Soltei um grande bocejo durante a minha primeira “campanha” de “Age of Wonders 4” (Steam / GOG / Epic Games Store). Não era por conta da sua jogabilidade, disso eu tinha certeza. Na verdade, é o seu longo tutorial, cuja narradora tem uma voz tão tranquila que me deixa com sono. A parte boa é que essa é uma das maiores críticas que tenho a fazer ao novo 4X da Triumph Studios.
“Age of Wonders” é uma série que me fascinou desde a sua primeira versão em 1999. Na época, a batalha pelo trono dos jogos de estratégia 4X de fantasia era muito mais ferrenha do que hoje em dia. Ainda assim, a Triumph Studios foi capaz de criar o seu próprio “nicho”, misturando personalização, exploração e um ritmo de jogo “acelerado” em comparação a outros da época. Muito deste legado ainda pode ser claramente visto em “Age of Wonders 4”.
Diferente de “Age of Wonders III” e suas campanhas “lineares”, mas não tão interessantes, e muito menos “Planetfall”, com uma campanha que se escorava um pouco demais em um sistema de geração procedural para dar certo, “Age of Wonders 4” é sobre você ser o dono do seu próprio destino e arcar com as consequências dele.
Não chego a dizer que o jogo não tem uma trama em si; em suma, os “Wizard Lords” foram libertados de suas cadeias eternas e agora são capazes de explorar diferentes planos em busca de glória, destruição e domínio sobre outros povos. Na prática — com exceção de algumas menções para os antigos lordes de “Age of Wonders 2” —, isto serve apenas para guiar como a sua civilização vai funcionar. O seu principal herói é um “Wizard Lord” ou um herói do povo que decidiu defender a sua terra natal desses invasores?
Muito mais que “Age of Wonders: Planetfall”, “Age of Wonders 4” trilha o caminho estabelecido pela Amplitude Studios em “Endless Legend”, onde a história criada pelo jogador é mais importante do que uma narrativa gigantesca ou até mesmo coesa.
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Você pode muito bem utilizar uma das dezenas de civilizações pré-determinadas pelo jogo ou criar a sua própria — algo que já é esperado de “Age of Wonders”, mas não com o grau de “complexidade” e ao mesmo tempo simplicidade que o quarto game oferece.
Antes de sequer começar a jogar “Age of Wonders 4”, decidi me aventurar mais uma vez em “Age of Wonders: Planetfall”, que para muitos é o “patinho feio” da franquia. Para mim, “Planetfall” tentou fazer demais com recursos de menos. Personalização extrema de unidades, microgerenciamento até dizer chega e um sistema de combate competente, mas que usava e abusava de combate à distância — tudo isso junto fazia com que as batalhas demorassem mais turnos do que o necessário.
Grande maioria desses sistemas de “Planetfall” foram trazidos para “Age of Wonders 4” de uma forma mais elegante. Os múltiplos tipos de vitória — militar, mágica, expansionista e de pontuação — contam com objetivos mais claros. O sistema de setores foi reaproveitado de uma forma interessante, embora não como eu imaginava (mais sobre isso em breve).
Por outro lado, as unidades perderam os seus mods e tecnologias, agora trocadas por tomos mágicos no melhor estilo “Master of Magic”. A versão base do jogo oferece os tomos Astral, Materium, Chaos, Order, Nature, e Shadow. Cada tomo tem dois níveis de pesquisa, e qual tomo é usado pode mudar drasticamente a maneira que você explora o jogo. Alguns tomos como Nature se focam em curar seus aliados, mas suas versões mais poderosas te dão a possibilidade de invocar unidades que vão mudar o rumo de uma batalha.
Imagino que muitos venham a torcer o nariz pela “ausência” de mods para as suas unidades. Eu também fiz isso de início, mas os tomos mágicos e as dezenas — quiçá centenas de magias (desculpe, eu não parei para contar quantas magias existem no jogo, são muitas, mesmo) servem como uma excelente solução para o que antes era uma questão “séria” de microgerenciamento.
Acredito que veteranos de “Master of Magic” ou “Heroes of Might & Magic” sabem muito bem do que eu estou falando. Ao invés de entrar na batalha com uma unidade minuciosamente calculada, são as magias que você usa antes de entrar nela — seja para alterar um atributo base das suas tropas ou até mesmo a sua adaptabilidade em certos tipos de terreno — ou as que você invoca durante a batalha que determinarão o resultado final.
