Não é fácil levar a vida de mercenário proposta por BattleTech (Steam / GOG). Se um dia pode ser de celebração pela vitória absoluta em uma missão, um outro dia pode ser de drama por ter perdido três mechs de uma só vez; ou outro de grande contentamento por ter avançado tecnologias e conseguido novos armamentos, acompanhando da frustração de não ter onde colocá-los. Só sei que uma coisa é certa: o lucro vem quase sempre em primeiro lugar.
A história dá o seu pontapé inicial com a traição da casa Arano por um de seus familiares, e a suposta morte de sua principal herdeira, Kamea Arano. O protagonista, antes encarregado da sua escolta, é então levado para uma vida de mercenário para se manter vivo.
O foco geopolítico da trama é um deleite para quem tem o mínimo de conhecimento sobre ele, mas falha em não conseguir criar uma narrativa consistente sobre o jogador. Você pode criar seu personagem, sua história de fundo e recrutar outros personagens com panos de fundo tão “complexos” quanto — podendo até influenciar o resultado de uma conversa — mas isso rarissimamente é levado em consideração para a trama, o que é um pouco decepcionante se levarmos em conta que falamos dos mesmos desenvolvedores do excelentíssimo Shadowrun: Dragonfall.
Se os mercenários carecem do toque de personalidade que tanto desejava, jamais poderei falar o mesmo dos mais de 30 mechs presentes no game. O monstruoso Atlas, o icônico Shadowhawk, Catapult e seus poderosos mísseis. Eles podem não significar nada no momento para você, mas acredite, eles ficarão gravados na sua memória, tanto quanto os seus feitos em batalha. A versão beta de BattleTech já me deu motivos suficientes para me apaixonar pelo sistema de combate; a campanha só carregou isso adiante.
Separado em duas camadas – estratégica e tática – a campanha incentiva a experimentação e exploração. Não quer avançar a história? Não tem problema, sempre haverá de três a cinco missões secundárias que você pode fazer para ganhar dinheiro e manter um fluxo de caixa positivo. Sedento para ver a variedade de missões disponíveis, decidi evitar missões primárias durante as primeiras dez horas. Felizmente, acabou sendo também uma ótima maneira de aprender melhor as capacidades de cada mech. Participei de patrulhas, destruição de bases, eliminação de alvos especiais. Vi terrenos áridos, me escondi em florestas e lutei em lagos. Contratos, contratos e mais contratos. Só via o dinheiro entrar no banco e minha reputação crescer. Agora com uma possível falência longe de vista, era hora de personalizar meus battlemechs.
O Mechbay é o coração de BattleTech e o que fez a franquia tão famosa. São pouquíssimos os jogos que dão um grau de personalização para as unidades como ele. Há muitos papéis possíveis em combate; robôs ágeis para servirem como batedores ou se posicionarem rapidamente em flancos vulneráveis, mechs duráveis para absorver dano ou distrair inimigos, plataformas com alto poder de fogo… e, além dos próprios mechs serem melhores em um ou outro papel, eles também podem ter seu equipamento alterado para ficarem mais especializados ou mais versáteis de acordo com a necessidade. Tive mechs com armas potentes, mas fracos de defesa; o meu Atlas (um mech considerado peso “pesado”) era praticamente uma muralha para impedir o avanço do oponente. Eles ficam com a sua cara, o que faz com que a perda de um deles seja muito mais dolorosa.
Manter o fluxo de caixa positivo é só um dos aspectos da camada estratégica de BattleTech. Você pode ter todo o dinheiro do mundo e ainda assim possuir mechs frágeis, pois só existe uma forma de obter novos equipamentos de alta qualidade: resgate de peças após uma batalha. Toda vez que você aceita uma nova missão, BattleTech te dá a opção de optar por um pagamento mais alto ou mais peças a serem obtidas. Até que ponto vale a pena uma missão perigosa se ela só vai encher os cofres? Cedo ou tarde você vai ter de sujar as mãos, botar os mechs para justificarem o dinheiro gasto neles e completar missões. E toda vez que isso acontecia eu lembrava que, céus, como eu adoro o combate de BattleTech.
A Harebrained Schemes não esconde as influências de games dos anos 90 para a sua camada tática; BattleTech oferece uma movimentação muito mais livre do que os sistemas de turno mais “atuais” – que dependem de hexágonos ou quadrados para definir a posição de uma unidade – e não se acanha de fazer o jogador pagar pelas decisões erradas.
