Um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar? Em teoria sim. No mundo dos jogos, ainda mais quando o assunto é expansões, a comparação é bem mais rara de se ver. No entanto, a Triumph Studios faz o quase impossível acontecer com Age of Wonders: Planetfall – Invasions (Steam). Eu não esperava muito, mas essa expansão entrou para o topo das minhas favoritas feitas pela desenvolvedora.
Até então a desenvolvedora dos Países Baixos lutava para encontrar o devido equilíbrio entre desenvolver uma campanha que tinha mecânicas interessantes e uma boa história. Revelations resolveu parte dessa equação ao aumentar a variedade de eventos dentro e fora da campanha, mas foi com a atualização 1.200 e agora com a 1.300 que acompanha Invasions que o jogo começa a tomar uma identidade mais forte. E não dá para não mencionar essa identidade sem falar dos Shakarn, a nova facção jogável que amarra o pacote de uma maneira impressionante.
Se você não conhece o meu estilo de jogo em jogos 4X, ele funciona mais ou menos assim: construa unidades até ter um exército grande o suficiente para aniquilar o seu oponente. Unidades especializadas, furtivas ou com tecnologias raras? Tudo supérfluo para mim. Os Shakarn – tão focados nos conceitos que tendo a ignorar – foram, portanto, um grande desafio para me adaptar.
A maioria das suas unidades usa algum tipo de elemento furtivo para despistar o inimigo, seja ao assumir a forma e habilidade deles, ou ficar na linha de frente para causar mais dano e interromper ações como Overwatch; isso sem contar o novo tipo de dano sônico que precisa ser usado em conjunto com o dano a laser para se ter um exército equilibrado.
Adentrei a campanha muito fora da minha zona de conforto; a primeira missão envolvia espionar em uma série de reatores em construção pelos Dvar e os Vanguard. Ainda que ela siga um pouco da mesma estrutura de que reclamei no meu texto sobre Revelations (vá até o ponto A, espere alguns turnos e siga para o ponto B), ela é muito mais aberta em termos de como se pode concluí-la já que não há uma condição de derrota completa.
A minha primeira tentativa foi enviar um drone — que ambas as facções oponentes viam como “neutro”, já que os Shakarn podem assumir outras formas — para verificar quais eram meus alvos, o que estava na proximidade e como eu ia resolver esse desafio. O que eu não me dei conta é que, quanto mais eu demorava, mais chance eu tinha de ser descoberto.
Não deu outra; adentrei a fronteira de um dos reatores dos Dvar e fui descoberto. Se fosse em Revelations, isso resultaria em uma derrota imediata na missão. Invasions olhou para mim e falou “bom, você se deu mal, agora é partir para a guerra”. Por sorte eu tinha me aliado com duas facções NPCs: os Therians — que fazem parte do DLC e são excelentes na linha de frente – e as unidades dos Paragon com seus ciborgues e equipamentos poderosos.
O caos estava instaurado enquanto eu tentava lutar em diferentes frentes de combate, produzir mais unidades e manter a economia fluindo. Até que levei um soco na cara com um dos novos “World Events”. Quem é veterano de Age of Wonders III os conhece muito bem, eventos que tendem a durar cinco a dez turnos e tem o intuito de alterar como você vê o mapa e o combate em si. Há espaço aqui para criticar e dizer que eles deviam estar desde o começo no jogo, mas tendo em vista que em Invasions a Triumph os refez não só para se tornarem mais impactantes, como mais duradouros, eu dou um desconto.
No meu caso, eu sendo eu, claro que o primeiro evento que peguei foi “Reflective Dust”, que adiciona camuflagem em todas as unidades e diminui o percentual de acerto a longa distância em 20%. Agora você imagina o tonto aqui, com um exército quase todo formado de unidades que usa algum tipo de rifle, tendo de enfrentar os Dvar e os Vanguard ao mesmo tempo. Muitos Therians foram perdidos nesse conflito, e serei eternamente grato pelo apoio que eles me deram (ignore o fato que eu os subjuguei e praticamente fiz um crime de guerra para que eles fossem recrutados, ok?).
