Por muitos anos eu tentei gostar dos jogos da Volition, e por muitos anos eu falhei. Entendo o apelo de Saints Row, porém, quanto mais eu jogava, menos eu me interessava. Comecei Agents of Mayhem com uma tremenda cautela. “Mais um Saints Row”, eu pensei. Ainda bem que eu não fiz nenhuma aposta, pois a teria perdido vergonhosamente.
Anteriormente o meu principal ponto de discordância com o design da Volition era a falta de desafio. A desenvolvedora tendia tanto a dar “brinquedos” para o jogador que rapidamente qualquer semblante de uma aproximação tática ia para o ralo. Pegue Saints Row IV e seus superpoderes, por exemplo. Em poucas horas você estava tão poderoso que o conceito da cidade era jogado para o lado pela facilidade de locomoção, e os inimigos serviam apenas para passar o tempo. Rapidamente me sentia desmotivado a continuar a campanha, pois não tinha o menor apreço pelos Saints e sua trupe. Agents of Mayhem é o primeiro desde Saints Row 2 — o qual antes considerava como o perfeito equilíbrio entre prover variedade, identidade para os personagens e desafio — que prende, e muito, a minha atenção.
Se Saints Row era voltado a deixar a imaginação do jogador fluir via a imensidão de opções, Agents of Mayhem redireciona para desafiar o jogador pelo combate. Ao contrário do que parece, você não controla três personagens, você controla um personagem que se transforma em três. É uma diferenciação importantíssima de se realizar, e a base para que o combate do jogo seja um dos principais atrativos.
Se você já jogou Dragon’s Dogma, o que espero que o tenha feito, sabe que um dos aspectos mais divertidos é o sistema de pawns. A opção de ter um companheiro na sua equipe que você pode ajustar o tipo de classe, quais habilidades usar e qual a proteção vestir. Um traço muito comum em RPGs baseados em grupo (Baldur’s Gate, Mass Effect, etc). Entretanto, todos esses jogos têm um mesmo conceito em comum, o uso de regras rígidas para as habilidades. Eu não posso simplesmente chegar e “Ok, você vai usar essa habilidade agora” sem interromper o combate ou me remover da ação. É esta a regra que Agents of Mayhem quebra.
Com três personagens dentro de um, você pode definir quando, como, de que forma as habilidades são usadas. Uma rolada da roda do mouse, um botão do controle e você é outro personagem. Na mesma posição, ainda disparando nos inimigos e com um conjunto de habilidades prontas para serem usadas. É a partir do momento que você entende essa necessidade de misturar os personagens que o jogo mostra sua verdadeira face.
Sinergia, estabelecer parâmetros e combos para derrotar os oponentes. Fortune, uma das primeiras agentes que o jogador toma controle, é especialista em reduzir a potência dos escudos dos inimigos, enquanto Oni causa pânico e vulnerabilidade — o que amplifica tanto o dano físico como o dano em armaduras. Lentamente o Agents of Mayhem começa a jogar mais e mais inimigos cuja sinergia é necessária.
QUando todos esses elementos se juntam nada me deixa com a sensação de estar sempre sob o controle e ao mesmo tempo desafiado. Há muitos momentos que eu poderia listar aqui, mas um que eu falei “meu deus, isso é genial” foi ao tentar tomar o controle de um ponto de observação do L.E.G.I.O.N., os vilões do game. O objetivo era simples: destruir certos componentes e depois invadir a antena para tomar conta da região. Segundos depois de adentrar a área estava completamente cercado de inimigos. Robôs, soldados especiais, soldados que podiam me atordoar. Minha equipe, composta por Yeti — um soldado russo com uma arma de gelo — Braddock, que aplica vulnerabilidade e Fortune — que estava lá para reduzir os escudos, os transformaram em picadinhos. Com Yeti eu os congelava e assim que sua arma atingia o nível máximo de potência, poderia soltar um ataque devastador em área. Quando um oponente mais poderoso vinha a minha frente eu trocava para Braddock, colocava munição que penetrava armadura e em instantes ele estava caindo plataforma abaixo com o poderio da minha arma. Um constante vai e vem entre Fortune e Braddock para eliminar os soldados com armaduras e depois invadir a antena e tomar controle da região.
A cada passo eu me sentia constantemente atento, desviava de projéteis, tinha noção do que estava a minha volta, esperava os segundos até que as habilidades especiais pudessem ser reutilizadas e — principalmente as habilidades Mayhem. Pense nos Mayhem como um “” de cada personagem. Alguns podem ativar artilharias, outros infligir medo. E acima de tudo, nenhuma dessas habilidades soa como um superpoder, mas sim te colocam em pé de igualdade contra os inimigos.
Do começo ao fim da campanha Agents of Mayhem estabelece um cabo de guerra entre o jogador e as tropas da L.E.G.I.O.N. A questão sempre é “como eu posso tornar esses embates ao meu favor” ao invés de “eu sou um deus e vou destruir tudo pela frente”. Os 15, sim, 15 níveis de dificuldades variados aumentam ainda mais a oportunidade de testar esse sistema de sinergia. Os níveis mais altos, que eu fui irresponsável de testar, no mínimo duplicam a necessidade de entender como fazer melhor uso das habilidades passivas e ativas. Quanto mais conhecimento do campo de batalha e quem você enfrenta, menos os inimigos parecem “esponjas gigantes absorvedoras de dano”. Basta saber explorar as fraquezas. Como alguém que é quase “traumatizado” por longas batalhas para pouca recompensa, ver essa noção ser jogada pela janela é de me deixar um sorriso na cara.
