“Uhum, eu já vi isso antes. Ah, isso daqui também. Ah, claro que esta parte é bem parecida com a outra”. Quando você cobre um gênero por um bom tempo essas frases se tornam comuns. Seja dentro do âmbito de estratégia, roguelites, shooters, ou tantos outros que eu cubro aqui no site. Eu não vejo isso como um defeito, mas no caso de Arboria (Steam), da Dreamplant, é no mínimo… complicado.
A premissa básica do jogo – que me recuso a chamar de “souls like” – da Dreamplant é que a “Árvore da vida” da tribo Yotun está morrendo devido a uma doença desconhecida, e o único habitante da vila capaz de salvá-la é um engenheiro que desapareceu misteriosamente. Cabe então a você, é claro, resgatá-lo e impedir a extinção da tribo. Na minha cabeça isso daria um ótimo rpg, por mais curto que fosse, linear. Quem sabe uns elementos de plataforma, uns quebra-cabeças e a fantástica e inusitada estética carregaria boa parte de Arboria.
“Jogos curtos em 2021? Nada disso!”, diz a maioria da comunidade de jogos, cujo desejo é ter o seu dinheiro “investido” revertido em horas e mais horas de “gameplay”. Ao menos essa é a minha teoria para a Gameplant ter decidido incluir tantos aspectos de roguelite em Arboria – geração procedural de mapas, personagem, equipamento e meta progressão.
Quando esses elementos estão em harmonia, um roguelite pode ser fantástico e ao mesmo tempo te dar a sensação de que você está melhorando a sua habilidade. Exemplos disso que não faltam, do ágil “Enter The Gungeon” ao hilário “Going Under”. O caso de “Going Under” é até mais importante para Arboria, pois o game da Aggro Crab pode ser finalizado na base da “habilidade”. Vai ser mais difícil do que escolher a rota tradicional, mas é viável.
Arboria segue o caminho contrário e assim como Rogue Legacy (e vocês que me perdoem, Hades), cria um imenso muro e diz: “Você só vai passar daqui depois de sofrer por ‘X’ batalhas, obter “Y quantidade de dinheiro e curar “Z” raízes da árvore da vida”. O último ponto até chega a se atrelar à trama, mas ainda é um pouco desnecessário.
Pode não demorar para você liberar melhorias básicas, mas elas sequer deveriam estar atrás de alguma meta progressão. Imagine encontrar uma arma em uma das dungeons e não poder usá-la pois você só tem um slot para equipamento? Quer desconstruí-la para scrap? É bom que você tenha investido na “habilidade passiva” que te permite isso. Eu estaria mais do que disposto a dar um desconto nesse ponto da metaprogressão se as runs fossem curtas e o loop fosse intenso. Arboria, mais uma vez, me decepciona.
Como se já não bastasse a dezena de cinemáticas que você tem que pular no início de cada run, os mapas são pouco inspirados. Sei da dificuldade de gerar mapas aleatórios coesos e não estou aqui para equiparar o trabalho da Dreamplant com o da equipe de Unexplored ou as cavernas naturais de Brogue, já que um é um action RPG em terceira pessoa enquanto os outros dois usam uma câmera “top down”, mas a intensa meta progressão que é aplicada em Arboria traz uma sensação ainda maior de “eu já vim aqui e já fiz isso”.
As salas vão sempre conter uma armadilha ou outra, um possível tesouro e o mesmo tipo de inimigo que varia de acordo com os seus atributos elementais (mais sobre isso em breve). A Dreamplant pode muito bem ter usado isso como um “treino” para o jogador, mas depois de ver os mesmos inimigos no quarto bioma, acho pouco provável.
Como peças de um quebra-cabeça que lentamente vão sendo montados, é de se imaginar que o combate de Arboria siga o mesmo padrão do restante do jogo, certo? Não tanto assim. Ele é parte monótono e parte empolgante.