![Age of Wonders 4](https://www.hu3br.com/wp-content/uploads/2023/04/analise-age-of-wonders-4-3.jpg)
As próprias batalhas em si estão mais atraentes, devido aos diferentes tipos de terreno e a frequência com que você precisa colocar as suas tropas “em risco”, seja para flanquear um oponente gigante ou para invadir um castelo. Se em “Planefall” eu optava pela estratégia segura, eu me arriscava muito mais em “Age of Wonders 4”. Isso, é claro, varia com o tipo de civilização que você controla e também com quais magias você possui à sua disposição.
Mas, acima de tudo, “Age of Wonders 4” soluciona em grande parte um problema que está presente desde o segundo jogo da franquia — a gigantesca disparidade entre “tiers” de unidades. Antes, especialmente em “Age of Wonders III”, era uma corrida para ver quem pegava as unidades de “Tier 3” e esmigalhava o inimigo. Agora, até unidades básicas que deviam ser “inúteis” em mid game podem servir de defesa quando você se prepara para uma possível investida no inimigo.
Não que isso tenha acontecido comigo, é claro. No tempo que eu já joguei “Age of Wonders 4” a quantidade absurda de erros da minha parte só se acumulava. Às vezes esquecia de invocar uma unidade especial, outras vezes esquecia que colocar arqueiros do lado de uma árvore gigante definitivamente não é uma boa ideia. Culpo o fato de que a maioria dos erros ocorreram às três horas da manhã quando eu já estava de fato caindo de sono, mas não conseguia largar a mão de “mais um turno” de “Age of Wonders 4”.
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Ainda não sei descrever qual é a “magia” que a Triumph Studios faz comigo, mas como alguém que joga 4X há anos, a noção de ficar acordado até as três horas da manhã só para conquistar um novo território, tentar assimilar uma nova civilização ou ficar de birra com um dos meus rivais não estava no meu bingo de 2023. Ultimamente eu tenho ido dormir no máximo à 1h da manhã de tanto cansaço, mas o cansaço sumia quando era hora de mais uma partida de “Age of Wonders 4”.
Eu vejo essa deturpação de sono vindo de duas áreas cruciais de “Age of Wonders 4” — duas que poderão gerar muitas situações “ame ou odeie”. Como disse acima, o sistema de setores visto inicialmente em “Age of Wonders: Planetfall” agora se chama províncias e está bem simplificado ao ponto de ser irreconhecível. Se você está esperando ruínas a cada canto do mapa ou um bônus extra de território devido a um de tantos modificadores, sairá decepcionado. As províncias são, no geral, usadas para construir mais fazendas, pedreiras, minas de ouro ou madeireiras.
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Por falar em ruínas, boa parte delas tem a sua própria história e cadeia de eventos — como disse antes, uma página tirada de “Endless Legend” e usada muito bem pela Triumph Studios. Estas mesmas ruínas atuam como modificadores de setor. As mais básicas fornecem um aumento de mana ou unidades especiais. As mais raras, chamadas de Ancient Wonders, são equivalentes a ter um gigantesco tesouro no seu setor. Elas são separadas em níveis de raridade e, quanto mais rara, mais difícil de dominá-la e melhor a recompensa.
Às vezes você ganha uma montaria com habilidades especiais! E eu nunca vou deixar de soltar uma risada ao ver um rato andando em cima de um cavalo ou uma aranha. Se fosse no universo de “Endless Legend” isso jamais aconteceria, dado a atitude ferrenha da Amplitude em manter tudo dentro da esfera do “plausível”. Mas que se dane o plausível, “Age of Wonders 4” é sobre você ser o que bem entender, isto é o que importa.
Já em questão ao sistema de províncias, para contabilizar com essa simplificação, estruturas de tier II ou mais requerem uma quantidade específica de províncias para que sua construção possa ser realizada. Para quem joga “Age of Wonders 4” pela conquista territorial e pelo combate, não se desespere, o jogo não vai fazer você pensar demais sobre como administrar cada cidade ou província. Se algo, apenas ajuda a diminuir o spam de cidades e aumenta a possibilidade de estratégias “tall”.
