Lançado há quase 8 anos atrás, “Cities: Skylines” é um ótimo exemplo de “o jogo certo na hora certa”. Pessoas decepcionadas com o terrível “Sim City (2013)” estavam sedentas por um outro construtor de cidades e a Colossal Order entregou justamente isso. Nada de conexão online como o jogo da Maxis, um sistema mais robusto de construção de ruas, mais tipos de transporte. Ele tem a sua parcela de problemas, como um desempenho terrível, ausência de desafio e dezenas de DLCs que o transformaram quase em um jogo onde você embeleza as cidades ao invés de administrá-las. “Cities Skylines 2” (Steam) chega com algumas lições aprendidas e novos truques na manga, mas não os que eu esperava.
No papel, “Cities: Skylines 2” melhora o aspecto administrativo da série. A Colossal Order fez questão de expandir os sistemas que regem a simulação de pessoas e de indústrias. Demarcar regiões residenciais, industriais, comerciais agora requer um pouco mais de atenção, com modificadores como direção do vento, que faz com que moradores de áreas próximas da indústria ou comerciais reclamem do barulho ou da poluição; ruas precisam ser mantidas para que não haja acidentes ou o asfalto degradar. A própria estrutura de evolução da cidade, com um sistema de “pontos” que liberam novas edificações ou sistemas de transporte, indica que a desenvolvedora quer que você pense mais sobre como a sua cidade deve ser expandida . Pena que ela não oferece as ferramentas necessárias para você pensar nisso.
Eu não quero chegar aqui e falar que “Cities: Skylines 2” é “Cities: Skylines 1.5”, mas essa é a sensação que eu tive boa parte do tempo em que eu joguei. Boas ideias, implementação mediana. Acontece que a Colossal Order ainda se comunica com o jogador por uma única “palavra”: ruas. A sua área residencial não está contente com a posição da indústria? Crie um viaduto e faça com que os veículos pesados não passem por aquela região. Está com algum “nó” no trânsito? Coloque uma rotatória, mude alguns sinais de lugar e veja o tráfego fluir novamente.
Longe de desmerecer o trabalho da Colossal Order nessa área; “Cities: Skylines 2” é de longe o melhor jogo se você quer construir uma belíssima cidade. A ferramenta de construção e edição de ruas recebeu melhorias, e poucos jogos conseguem mesmo chegar perto. Em momento algum eu senti “dificuldade” em colocar uma nova avenida sem pensar no efeito dominó que isso poderia causar no restante da minha cidade. Se antes eu dependia de mods para “consertar” o trânsito, agora a lógica do jogo está muito melhor em se “auto resolver”.
Mas, para mim, administrar uma cidade vai muito além disso. E, no momento em que eu tentava dialogar com as cidades que eu construí em “Cities: Skylines 2”, para além de “alterar ruas”, eu ficava decepcionado.
Em teoria era para “Cities: Skylines 2”, com os seus novos sistemas de simulação, introduzir novas formas de diálogo entre o jogador e sua cidade, mas voltamos ao bom e velho “está com um problema? Adicione um novo edifício!”. Se a sua cidade carece de atendimento médico, adicione um novo hospital. Se a sua cidade está com baixo policiamento, expanda a delegacia de polícia ou construa uma nova. Repita esse processo ad infinitum.
O que mais me incomoda nessa resposta da Colossal Order para o aspecto administrativo é que ela não parece se importar nem um pouco com a parcela da comunidade que quer algo mais complexo. Certas construções, por exemplo, possuem um sistema de melhorias. O que ele faz no momento? Aumentar a eficácia.
Nada de novos painéis de educação, novos painéis para área de cobertura policial. Desastres naturais? É um milagre que eles estão no jogo base; ao menos eles não vão ser implementados de forma patética como foi no primeiro game.
Senso de desafio? O que é isso no dicionário da Colossal Order? As vezes que eu quase fali uma cidade foi por conta do mal posicionamento de certas regiões. Demolir e reconstruir é a melhor solução. Quem vai se importar se centenas de casas e prédios foram demolidos? Bem, em teoria, os habitantes, certo?
A Colossal Order encheu a boca para falar sobre o seu novo sistema de fluxo de habitantes, de como você pode “acompanhar” um morador da sua cidade, ver quantos passageiros estão em um veículo e para onde eles vão. É um conceito interessante que bate em um muro, já que não serve para nada além de “olha só, fulano está saindo do trabalho, pegando a sua moto e voltando para casa”. Se algo, serve para demonstrar que a simulação de “Cities: Skylines 2” é “realista”. Mas de que adianta uma simulação realista como essa se o impacto geral é mínimo? Bom, ao menos no que diz respeito à jogabilidade.
Eu normalmente não comento sobre o desempenho de jogos aqui no site. A maioria das vezes porque não vem a calhar ou porque os problemas que eu encontro não são tão preocupantes que uma ou outra atualização não resolvam. Dizer que “Cities: Skylines 2” está com o desempenho abaixo do esperado, como a própria Colossal Order mencionou algumas semanas antes do seu lançamento oficial em 24 de outubro, chega a ser hilário. O desempenho está abismal.
Meu computador não é mais tão “top de linha”, mas ainda eu tenho um i9-13900k, uma Geforce 3090, o jogo está instalado em um SSD NVME 2 e meu computador tem 64GB de RAM. Assim que a minha cidade atingiu 10 mil habitantes, o jogo não saía de 30 quadros por segundo. Tudo bem, é um jogo de construção e administração de cidades, eu não preciso que ele rode a 60 quadros por segundo, mas a situação só piorava à medida em que a minha cidade se expandia. 50 mil habitantes? Boa sorte para o seu PC e a sua placa de vídeo, que provavelmente vai parecer um jato tamanho o barulho que ela vai fazer ao rodar “Cities: Skylines 2”.