A última coisa que você vai querer ficar é parado no campo de batalha, e BattleTech se certifica que isso não aconteça. Turno vai e turno vem, e o jogo lentamente corta todas as suas táticas viáveis até você entender que um uma unidade que não se movimenta é uma presa fácil. Meu aprendizado chegou já na quarta missão da campanha, onde fui designado para destruir um posto avançado de piratas que estava defendido por três mechs — um Kintaro, um Jenner, e um Dragon (os três compõem uma mistura de Battlemechs de médio a longo alcance e com uma proteção relativamente espessa) — e quatro torres fixas armadas de lasers e mísseis.
Decidi que um ataque à distância seria o melhor caminho para garantir a integridade dos meus mechs e dos pilotos. Esqueci, porém, de levar em consideração o sistema de iniciativa. A pesagem e o papel de cada mech no combate — tank, skirmisher, reconhecimento — define a quantidade de iniciativa que ele tem; quanto maior a iniciativa, mais próximo dos turnos iniciais. A beleza se esconde no fato de que tal sistema é um tanto volátil e propício a ser manipulado tanto pelo jogador quanto pela IA. Você pode, por exemplo, reservar um mech e não usá-lo em um determinado turno para que ele seja usado posteriormente no mesmo turno que outros mechs, fazendo assim um ataque combinado, por exemplo. Minha culpa foi ter esquecido especificamente que a IA faz isso, e faz muito bem.
Antes que pudesse resmungar por ter errado o posicionamento do meu Shadowhawk no topo de uma colina, a IA já havia se organizado de uma forma que tomava a iniciativa dos turnos para si e impediria que uma movimentação ou ataque meu não viesse com consequências. Primeiro disparo dos meus lasers e já fui recebido pelos três outros mechs dando saraivadas de balas contra mim. A estrutura do meu Shadowhawk ficou exposta, e nada é tão assustador quanto uma estrutura exposta.
BattleTech utiliza dois sistemas para calcular a quantidade de dano recebida por uma unidade: armadura básica e a estrutura. A armadura, como você pode imaginar, é a proteção externa do mech e, de acordo com a grossura, pode ser capaz de aguentar inúmeras investidas inimigas. Assim que essa armadura é de fato destruída e expõe a estrutura do mech, aí sim é que as coisas ficam complicadas. Uma estrutura exposta pode causar explosão de munições, perda de equipamentos ou estabilidade do mech e muitos outros problemas. Além disso, um mech que tem a sua estrutura exposta pode ficar até 30 dias em reparos (isso se nenhum dos componentes principais foi atingido).
Ou seja, lá estava eu com meu Shadowhawk, parte da estrutura dele exposta, e incapaz de fazer qualquer coisa pois tinha de esperar outros três turnos — e mais três investidas inimigas — para conseguir tirá-lo da zona de combate. Foi o suficiente para vê-lo ter o braço esquerdo arrancado. Argh, no mínimo quinze dias de reparo e um custo tão alto que nem completar a missão cobriria.
Ciente da besteira e determinado em não repeti-la, levei meus mechs para longe do combate e esperei para ser perseguido pelos meus inimigos. Cinco turnos depois, agora distante das torres de defesa, e a oportunidade de virar o resultado a meu favor apareceu. Os mechs inimigos entraram no meu radar, e ao invés de usar o armamento à distância, parti para cima e usei os flancos para pegá-lo de surpresa. Peguei duas unidades armadas com lasers médios, e rapidamente abri um rombo na armadura do Kintaro. Recuei, esperei o avanço do inimigo e ataquei de novo. Assim se manteve o combate até que eu garantisse que o Shadowhawk estava seguro, e que poderia atacar a base sem medo de retaliação mais pesada.
Olhando para trás, eu deveria ter batido em retirada no momento que meu Shadowhawk foi danificado. O custo foi alto; mais da metade dos meus Mechs estava com danos, e o relatório fiscal do mês não seria bonito. Era um dinheiro que eu não poderia perder, mas perdi de qualquer jeito. Eu me ajustei a essas restrições, e comecei a planejar o quanto custaria manter os meus mechs eficazes no combate com o mínimo de reparos possíveis.
