Aprender como funcionam jogos de estratégia em grande escala não é um trabalho fácil. O gênero que ultrapassa um nicho quase que único não tem muita representação no mercado há anos, sendo Supreme Commander o último a realmente causar um impacto. Quando Ashes of the Singularity, o novo game de estratégia da Stardock, foi lançado no Steam, à primeira vista pode ser “mais do mesmo”, mas te garanto que ver desta forma é um grande erro.
A história, se é que posso chamar disso, é a mais básica possível. A humanidade “evoluiu” para uma nova raça e agora tenta conquistar outras galáxias. Agora somos conhecidos como a Post-Human Coalition, ou PHC. Ao adentrarem um sistema solar eles encontram o Substrate, uma raça alienígena que usa o poder da energia a seu favor. Isso é tudo o que você precisa saber e sinceramente recomendo que fique por isso ao invés de tentar entender alguma motivação adicional por meio da campanha.
Medíocre é o adjetivo mais favorável que posso dar a ela. As missões parecem mais um tutorial estendido das mecânicas do que outra coisa. Não há uma estrutura narrativa, não há motivação, nada. Apenas uma série de objetivos a serem cumpridos. Não é de hoje que existe esse problema em muitos jogos de estratégia e sinceramente não esperava que Ashes fosse resolver o problema. Por outro lado, em partidas contra a IA ou no modo multiplayer — que são claramente o foco da Stardock — ele resolve muitos dos que eu tenho com jogos de grande escala.
Nos últimos quase dez anos, o “mercado” está acostumado com uma padronização do estilo estabelecida por Total Annihilation / Supreme Commander. Dois recursos para a construção de unidades, sendo um deles apenas obtido no mapa, e longas batalhas com partidas que duram horas.
O modelo em si não é profundamente problemático, muito pelo contrário, é funcional e foi replicado diversas vezes em outros games. Ainda assim, é um modelo digamos que “ultrapassado”. Há muitas brechas onde o jogador pode muito bem usar uma estratégia que favorece uma expansão lenta, metódica, estabelecer um perímetro de defesa e ainda ter poderio o suficiente para derrotar o oponente.
Ashes of the Singularity resolve isso na maneira de dispor o mapa e seus próprios recursos. Os três principais recursos — metal, radioatividade e Quanta — são finitos e apenas disponibilizados em pontos de controle. Uma maneira bem similar ao que é feito em Company of Heroes. Com isso temos o estabelecimento de zonas de controle e zonas de influência bem determinadas. Ainda que no passado tínhamos a possibilidade de criá-las, o sistema está visível dessa vez.
Sua inclusão causa um efeito dominó em todas as outras mecânicas presentes e adiciona uma nova camada logística a ser considerada na hora de expandir uma base. Cada ponto de controle deve estar conectado a sua base central para que eles te forneçam recursos. Ao mesmo tempo que você deve expandi-la, deve também se certificar que os pontos estejam bem defendidos contra investidas inimigas.
Aprendi isso da maneira mais amarga possível, com a terrível decisão de expandir em ambos as frentes de batalha sem sequer cogitar em estabelecer defesas. O oponente viu isso como a melhor oportunidade, cortou a conexão entre dois pontos de controle significantes e reduziu a minha economia a ruinas.
Com recursos limitados, tentei separar meu exército em duas frentes de ataque e corrigir o erro. Já era tarde demais, antes mesmo de ele me atacar a partida já estava ganha. Ignorar a camada estratégica é garantia para fracasso. A partir do momento que você investe em um exército, coloca-o frente à batalha, não há como “recuar” sem perdas significativas.
Não dá para esquecer de citar a ótima inteligência artificial usada em Ashes of the Singularity, que foge daquele já cansativo sistema de “O inimigo tem bônus, agora procure uma forma de se aproveitar de uma falha nela”. Ela se adapta as diferentes estratégias impostas pelo jogador de maneira natural e sabe quando avançar ou não para o ataque.
Cada facção é composta de unidades esteticamente similares, mas mecanicamente diferentes. Só depois de muitas horas com cada uma delas que você consegue compreender os detalhes, como a ênfase em dano e área oferecida pelo Substrate.