Pera aí, não tivemos essa conversa alguns anos atrás sobre o primeiro “Cities: Skylines”? Por que estamos tendo ela de novo? Ah sim, porque a Colossal Order não aparenta ter aprendido nada com os defeitos do original.
De que adianta ter um sistema de simulação de eletricidade, líquidos, habitantes tão complexo se a forma que você interage com esses elementos é tão medíocre? Eu não me importo nem um pouco se fulano vai pegar um carro e ir de ponto “A” até o ponto “B” se a única interação que eu tenho com esse aspecto da vida dele é, quem sabe, alterar os seus hábitos com o sistema de distritos e incentivar o uso de transporte público. Até os distritos possuem menos opções de personalização do que o primeiro “Cities: Skylines”.
Turismo, vida noturna, impacto dos táxis na cidade? Notas de rodapé, menções breves e mecânicas rasas. “Os habitantes levam em conta a atração turística”, é o que “Cities: Skylines 2″ me falava. A realidade? Ele era um painel qualquer onde basta colocar edifícios atraentes que mais turistas virão para a sua cidade. Aeroportos então nem se fala, são uma dádiva. Se lembram quando a minha maior crítica era que o sistema turístico não tinha muita personalização, ou que o sistema de parques poderia ter mais “evoluções”? Sinto saudade de resmungar ao invés de não ter nada disso incluso.
Eu compreendo muito bem que o desenvolvimento de jogos não é um processo linear, e que trazer uma sequência de um jogo que teve 7 anos de atualizações e DLCs não é fácil. A própria Paradox não conseguiu fazer isso com “Crusader Kings 3”, lutou em “Hearts of Iron IV” e ainda está refinando “Victoria 3”. Mas, em todos esses jogos, as novas mecânicas ofuscavam a ausência de conteúdo. Eu me sentia fisgado, inspirado em começar uma, duas, três partidas com diferentes nações. Essa magia não existe em “Cities: Skylines 2”.
Quando eu comecei a minha terceira cidade, dessa vez focado em explorar o sistema de indústria especializada – quiçá a única adição excelente da Colossal Order, já que o DLC de indústrias agora está muito bem integrado com o jogo base – eu já estava cansado. “Ah, é, eu esqueci de colocar a linha de ônibus para essa região”.
Construía a cidade, acelerava o tempo, apoiava meu ombro cotovelo na mesa e esperava até que os indicadores de demanda aumentassem de novo. O número de habitantes subia, a minha renda lentamente subia, e novas ferramentas eram liberadas.
“Hmm, mais uma casa que reclama na demora do serviço funerário. A outra resmunga que não há atendimento hospitalar próximo, mas ela mora do lado de um hospital!”. Será que os habitantes da minha cidade de “Cities: Skylines 2” são tão exigentes ou isso é um bug?
Eu faço uma pergunta similar para mim mesmo. Será que eu estou sendo exigente demais com “Cities: Skylines 2”? Gostaria de dizer que sim, mas sinceramente, eu não estou. A Colossal Order tinha na mão a oportunidade de trazer uma sequência que sacudisse o gênero e inovasse outra vez. O que ela entrega no momento é só mais um belo editor de ruas com um péssimo desempenho.
Pode ser que a Colossal Order tenha mudado, pode ser que eu tenha mudado. Mas no fundo, a realidade é que o próprio mercado mudou. Se eu quero uma simulação complexa, eu não preciso mais depender de “Cities: Skylines 2”; posso muito bem optar por jogar “Workers & Resources: Soviet Republic”. Caso eu queira lidar com logística, “Anno 1800” nunca esteve em um melhor momento, ainda mais com suporte oficial a mods. “Dwarf Fortress” agora está no Steam e está bem mais acessível a novatos, e certamente ao menos vai me oferecer histórias mais interessantes do que ver os habitantes de “Cities: Skylines 2” irem de casa para o trabalho.
Nenhum dos jogos que eu citei acima, com exceção de “Workers & Resources: Soviet Republic” , chega perto do escopo de “Cities: Skylines 2”. De um ponto de vista técnico, o simples fato de a Colossal Order ter conseguido atingir um nível “complexo” de simulação com um jogo desse tamanho é incrível. Resta agora terminar de fazer o resto.
Eu? Eu estou cansado de esperar para ver o que acontece. Quem sabe daqui a dois anos, com uma meia dúzia de atualizações, uns 10 DLCs, “Cities: Skylines 2” faça valer a pena o investimento. Até lá, você vai me encontrar me deliciando com outros jogos. Quantidade e qualidade é o que não falta em 2023.
Cities: Skylines 2
Total - 6.5
6.5
Por mais impressionante que seja o seu escopo e a simulação dos elementos de uma cidade, “Cities: Skylines 2” não é a sequência que eu esperava. Carente de desafio, com sérios problemas de desempenho, e ainda rasa no diálogo entre o jogador e a cidade. Pode ser que a simulação seja mais bem usada depois de um ano de atualizações e DLCs. Mas, em 2023, há outros jogos de construção e administração de cidades que fazem um trabalho melhor. A Colossal Order teve a oportunidade de melhorar e inovar, e não o fez.