Acessibilidade: um tema que vem sido continuamente discutido ao longo de 2019 pela comunidade de jogos por diversos motivos. Para alguns é a necessidade de inclusão de modos mais fáceis em Sekiro. Para outros, a possibilidade de ajustar certos aspectos como fome, necessidade de dormir e outros elementos de sobrevivência em jogos como Pathologic 2. No entanto, uma comunidade de nicho — a de simuladores — tem sofrido com esse problema de acessibilidade por muitos e muitos anos. E muitas vezes esse problema é solucionado na base do “8 ou 80” — ou você tem um jogo com elementos arcade que não consegue agradar a comunidade mais entusiasta, vide Project Cars 2, ou outros que te dão pouco mais que as ferramentas básicas, mandando um “te vira” para aprender as pistas. Assetto Corsa: Competizione foi até então o jogo que eu teoricamente encontrei um equilíbrio nesse aspecto.
Os italianos da Kunos Simulazioni ganharam uma ótima reputação com Assetto Corsa, que por muitos anos foi considerado um “sucessor espiritual” de rFactor, com dezenas — quiçá centenas — de mods, aliados a um dos melhores sistemas de force feedback do mercado. Dirigir um carro, fosse ele um Lotus ou um Mazda Miata MX-5, sempre era um deleite. Mas eu estava profundamente investido em simuladores na época que joguei;era assinante do iRacing, acompanhava fórums como o Race Department em busca dos mais novos mods para preencher ainda mais a minha já imensa biblioteca de carros e pistas, e muito mais.
Em Competizione eu estava enferrujado; eu não era mais quem eu era em 2016/2017. Por motivos pessoais, eu estava sem tempo para simuladores; toda aquela questão de sentar, praticar, encontrar o melhor ritmo e tentar bater o meu próprio recorde eram coisas do passado. Senti uma pontada de receio ao inicializar o novo game da Kunos — agora feito em parceria com a 505 Interactive e visando simular a série Blancpain GT. Ao que tudo indicava, seria uma ladeira ainda mais difícil de subir para alguém que não estava mais acostumado a jogar esse tipo de game. Todavia, o que eu encontrei foi justamente o contrário.
Antes de mais nada, é bom salientar que, apesar de acessibilidade, jogar Assetto Corsa Competizione ainda requer um volante, de preferência algo como um G27 ou superior. Sei que é uma grande barreira financeira para muitos, mas essa é ainda a (triste) realidade de simuladores. Se você já ultrapassou essa barreira, no entanto, vai encontrar um jogo que está muito mais disposto a respeitar o seu tempo do que qualquer outro que eu vi em recente memória.
Para isso a Kunos tira uma página da franquia da Codemasters — F1 2017/2018. Para a Codemasters, aprender uma pista não é apenas saber o layout dela e os pontos de frenagem; é participar de pequenos minigames que te presenteiam com pontos de pesquisa e desenvolvimento caso os faça corretamente. Em Competizione, a Kunos não chega a ter um sistema tão elaborado quanto esse. Afinal, ainda é um simulador, mas na minha primeira sessão de prática em Monza eu já comecei a sentir uma imensa diferença.
Onde o Assetto Corsa original simplesmente te colocava na pista e mandava um “te vira”, Competizione explica em quais curvas e voltas você entrou ou freou lento demais, recomenda que você mantenha um ritmo consistente ao longo da corrida e denota quando esse ritmo é deturpado — seja por conta de uma deslizada para fora da pista ou até um pequeno corte na chicane (maldita Monza). Sei que soa extremamente punitivo, mas essa é a natureza dos simuladores, e o avanço que a Kunos fez neste aspecto já é um grande avanço para a comunidade no geral.
Por outro lado, o fato dela e a 505 games terem entrado em parceria para refletir todos os aspectos da carreira de subir nos “ranks” da Blancpain GT limita um tanto a quantidade de pistas que estão disponíveis no jogo — Zolder, Monza, Brands Hatch, Silverstone, Paul Ricard, Misano World Circuit, SPa Francorchamps, Hungaroring, Hurburgring, Barcelona (saudades da minha Nürburgring Nordschleife). Mas o que está no jogo é alavancado pelo o que a Kunos sabe fazer de melhor: o imenso realismo de cada uma, onde você sente cada solavanco do asfalto aliado a um sistema de force feedback que se adequa bem aos volantes disponíveis no mercado, dos mais simples até os mais avançados.
Não precisei de muitos minutos — sendo a maioria destes gastos na até então horrível interface de ajustes, elemento que a Kunos promete melhorar em futuras atualizações — para ter o meu G27 pronto para correr. E que deleite é pilotar as imensas máquinas disponíveis em Competizione: da pavorosa Lamborghini — cujos pontos de frenagem ainda são um grande mistério para mim — até o Audi R8 RMS, ainda um dos meus carros preferidos para essa categoria, mesmo que não seja o mais ágil nem o mais versátil.