Cheguei a uma tática arriscada: completaria três missões somente com o meu Locust. Frágil, porém ágil, ele é especialmente útil para esquemas de “hit ‘n run” (atacar de surpresa e fugir o quanto antes dos disparos do oponente). Escolhi o meu Mechwarrior especializado em Tactics (uma das habilidades oferecidas pelo game e que aumenta a chance de evasão) para ter a certeza de que o Locust não ia virar metal retorcido na primeira missão.
Por não haver a necessidade de você completar todos os objetivos das missões, eu as aceitava, fazia o mínimo possível para garantir que seria pago, e escapava com o meu Locust. Um mês depois e os meus principais mechs já estavam de volta à ativa; novas missões, pagamentos mais gordos e peças mais poderosas estavam à minha espera.
O pequeno conto acima mostra o quão bem as camadas estratégica e tática se unificam, e vejo isso como o maior triunfo da Harebrained Schemes no desenvolvimento do game. Não existe necessariamente pressão para você avançar, mas ficar parado para sempre e ver a sua renda reduzir mês a mês não é uma opção. É diferente de, por exemplo, um XCOM, onde você joga quase que como com uma arma apontada para sua cabeça. A corrida contra o tempo do game da Firaxis é estressante para mim, e um dos motivos pelos quais eu raramente fazia uma segunda campanha. Se por um lado as consequências que surgem em uma campanha de BattleTech são muito mais duradouras, por outro o combate e a oportunidade de comandar meus mechs favoritos falava mais alto e me estimulava a não me dar por vencido.
Se uma aproximação não funcionou, tente outra. Mude equipamento, experimente, e o game irá se adaptar às suas ações, e você às dele. Deixe de lado aquela história de ter uma “receita” para vencer, porque isso não existe aqui. A vitória algumas vezes virá de forma dolorosa, sim, mas vai sempre ser a vitória que você mesmo construiu; as suas decisões, os equipamentos que você obteve, como você os aplicou no combate, a sua experiência em identificar os pontos fortes e fracos de cada mech. Esse tipo de maleabilidade é um dos elementos que mais me atraem em um jogo de estratégia.
Outro ponto que merece palmas é a maneira que a Harebrained conseguiu criar uma interface de combate que comprime muitas informações sem torná-las obtusas. Variáveis como a redução na taxa de precisão de um laser durante disparo contínuo e quais são os modificadores que influenciarão um disparo (terreno / distância / campo de visão) podem ser encontrados ao colocar o mouse sobre um dos armamentos. Acredite: considerando a quantidade enorme de armas, você vai usar, e muito, essa funcionalidade. Bastam algumas missões para se acostumar com a interface, e ela é funcional e elegante o suficiente para não te tirar da “imersão” do combate.
O que atrapalha, infelizmente, são as arestas não tão bem polidas de BattleTech. A câmera de combate, por exemplo, é especialmente terrível. Já a vi ficar presa em uma pedra, travar em um mech, apontar para o céu. Ainda bem que há como desabilitá-la, o que recomendo que faça o quanto antes. Há também alguns problemas de desempenho, especialmente no carregamento de fases para quem não tem um SSD, e travamentos em menus, como o Mechbay e o recrutamento de soldados. São problemas menores, mas ainda assim dignos de menção.
Poderia viver sem essas dores de cabeça, mas fico feliz em não ter mais que viver sem BattleTech. Não me arrependo de ter gastado horas dentro do mechbay, sofrido com a minha incompetência em combate, resmungado ao perder um Battlemech favorito. Se pudesse, recomeçaria do zero só para ter essa experiência de novo.
Feito tanto para quem é fã quanto para quem vai ter seu primeiro contato com o universo, BattleTech é o que eu sempre desejei desde Mechwarrior 4: ver uma das minhas franquias favoritas ressurgindo e, dessa vez, melhor do que nunca. Que isso pavimente um futuro próspero para ela, pois a Harebrained Schemes já se provou capaz de concretizá-lo.
BattleTech
Total - 9.5
9.5
Com um combate fantástico e oferecendo uma gama de personalização pouco vista em jogos de estratégia, BattleTech é a concretização de um sonho para os fãs da franquia, e uma ótima oportunidade para aqueles que não a conhecem ainda. Merece ser apreciado por aqueles que tenham mesmo um mínimo interesse por jogos de estratégia em turnos.