou-se um objetivo ainda mais obtuso; em grande parte por conta da ainda terrível interface.
Usei por muitos meses o Community Quick User Interface (CQUI), uma solução da comunidade para melhorar a interface do game que facilita a administração de cidades e leitura de relatórios como a quantidade de cultura ou ciência que elas produzem. Rise And Fall e a subsequente incompatibilidade do mesmo me levou para a estaca zero. As páginas que já se escondiam dentro de “incontáveis” menus ficaram ainda mais difíceis de serem encontradas, e nenhum tutorial – ou tooltip – me avisou da mudança. Agora, gerenciar o exército? Isso continua fácil.
Uma grande polêmica surgiu antes do lançamento de Rise and Fall, uma crítica a respeito da maneira como a nação Cree foi representada dentro do game – principalmente no contexto de que eles tinham os mesmos valores dos colonizadores na conquista territorial. Apesar de acreditar que não é um problema exatamente do gênero 4X, é um que claramente fica exacerbado em Civilization VI. É um jogo onde o caminho mais curto para a vitória é sempre guerra, o domínio total dos oponentes e o pouco interesse pela vida humana. Não que eu acredito, ou espero, que a desenvolvedora mude esse conceito tão enraizado na série; mas espero sim que motivem o jogador a buscar outros tipos de vitórias. De nada adianta as policies situacionais de cultura, ou algumas das novas civilizações, como a Coreia, receberem tantos bônus nessas áreas se o jogo não se preocupa em apresentar alternativas.
A ramificação dessa postura consequentemente prejudica outros sistemas secundários trazidos por Rise and Fall. Governadores, que agora podem ser incluídos dentro de suas cidades, pouco influenciam o ritmo de uma partida; seus bônus para edificações tais como complexos de entretenimento são irrisórios. Quem vai optar em ter um governador que gera mais cultura via turismo se outro aumenta a taxa de produção de acordo com a quantidade de recursos estratégicos? Até mesmo cogitei que o sistema de lealdade de cidades, outra novidade de Rise and Fall, faria diferença na hora de escolher governadores, ou exigiria esforços redobrados para não se ter uma rebelião em cidades. Quem dera! Ele passou tão despercebido por mim que só me lembrei de sua presença quando uma das cidades do meu oponente se rebelou. É assustador pensar que até a franquia Total War tem um sistema de lealdade mais bem desenvolvido.
Por isto que vejo as guerras de emergência, uma mecânica de Rise and Fall onde outros jogadores podem se unir contra uma civilização que se expande indiscriminadamente, como uma solução “tapa buraco”. Tais guerras não só reforçam o conceito de que o combate é a única solução para todos os problemas de Civilization, como não garantem melhorias que justifiquem remanejar tropas para uma única guerra. Isto é, quando a inteligência artificial decide cooperar e se juntar a elas.
Comentar sobre a inteligência artificial, ou a falta dela, já virou um assunto de praxe para qualquer um que tenha interagido com Civilization. Concordo que a Firaxis a melhorou em certas áreas como o cerco de cidades, mas ainda permanece profundamente falha e inconsistente. Fui denunciado por outras civilizações por não ter uma marinha forte em um mapa quase sem oceanos, depois fui acusado de não ter um exército competente no segundo turno de uma partida. Guerras de emergência? Não conte com elas; optei por participar de quinze e em todas elas me vi lutar sozinho contra um oponente mais forte do que eu. Se antes antes a IA era meramente funcional, Rise and Fall a tornou ainda menos confiável para questões diplomáticas.
Minhas críticas não seriam tão pesadas se Civilization VI fosse um jogo de estratégia 4X singular, em um mercado que não estivesse saturado e tampouco repleto de alternativas que trazem elementos melhores do que ele. Endless Space 2 – dentro dos mais tradicionais – mostra como é possível equilibrar guerra, cultura e ciência sem sacrificar uma ou outra. Vá um pouco mais a fundo e você encontra Thea: The Awakening, e é impressionante ver como a MuHa Games conseguiu criar um jogo sobre a sobrevivência sem que tudo se resulte em guerra.
Creio que existe um esforço da Firaxis em tentar diversificar o estilo de jogo em Civilization VI; as Eras e os governadores trazem traços claros desse desejo. Mas a desenvolvedora não seguiu o ditado popular de “não coloque a carroça na frente dos burros”, e acabou olhando para frente demais ao invés de olhar para trás.
Por mais “icônico” que seja, Rise and Fall deturpou ainda mais a identidade de Civilization. Temos um jogo sem direção, sem uma proposta condizente e sem coerência. Quer tudo, mas não atinge nada. Há quem diga que Civilization fica melhor depois de duas expansões e a primeira sempre deve ser considerada um “meio termo”. Gods and Kings de Civilization V apresentou um resultado muito melhor em corrigir defeitos e trazer novidades do que Rise and Fall jamais sonhará em fazer.
Civilization VI: Rise and Fall
Total
Rise and Fall é uma das expansões mais bizarras que já vi para Civilization; mexe em quase tudo e, quando não piora, não muda nada. Não determina um direcionamento claro para a franquia e tenta às duras custas trazer uma falsa diversidade nas condições de vitória. Pode ser que ainda exista um jogo bom debaixo de toda essa zona, mas vai ser preciso muito trabalho para desenterrá-lo.