Mas, assim que eu passei pelo período de treinamento e prática, fui “agraciado” com um defeito contínuo da franquia: a IA. A Kunos nunca foi muito boa em desenvolver uma IA competente. Ou, melhor dizendo, uma IA relativamente agressiva. Muitas corridas sofrem da “síndrome de Project Cars 2”, e com isso quero dizer que, a não ser que você coloque a IA no máximo, ela tende a seguir uma linha meticulosamente programada. É mais fácil eu ultrapassar os meus oponentes — e olha que eu nem sou um bom piloto — do que eles me ultrapassarem. Em partes é frustrante, pois eu sei que a Kunos tenta ao máximo melhorar isso, e muitos mods para o próprio Assetto Corsa original melhoraram — e muito — tais aspectos. Não há essa possibilidade, até onde está previsto, para Competizione.
Perseverei mesmo assim, fiz corridas e mais corridas, tentei ao máximo chegar ao podium, muitas vezes sem sucesso, mas eu ainda sentia que faltava algo. Sentia que faltava algum componente que me impulsionasse a investir mais tempo do que um modo carreira que – em grande parte – não era tão elaborado quanto outros que estão por aí no mercado de simuladores. Eu não queria só correr contra uma IA medíocre; eu queria competir com outras pessoas, testar a minha proficiência com os meus carros ao meu limite.
O que me leva ao segundo ponto de frustração com Competizione: o modo multiplayer. Antes do lançamento a Kunos Interactive havia comentado sobre imensas melhorias previstas para o novo sistema de multiplayer de Competizione; temporadas, novos modos de jogo, um sistema de rankings e muito mais. Para quem acompanha de perto a comunidade de simulação, isso é um sonho sendo realizado. Até então apenas jogos como iRacing — que ainda requer um sistema de assinatura — tinham capacidade de comportar tamanha variedade de modos e um sistema de ranking que realmente funcionava. Infelizmente, ficou no sonho mesmo.
Não que o sistema multiplayer de Assetto Corsa: Competizione seja ruim, pelo contrário. No que diz respeito às expectativas dos menos entusiastas, é maravilhoso. Para os entusiastas, horrível. Um bizarro paradoxo, eu diria. Acaba que esse modo, até onde eu joguei, está às moscas. A comunidade ainda prefere abraçar jogos como rFactor 2, iRacing, dentre outros, do que estabelecer ligas fechadas dentro de Assetto Corsa Competizione.
O que ao meu ver, é uma imensa perda, pois Competizione avança em tantos aspectos — inclusão de mudanças climáticas dinâmicas, corridas noturnas, um force feedback competente para todos os tipos de volantes — que ver parte da comunidade “ignorá-lo” em favor de outros simuladores com mais conteúdo, o que é compreensível, é frustrante. Mas também eu entendo o lado deles; o Assetto Corsa original sempre foi aquele jogo onde a comunidade de simuladores se unia, não para fazer corridas e ligas super avançadas, mas sim aproveitar a dezena de mods disponíveis — sejam elas pistas ou seus carros favoritos.
Voltamos então para a questão de acessibilidade: A Kunos Interactive facilita de um lado, complica de outro, e meio que se perde em entender qual exatamente era o público para Assetto Corsa Competizione. Seriam os entusiastas? Seria a tentativa de unificar entusiastas e não entusiastas? Ambos esses aspectos estão no jogo, mas não são capazes de conversar entre si, quase como se tivessem sido produzidos de maneira separada.
No fim, acredito que a Kunos Interactive abocanhou mais sistemas e promessas do que ela era capaz de cumprir. Não vou riscar Assetto Corsa: Competizione da minha lista, longe disso. Quero aproveitá-lo pelas fantásticas corridas noturnas, pela recriação do Blancpain GT e as equipes que os compõem, mas vai ficar na mesma lista de tantos outros simuladores que eu vi ao longo dos anos: o potencial está lá, mas precisava de um tiquinho mais de tempo no forno. Agora é torcer para que futuras atualizações — algo que a Kunos é especialista em fazer — ajuste alguns desses problemas.
Assetto Corsa Competizione
Total - 7.5
7.5
Indeciso se quer agradar puramente os entusiastas ou os não entusiastas, Assetto Corsa: Competizione se encontra em um peculiar limbo. Os elementos que fazem dele um ótimo simulador estão presentes, mas o jogo precisa de uma maior coesão, uma maior unificação dos sistema,s e de uma bela de uma recauchutada na IA. Não sei o que o futuro nos reserva, mas fico na torcida de que Competizione atinja o mesmo nível de fama de seu antecessor.