A maneira que o jogo lida com exércitos também é, de certo ponto de vista, inovadora. Após anos acostumado em micro gerenciar cada aspecto de cada unidade e cada habilidade, a função “criar exército” mostra outro ponto forte da inteligência artificial criada pela Stardock.
Ao invés de cada unidade, você pode muito bem formar um exército que automaticamente fica disposto de forma que as unidades possam ser usadas no melhor das suas habilidades. Unidades de suporte ficam na retaguarda e curam o grosso do batalhão, enquanto as focadas em ataques a curta distância já são encarregadas de serem a linha de frente.
É difícil não se decepcionar, mesmo que ligeiramente, com a quantidade de unidades oferecidas pelo game atualmente. Por conta da mecânica de exércitos, você perde um pouco da identidade e é obrigado a saber compor cada um deles com eficácia. É como ter um grande baralho, mas que nem todas as cartas estão presentes ainda. Você pode dar uma variada, mas ela não é tão grande quanto gosto.
Movimentar-se pelo mapa também começa a ser um grande desafio no momento que as partidas passam da marca de 40 minutos. Se há um limite de unidades, eu ainda não atingi, portanto, aquelas partidas com 5000, 6000 unidades são completamente viáveis, apenas lentas. Os exércitos viram massas gigantes e você tem de esperar as vezes minutos para ver um mínimo de ação.
Quebra um pouco o ritmo da partida, que por outro lado facilita o processo de concentrar a sua atenção em gerenciar múltiplas frentes de batalha. Algo que em minha experiência vira habitual na medida que o jogador progride, amplia os próprios horizontes e se adequa aos desafios impostos por cada partida.
A Stardock já mencionou que novas unidades serão adicionadas em Ashes of the Singularity, mas não me impede de questionar. Como que um jogo que acerta em tantos aspectos não oferece uma opção para que as tropas se movimentem mais rápido pelo campo de batalha?
A solução que encontrei temporariamente foi construir fábricas ao longo dos pontos de controle, que assim permitem o remanejamento de tropas para as zonas de conflito com mais agilidade. É o adequado? Não muito, é um custo de recursos extra que não adiciona muito ao jogo a não ser um gerenciamento desinteressante.
Apesar de tudo, há algo de muito especial em Ashes of the Singularity que vai além do mero gerenciamento de unidades ou dos novos sistemas apresentados. Talvez seja, atualmente, um dos poucos que realmente se preocupa em colocar o jogador em uma posição onde o planejamento a longo prazo causa um impacto maior do que apostar todas as suas fichas em um único momento.
Sabe aquele ponto onde “tudo muda”? Onde você faz aquela jogada que muda todo o curso de uma partida? Isso não fica explícito na estrutura criada pela Stardock e é isso que o torna tão interessante. Estudar essas estruturas e o processo de causa-efeito dentro desse ambiente.
É começar desde o primeiro momento de jogo a entender como a facção se beneficiará de detalhes para que seja vitoriosa. Reduz a barreira entre o micro e o macro para se construir uma estrutura unificada a qual ambos os aspectos ganham um peso equivalente sem sobrecarregar o jogador.
Ashes of the Singularity está longe do que eu considero “completo” e ele está ciente disso. Mesmo assim a Stardock foi capaz ampliar as fronteiras dos jogos de estratégia em grande escala em inúmeros aspectos. Carece de uma campanha melhor desenvolvida e de unidades mais variadas. A fundamentação está sólida e já é ótima. Agora é só a desenvolvedora expandi-la de maneira significativa.
A análise foi feita com base em uma cópia para PC fornecida pela Stardock
Ashes of the Singularity
Total - 8
8
Apesar de uma campanha fraca, Ashes of the Singularity apresenta um dos sistemas mais interessantes para jogos de estratégia em grande escala. Ele desenvolve melhor a camada de macro gerenciamento do seu controle no mapa e um sistema de exércitos faz com que as suas tropas sejam efetivas no combate sem sobrecarregar o jogador de informações. Carece de variedade, mas é uma base sólida o suficiente para que a Stardock a expanda mais ainda.