Os turnos saíram de um “end turn”, “end turn”, e mais “end turn” para “Diabos o que eu faço agora? Ok, vou alterar a arma dessas unidades, mas isso vai me custar caro a longo prazo. Devia fazer só em parte delas? E se os Dvar também alterarem seus equipamentos?”. Levantei, dei uma volta pela casa como tendo a fazer nessas situações, preparei aquele delicioso cafezinho e encontrei uma estratégia.
Ia colocar as unidades básicas do Sharkan na linha de frente enquanto meus Infiltrators tomavam a forma dos meus oponentes. Uma tática que soa simples no papel, mas dado a fragilidade dos Infiltrators, é muito mais difícil de executar do que se imagina. Depois de muito mais turnos do que eu pensava, a missão estava concluída e uma parte da campanha dos Shakarn estava feita. Não vou “spoilar” o restante da campanha de Invasions, mas recomendo – e muito – que você a jogue.
Entretanto, a minha maior felicidade com Invasions não vem da campanha, mas dos mapas aleatórios que a meu ver ainda são a alma de Age of Wonders. O tédio do early game e mid game foi embora com os Therians e os World Events; não tinha um turno que eu não refletia sobre as minhas ações e como avançar a minha facção – seja ele os Sharkan, Ki’rko, Dvar, Vanguard ou Amazons. Mas o melhor (ou pior), é a inclusão dos Voidbringers – inclusão que dá título à expansão.
Se você teme uma possível guerra com os Paragons e as suas unidades cibernéticas e tecnologias avançadas, os Voidbringers são a definição de – e perdoe o termo – “fudeu”. Eles podem surgir no 40º ou no 80º turno da partida e te dão uma opção: junte-se a nós ou seja aniquilado. Caso se una a eles você entrará em guerra com todas as outras facções que não forem aliadas; resista e terá de enfrentar tropas que são o dobro ou até o triplo do seu potencial bélico.
Eu ainda estou para ganhar uma partida contra eles; o que ganhei foi mais cabelo branco, e uma marca na mesa de tanto apoiar meu rosto nela enquanto falava “de novo não, de novo não”. Sabia que eles eram difíceis, mas não tão difíceis assim. (Para aqueles que estão apreensivos quanto a eles, não se preocupem, eles podem ser desativados nas configurações avançadas de partida).
Até as batalhas mais básicas com unidades Tier I, II e III modificadas não eram páreas para as unidades básicas dos Voidbringers. Teria muito espaço para criticar essa adição, mas isso eleva a camada tática – que muitos ignoravam por conta da “facilidade” que era o combate automático – para um novo grau de importância. Os Voidbringers te fazem pensar, repensar táticas, entender melhor como funciona Planetfall e como fazer melhor uso do posicionamento das unidades. Por mais dolorosas que tenham sido as derrotas, sinto que saí um pouco mais experiente delas do que das batalhas que fiz durante Revelations.
Pode não cair no gosto de todos, e sei que é redundante falar isso, mas era o que eu esperava para Age of Wonders: Planetfall – Invasions. A Triumph pegou um jogo que no começo mais parecia um spinoff, melhorou o early, mid e late game, trouxe campanhas competentes e o jogo agora está bem próximo do prazer que foi jogar Age of Wonders III e suas expansões. Eu não tinha muita fé de que isso fosse acontecer. Mas, como disse no começo do texto, às vezes um raio cai sim duas vezes no mesmo lugar. Que a terceira, e possível última expansão, feche com chave de ouro.
Age of Wonders: Planetfall - Invasions
Total - 9.5
9.5
Excelente
Age of Wonders: Planetfall – Invasions demonstra a capacidade da Triumph de desenvolver campanhas menos lineares enquanto começa a retificar os principais problemas de todas as etapas do 4X. Uma expansão mais do que essencial para quem gosta do jogo. Só tenha paciência com os Voidbringers, pois será massacrado dezenas de vezes até pegar o jeito. Isto é, se pegar o jeito.