Eu gosto de imaginar que “Atlas Fallen” (Steam / PlayStation / Xbox) foi originalmente concebido como um jogo no estilo “Monster Hunter”. Vá até uma área, cace alguns monstros, lute contra inimigos menores e obtenha uma quantidade absurda de materiais para melhorar as suas armas. Quem sabe se aliar com uma outra pessoa para derrotar esses monstros e aproveitar variados estilos de buff. Perdoe-me por sonhar assim, pois só dessa forma eu consigo visualizar os melhores elementos do novo game da Deck 13.
Ao contrário do que escrevi acima, “Atlas Fallen” começa da pior maneira possível: te colocando em longas exposições de lore sobre como o mundo — que até então era vibrante de vida — se tornou areia, deuses e conflito entre humanos e monstros. Diferentes facções são citadas, mas raramente mostradas no jogo. Uma salada de nomes e frases complexas que devem surtir efeito da importância desse mundo. A realidade é que eu me esqueci de mais da metade delas. A história está lá para servir como um barulho de fundo, uma lembrança de que o mundo que você habita tem alguma fundação.
Eu estava mais interessado em testar o meu gauntlet, o tão especial artefato que dá ao protagonista — um escravo do exército de Thelos — a chance de escapar e de fato ajudar o seu povo. Tal artefato é capaz de invocar armas especiais e magias, e assim transformar o campo de batalha ao seu favor. Se você espera alguma crítica à escravidão, procure em outro lugar — “Atlas Fallen” não é esse jogo. Pelo contrário, a maior parte do tempo você vai estar ajudando o espírito “Nyall” que reside dentro deste “gauntlet”.
Embora o jogo explore a sua ligação com “Nyall”, ela segue o mesmo ritmo do restante da narrativa: pouco memorável e descartável. A única coisa que ele serviu foi para me lembrar do quanto eu detesto objetos falantes, e olha que eu sou uma pessoa que aprecia — e muito — “Forspoken”.
Comparações entre “Atlas Fallen” e “Forspoken” são palpáveis. O jogo da Square-Enix é super ambicioso, com um robusto sistema de magia, mas que deixa a desejar com um mundo aberto sem graça e uma narrativa que é, no máximo, aceitável. “Atlas Fallen”, por outro lado, tenta limitar o seu escopo e traz um foco em combate contra inimigos enormes — mas, ao invés de usar isso em seu benefício, ele te coloca em um “open world” que só não é mais sem sal pela quantidade de areia presente.
A primeira área do jogo me pede para buscar três fragmentos para melhorar o meu gauntlet. Eles, obviamente, são mais fáceis de serem encontrados se você usar a “visão especial” provida pelo gauntlet. “Voltei para 2014?”, me perguntei. Eu me lembro de não ter gostado do uso dessas visões especiais em “The Witcher 3”, e reitero o meu desgosto por elas em “Atlas Fallen”.
Enquanto eu explorava o mapa em busca dos fragmentos, comecei a ter um gostinho do combate do jogo — um dos pontos mais altos dele. Altamente personalizável por meio de inúmeras combinações de habilidades ativas e passivas. Quer invocar um tornado de areia em cima de seus inimigos? Ótimo, faça isso. Quer ir para a defensiva e usar o seu escudo especial de areia para bloquear ataques por mais tempo e fazer com que os inimigos congelem? Perfeito, só não me pergunte como eles congelam no meio do deserto.
Eu demorei um tempo para me acostumar com o sistema de “Atlas Fallen”. Ele não chega a ser falho por si, mas não é tão fluído quanto os trailers e imagens que vi antes de pôr as minhas mãos nele. Alguns inimigos têm um timing de esquiva bizarro, outras horas parece que, embora eu tenha acertado o “timing” do bloqueio, eu ainda tomo dano.
Mas o que mais prejudica o sistema em si é a pouquíssima variedade de monstros. Entre completar as monótonas quests secundárias da primeira área e encontrar fragmentos, eu já tinha visto mais da metade do repertório de inimigos no jogo. “Deve ser coisa dessa área, o jogo vai abrir mais assim que eu sair dela”. Quem dera.
As áreas seguintes caíram em um abismo de qualidade. A segunda, quase linear e mais uma tentativa fracassada de exposição e narrativa, me coloca contra um chefão que não atuava bem em ambientes abertos e vivia se “prendendo” em pedras ou no cenário. Ao menos a quarta me levou de volta para o mundo aberto. Para o quê? Isso mesmo, coletar mais fragmentos, aguentar a história medíocre e completar quests secundárias sem sal.
A questão de Atlas Fallen em si não é nem a qualidade das áreas em termos visuais — elas são belíssimas — muito menos na qualidade do combate — que em teoria funcionaria muito bem. Navegar pelos mapas é deliciosamente gostoso graças ao sistema de “surf” onde você praticamente desliza na areia — aliás, eu queria ter um jogo só sobre isso e já estaria satisfeito. O sistema de combate tem uma versatilidade e a chance de criar builds enormes e impactantes. Toda vez que eu abria a minha aba de habilidades eu pensava “e se eu mudar para ao invés de usar tornados, soltar minas?”.