No começo você tem acesso a pouquíssimas armas (obrigado metaprogressão). Suas runs vão ser “idênticas” pelas duas ou três horas iniciais de acordo com a sua habilidade e a quantidade de Veri – moeda usada para liberar novas habilidades passivas entre runs – obtida. Em uma das runs que eu fiz no começo de Arboria, que durou quase 90 minutos, e eu estava com um boost de +300% de Veri, me garantiu Veri suficiente apenas para um slot secundário para a arma e 5% de chance de monstros deixarem cair itens de qualidade comum. Foi bem a hora que eu coloquei a mão na cabeça e pensei “Eu vou mesmo continuar com isso?”, mas eu tinha que escrever essa crítica, portanto não tinha muita escolha.
O combate em si não é lá essas coisas, os elementos “souls like” que a Gameplant adora citar são no máximo superficiais (limitação de itens de cura e lutas focadas em aprender o padrão de ataque dos inimigos). Falta impacto nos ataques e há chances de você prestar mais atenção na barra de vida do seu inimigo do que no movimento dele. Este aspecto pode muito bem ser resolvido com uma atualização, mas depois de tanto tempo de acesso antecipado, não sei se ela virá.
Indo em direção contrária a tudo que eu falei sobre o combate até então, Arboria é o laboratório perfeito para quem gosta de extrair até a última gota e criar a sua build “perfeita”. Claro que é fácil para mim dizer isso pois investi mais de 30h no jogo para chegar a esse estágio, mas a variedade de builds, elementos e tantas outras nuances são o que carregam Arboria nas costas.
Eu falo de máscaras que dão poderes especiais, elementos como fogo e água que podem ser misturados para criar uma essência mais poderosa, infusão de armas e armaduras. Perks que se adequam a um estilo de jogador – como aqueles que preferem mais agilidade e uso de “magias” – buffs enormes para quem curte aguentar porrada e sair vitorioso, o que é o meu caso. Tudo isso atrás de uma meta progressão e uma repetição tão gigante que eu duvido que boa parcela da comunidade chegue a ver todo o potencial de Arboria no que tange a “theorycrafting”.
Não escondo o tom de decepção ao encontrar todas essas maravilhas depois de tantas horas de jogo que variam entre “sofrimento” e monotonia. “Por que uma meta progressão tão longa? Por que diabos vocês não cortaram isso?”. Não precisa virar um RPG com gratificação instantânea, desses temos aos montes, mas também não dá para ser esse estilo de roguelite. O tempo que eu joguei Arboria podia ter sido usado para completar a quest principal de Tales of Maj’eyal. Ia ser mais empolgante, mais variado e com mais história.
Tem gente que diz que eu tenho muita paciência para as pessoas. Creio que eu tenho mesmo é muita paciência para jogos como Arboria. Outros teriam desistido na metade, largariam por conta da sua meta progressão abusiva. Eu só segui em frente para ver o que tinha no fim do túnel, para ter a chance de chegar na reta final e falar em alto e bom tom “Tem coisa boa aqui, mas está afundada por dezenas de sistemas que não valem a pena investir o seu tempo”.
Eu trato Arboria tanto como uma desenvolvedora inexperiente criando o seu primeiro roguelite como um reflexo da indústria e da própria comunidade de jogos de esperar que todos os jogos existentes tenham horas e mais horas de duração. Não é a primeira vez que eu comento sobre esse tema aqui no site, e acompanhando o cenário de 2021, está bem longe de ser a última.
Gosto de pensar que em um universo paralelo a Gameplant criou Arboria como um action RPG mais enxuto, fez um ótimo uso da sua estética e da peculiaridade de seus personagens para criar uma narrativa bem consistente. Como eu ainda não descobri como explorar múltiplos universos, Arboria vai para a gaveta como mais um roguelite que eu joguei em 2021. Um roguelite em um oceano de roguelites onde está cada dia mais difícil pescar e achar algo fantástico.
Arboria
Total - 5.5
5.5
Os melhores momentos de Arboria acontecem em duas fases: quando você se apaixona pela estética peculiar e depois de investir dezenas de horas para desbloquear todas as habilidades. O que há entre isso é um mediano roguelite que se estende demais, é repetitivo e monótono.