“Inspirado por Final Fantasy Tactics” é uma frase que me assusta. Toda vez que um desenvolvedor tenta isso, o tiro sai pela culatra. Alguns não entendem o que faz o sistema de “jobs” de “Final Fantasy Tactics” especial, ou não quer ou não tem interesse em evocar os elementos que possuem nuance do jogo — como a gigantesca intriga política. “Arcadian Atlas” (Steam) é outro da lista, mas ao invés de tentar ser uma mera “cópia”, a desenvolvedora (inserir nome) ao menos consegue compreender que “Final Fantasy Tactics” foi único para a sua era e qualquer tentativa de fazê-lo repercuti-lo como foi na época, é basicamente impossível. E isso é uma boa notícia.
A história do jogo começa de um jeito inesperado focando-se em dois personagens em amor, Vashti e Desmond. Separados por uma guerra semeada por mentiras, ambos têm de se encontrar escondidos. Até que Desmond dá um ponto final e diz que não vai mais ver Vashti com perigo de ser descoberto e também pela sua própria convicção que a sua nação está certa.
O amor que esses dois personagens compartilham não é totalmente explorado até muito mais tarde na campanha. Você sabe que eles são próximos, mas têm ideais diferentes. Surpreendentemente, os desenvolvedores parecem entender isso e criaram outros pontos da trama para adicionar substância à narrativa abrangente. Vários poderes estão em jogo, e todos parecem estar escondendo algo na manga. Isso leva a momentos de tensão em que as verdadeiras intenções são reveladas e o véu é levantado sobre a causa da morte do rei.
Claro que esses eventos são cheios de reviravoltas, surpresas e traições. Não esperava nada de diferente de um jogo inspirado por “Final Fantasy Tactics”. Mas o que me pega bastante é como esses arcos narrativos não são descartados ou a desenvolvedora não joga um “vilão final” para tentar justificar tudo. Há uma fantástica dose de nuance onde você nunca sabe quem está ou não do seu lado que é relativamente raro de ver em jogos táticos. Trago como próprio exemplo o “Symphony of War: The Nephelim Saga”, que começa interessante mas lá pelo quarto capítulo já deixa claro que só existe o lado do “bem” e o lado do “mal”. Ainda bem que eu o joguei por conta do combate, se não eu teria deixado essa balela de Nephelim para trás.
Dado a forte inspiração em Final Fantasy Tactics, o sistema de combate é em grande parte similar ao clássico da Square-Enix com algumas mudanças consideraáveis. A ordem dos turnos pode ser encontrada na parte inferior da tela, e as unidades podem ser movidas com base em suas estatísticas e velocidade. De início o sistema aparenta uma certa simplicidade, mas à medida em que você avança na história, a quantidade de classes e jobs começam a duplicar, triplicar e escolher a melhor combinação para a batalha é essencial.
É também, infelizmente onde “Arcadian Atlas” se prende um pouco demais às raízes e também não enxerga a capacidade de evoluí-las. Se você quer um “Final Fantasy Tactics” com uma camada de tinta diferente, perfeito. Entretanto, o jogo no momento da publicação deste artigo está demasiadamente favorecido para classes de longo alcance como arqueiros e magos. Eu completei missões primárias e secundárias usando mais essas unidades do que todas as outras classes disponíveis.
O que é uma grande pena, pois “Arcadian Atlas” tem um excelentíssimo sistema de efeitos e tipos de dano que você pode aplicar no seu oponente para imobilizá-lo ou deixá-lo mais fraco. Conto no dedo as vezes que eu utilizei após uma meia dúzia de missões.
Outra oportunidade perdida são a ausência de bônus para verticalidade ou flancos. Decidiu posicionar as suas tropas em cima de morros para fazer chover flechas? Não importa, o cálculo de acerto é baseado unicamente na esquiva de cada oponente. É bizarro, pois o jogo permite você alterar a posição do seu personagem — o que indica que flanquear as unidades é útil. Mas se em algum momento foi, isso não está presente na versão final do jogo.
Digo o mesmo para a quantidade mínima de opções para planejamento pré-combate. Muitos jogos do estilo ao menos mostram uma visão geral do mapa e de onde os inimigos estão. “Arcadian Atlas” segue no sentido contrário e você às vezes vai ter que recomeçar uma missão por ter posicionado as unidades de forma pouco eficaz. Acredito que isso seja uma decisão de design — e uma um tanto ousada. O que não é uma decisão é a quantidade pífia de tipos de inimigos. Na maioria do tempo você irá lutar contra inimigos que utilizam a mesma classe que as suas próprias unidades. Não é necessariamente ruim, apenas um tanto repetitivo.
Eu só não entro em uma crítica mais profunda do sistema, pois eu acredito que com a devida dose de atualizações — sendo que uma já foi publicada desde que ele saiu — o sistema começará a brilhar de verdade. Além disso, as batalhas finais demonstram o verdadeiro potencial do game e como ele consegue integrar bem todas as classes.
Eu sei, você deve estar se perguntando: “Mas Lucas, como você conseguiu jogar até o final de Arcadian Atlas sendo que o sistema de combate é tão sem sal?”. Como eu disse acima, a história e a apresentação dos personagens.
“Arcadian Atlas” consegue muito bem se sobressair na história e especialmente no departamento artístico. É incrível como a Twin Otter Studios foi capaz de transpor tanta emoção em tão poucas animações. Em um mercado que está lotado de jogos inspirados por Final Fantasy Tactics, esse feito não pode deixar de ser passado em branco.
Do momento em que Vashti e Desmond entraram em cena até os minutos finais da jornada que durou apenas 14h, um número bastante conservador considerando todos os outros jogos táticos que joguei em recente memória, eu estava completamente obcecado para ver para onde a história ia. “O que será que vai acontecer no próximo capítulo” ou “Como vão resolver essa decisão complexa?”. Em muitos momentos, cabia a mim definir o rumo da história, e que rumo ela tomou.
Eu adorei as horas que tive com “Arcadian Atlas”. Queria que ele fosse mais refinado no combate? Sem sombra de dúvidas. Queria mais variedade de inimigos, melhorias no campo de batalha e uma melhor utilização das diferentes classes. Mas também, depois de anos e mais anos com jogos inspirados por Final Fantasy Tactics, é muito bom ver um que ao menos acertou em cheio no que eu mais temia: a trama. Por isso só ele vale a sua atenção.
Arcadian Atlas
Total - 8.5
8.5
Arcadian Atlas” não vai receber o troféu de SRPG do ano. Ele não tem o melhor sistema de combate e o próprio é um tanto quanto desbalanceado. Entretanto, ele mais do que compensa isso com uma excelentíssima trama que vai te fisgar do começo ao fim. Se for para investir 14h em um SPRG, que seja em “Arcadian Atlas”, vai por mim.