Uma pena que Atlas Fallen não ofereça oportunidade para testar essas variadas opções, já que a já mencionada pouca variedade de inimigos não dá espaço para isso. As áreas subsequentes só me trouxeram inimigos mais poderosos e com um ou dois novos golpes. Não era necessário usar novas habilidades para derrotá-los, apenas… aprender a esquivar ou bloquear os golpes.
É muito frustrante ver um jogo com tanto potencial de personalização ser arrastado para baixo por conta da péssima implementação de outros aspectos. Eu até aumentei a dificuldade na esperança de que, quem sabe, os monstros tivessem novos ataques, já que o jogo diz que nessa dificuldade “você precisará usar todas as suas habilidades para derrotá-los”. Nada, só recebi monstros com valores de pontos de vida inchadíssimos.
Um dos meus inimigos favoritos de lutar contra era o “Dromur”, uma espécie de caranguejo gigante. Seus ataques, embora lentos, eram devastadores. Quando eu vi uma versão elite, imediatamente pensei “Agora sim eu vou ser desafiado!”. Nada, os ataques continuavam os mesmos, o dano continuava o mesmo, mas o tempo que eu demorei para matá-lo dobrou. No máximo, novos tipos de inimigos surgiam ao meu redor para tentar arrancar mais vida de mim, o que pouco importava, já que as minhas habilidades passivas aumentavam o meu dano consideravelmente e os transformavam – literalmente – em areia.
Voltava outra vez para a tela de habilidades e me perguntava: “Por que eu, então, deveria me preocupar em soltar minas, em usar tornados, ou usar uma habilidade raríssima como causar um dano exponencial em um inimigo, se eu vou ter o mesmo resultado?”. Porque “Atlas Fallen” faz o arroz com feijão no que diz respeito a dar ao jogador algum grau de incentivo para ser criativo. Não existem inimigos que te colocam contra a parede e falam “Ou você muda como você enxerga inimigos ou você não vai passar dessa área”. É como se ele soltasse todas as habilidades – passivas e ativas – em uma bandeja e falasse: “Pegue aí o que você quer usar, eu não me importo muito mesmo”.
É essa falta de importância que caracteriza a minha sensação geral em relação a “Atlas Fallen”. Ele não se importava muito em dizer sobre o mundo dele, e eu – por consequência – não me importava muito com o que ele tinha para falar. Ao mesmo tempo estava presente no mundo-jogo, mas desconectado como pessoa. Via as cenas passarem na tela como alguém que olha as nuvens passarem no céu em um dia nublado. Se havia algum pingo de pensamento atrás dos meus olhos, eu não sei se isso se traduziu com alguma conexão. Sim, até mesmo na hora de escrever este artigo.
Queria ter algo melhor para dizer sobre “Atlas Fallen”, como quem sabe as habilidades adicionais do Gauntlet — como levantar estruturas da areia — que prometiam tanto no começo. Elas são totalmente situacionais e servem apenas para ou completar quests ou obter colecionáveis que mais parecem um dever de casa chato do que outra coisa.
“Atlas Fallen” tem um problema fundamental de não entender bem o que quer ser. Em partes ele quer que você derrote monstros, explore o cenário e ainda siga uma história sem sal, mas não se dedica o suficiente para que nenhuma dessas partes de fato se destaque.
Eu fui até os momentos finais na esperança de uma reviravolta, na expectativa de que algo viria e mudaria o rumo da história ou uma área completamente nova com inimigos majestosos e com a possibilidade de usar o meu arsenal por completo. O que recebi foram os créditos rolando na tela e o jogo retornando para a cena antes do chefão caso eu queira completar as quests, colecionáveis, ou melhorar as minhas armaduras. Eu estava decepcionado.
Eu guardo com carinho as partes boas de “Atlas Fallen”, como a fantástica navegação pela areia com o seu personagem, o incrível senso de grandeza que as áreas trazem. Isso ao menos a Deck 13 acertou em cheio, mas como “Atlas Fallen” não é um jogo sobre descobrir os mistérios de uma antiga civilização — um estilo que eu facilmente jogaria sem pestanejar — eu não creio que eu vá revisitá-lo tão cedo. Até lá, o acúmulo de areias no deserto vai fazer com que todas as antigas estruturas do jogo — sejam elas de design ou não — sucumbam com a velhice.
Atlas Fallen
Total - 6
6
Apesar de visuais fantásticos e um ótimo senso de grandeza e navegação, “Atlas Fallen” falha em capitalizar no sistema de combate e suas variadas habilidades. É um jogo que não consegue decidir se quer ser “open world”, sobre “caçar monstros” ou contar uma história. Vasto como o deserto que ele oferece, carente de direção como alguém perdido no Saara.