E sim, eu estou ciente que pode soar como muita informação para quem começar a jogar Agents of Mayhem. Vulnerabilidades? Fraquezas? Como fazer isso sem que vire uma imensa planilha do excel? Um sistema de progressão não simplificado, mas direcionado ao que importa se encaixa para o contexto do jogo. Habilidades passivas alteram o disparo principal do personagem, gadgets amplificam ou mudam o status de cada habilidade ativa e níveis são a base para aumentar a proficiência das vantagens.
“Escolha seu personagem, desenvolva build favorita, se preocupe menos com números e mais com a ação”. Essa é a mensagem que Agents of Mayhem me trouxe, o resto é consequência, o resto vem com naturalidade. Notificações me avisam de como um ou outro membro da equipe podem ser utilizados melhor em certos cenários — que podem se tornar um pouco caóticos demais devido a tantas explosões — e de resto é só um pouco de atenção para que você se saia bem e não falhe. Depois de uma missão completa, ainda tem alguns diálogos divertidos. Afinal, não há como falar sobre Agents of Mayhem sem citar os próprios protagonistas.
Um dos principais motivos que eu me afastei de Saints Row foi o humor que parecia preso em uma eterna quinta série. Piadas de peitinhos, pintinhos, bundinhas são engraçadas na primeira vez. Na décima? Nem tanto, e olha que eu sou alguém que teve uma grande paciência para aguentar Lo Wang e as terríveis piadas de Shadow Warrior 2. A construção e interação dos personagens no novo game da Volition mostra, acima de tudo, um amadurecimento da empresa.
Claro, piadas de cunho sexual não vão sumir pelo visto, entretanto a qualidade dos diálogos, principalmente a interação e o histórico por trás dos protagonistas — mostrado por meio de cinemáticas ao melhor estilo “super-heróis dos anos 80” é o que me fez cair de amores. Braddock é uma sargenta com aquele estilo durão que responde meio atravessado para todo mundo. Daisy? Uma das personagens mais “badass” de toda a equipe. Armada com patins, uma minigun e pronta para dar um murro em quem cruzar sua frente. Tem como não a amar?
Se Saints Row jogava pelo estilo meio “seguro” — e um tanto sexista — da indústria de jogos, o elenco de Mayhem não poderia estar mais distante disto. Independente do seu gosto, você vai encontrar alguém com quem vai se identificar. E, para alguém que tipicamente não se apega com o estereótipo de “heróis”, foi uma excelentíssima surpresa. Por favor me aponte um jogo onde você pode ter uma brasileira, um soldado russo e um aspirante a ator de Hollywood todos na mesma equipe, trabalhando as suas diferenças em campo e ainda fazendo piadinhas um com o outro. Se o legado da Blizzard em criar personagens diversificados em Overwatch for aplicado desta forma em outros games, eu não poderia estar mais feliz.
Queria poder me rasgar de elogios pelo restante dos elementos que compõem Agents of Mayhem, mas o foco demasiado em tornar o combate agradável e variado vem a um preço que eu não gostaria de ter de pagar, o design simplista das missões.
Pode chama-lo de um jogo de ação, mas no fundo é um RPG de ação e principalmente peca no que aparentam ser “dungeons”. De tempos em tempos o jogo te coloca em áreas fechadas para completar objetivos e tais áreas não poderiam ser mais monótonas. Uma série de corredores sem fins, objetivos repetitivos e que pouco adicionam a trama. Você vai, os completa e não se sente recompensado por isso.
O mesmo pode ser dito por parte das missões de mundo aberto, uma decisão que mais parece um resquício do que a Volition estava acostumada a fazer e, dado a variedade e adições de Agents of Mayhem, é algo que poderia ter sido melhor aproveitado do que um mediano “vá ali, destrua X, invada sistema Y e repita até cansar”. O excepcional combate faz com que esses momentos sejam menos amargos, mas ainda assim, é um sistema que se recai um pouco demais nas convenções típicas do que espero de um “open world” e a única grande decepção de Agents of Mayhem.
Minha esperança era que o aspecto de sinergia e variedade de builds fosse aplicado de formas diferentes no elemento open world. Um maior uso do cenário para estabelecer armadilhas, um pouquinho mais de surpresas além de colecionáveis, fazer com que a história dos protagonistas se entrelaçassem no contexto do que apenas “Olha só, estamos em Seoul, agora vamos eliminar os inimigos”. Até mesmo a identidade de uma Seoul futurista é ignorada. Poderia ser qualquer outra cidade e o efeito seria o mesmo. Bem, ao menos saímos de mais uma cidade dos EUA e por si só já é um bom avanço por parte da Volition.
Como os outros da Volition, ele é um tanto inconsistente, mas no caso de Agents of Mayhem, eu estou disposto a perdoar. Disposto por ser o primeiro jogo a me fazer dar risadas, sorrir, me sentir em constante ameaça e desenvolver uma equipe que atenda o meu estilo de jogo desde Saints Row 2. E, quando tudo me deixava meio decepcionado, sabia que o combate ia voltar para salvar o dia. Marcava um local do mapa, preparava meu esquadrão e ia para mais uma missão. Uma das maiores surpresas do ano e que merece muito mais atenção do que recebe.
A análise foi feita com base na versão PC enviada pela Deep Silver.
Agents of Mayhem
Total - 8.5
8.5
O excepcional combate, focado em estabelecer sinergias entre personagens, e elenco variado fazem com que Agents of Mayhem seja o melhor jogo da Volition desde Saints Row 2. Não evolui em todas as áreas que eu gostaria, mas ainda assim, é um passo na direção certa para que a Volition finalmente se afaste da marca “Saints Row” e crie histórias melhores, mais maduras e definitivamente mais engraçadas.