Por falar em estratégias, é de suma importância mencionar o quão melhor está a geração de terreno em “Age of Wonders 4” quando comparado com qualquer outro jogo da franquia. Vindo de alguém que jogou um pouco demais do mediano remake de “Master of Magic”, ver um jogo que consegue criar cadeias de montanhas, florestas, planícies e ainda te dar uma bela dose de modificadores é quase que um alívio.
Quer criar belíssimos reinos onde você não tem que se preocupar com inimigos, vá em frente. Está cansado da mesmice e quer um terreno desolado, com áreas vulcânicas e ausência de alimentação? “Age of Wonders 4” está mais do que contente em te oferecer isso. Em momento algum eu senti, como tanto senti em “Age of Wonders III”, que o mapa se repetia demais ou que a geração procedural estava aquém do que eu esperava. Esse talvez seja o maior avanço tecnológico feito pela Triumph Studios.
![Age of Wonders 4](https://www.hu3br.com/wp-content/uploads/2023/04/analise-age-of-wonders-4-1.jpg)
Mas, independentemente do reino em que você decidiu construir a sua civilização. minha grande birra com as províncias não é o sistema em si, mas a bizarra ausência de informação pela decisão de tornar a visão “econômica” desabilitada por padrão. Tudo bem que “Planetfall” tinha uma gigantesca poluição visual, mas “Age of Wonders 4” não sofre disso, e a noção de que você tem que ativar tal modo — fato que aprendi duramente depois de resmungar por horas que “não dava para entender como expandir” — é uma mancha feia no que até então estava sendo um excelente jogo. Se você tem algum amor próprio, ative a visão no canto superior da tela o quanto antes para evitar passar pela mesma dor de cabeça que eu.
Todavia, mesmo com ela habilitada, ainda ocorrem alguns eventos situacionais como territórios que causam dano nas suas unidades, ainda mais áreas como desertos, não descritos até que você coloque o mouse ou o controle em cima do hex em que a unidade está posicionada. O motivo? Nem ideia; talvez a Triumph tenha imaginado que os visuais de “Age of Wonders 4” seriam o suficiente para passar tal informação. Lamento informar, Triumph, mas não são.
No momento da produção deste artigo, eu já completei cerca de 20 partidas de “Age of Wonders 4” com as mais diferentes condições. Encontrei seres que habitam cavernas, goblins, meus vassalos e usei seus exércitos juntos com os meus anões para derrotar um inimigo e tomar a sua Ancient Wonder e ainda sinto que eu estou só engatinhando no que até então se mostra como um imenso jogo repleto de situações que eu ainda não encontrei.
Nem mesmo o sistema de diplomacia — que está bem parecido com o de “Planetfall”, com seus “vizinhos” fazendo queixas quando você toma uma província que em teoria pertence a eles — foi estudado a fundo por mim. Ao menos garanto que a IA não está tão errática ou toma decisões precipitadas. Para um 4X, isso é outro salto imenso e uma excelente notícia para quem, como eu, não consegue encontrar tempo para montar uma partida com outros jogadores.
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O mais legal de tudo? Os heróis que sobrevivem às partidas são enviados para um “Panteão” e podem ser usados em outras campanhas. Este panteão também serve como um “nível” para a sua conta, liberando novos estilos visuais para as diferentes raças e até mesmo montarias. Muitas delas são situacionais ou até mesmo só estéticas.
É uma boa maneira de compensar a ausência do sistema de dominação intergalática de “Age of Wonders: Planetfall”, embora eu não duvide que ele venha a aparecer cedo ou tarde — seja via uma atualização ou um DLC pago. Além do que, melhor isto do que atrelar a desafios temporários como se um 4X fosse um “Games as a Service”. Sim, eu estou olhando para você, “Humankind”.
Como um pontapé inicial, eu não poderia estar mais contente com “Age of Wonders 4”. Ele não é simplesmente a sequência de “Age of Wonders III”, muito menos uma evolução de “Planetfall”. É o início de uma nova era da Triumph Studios e, por mais que cometa deslizes como qualquer jogo, é de longe o mais polido e mais recheado da franquia. Só preste atenção no relógio para não ficar acordado até as três horas da manhã como eu.
Age of Wonders 4
Total - 9
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“Age of Wonders 4” é um novo e grande passo para a Triumph Studios como empresa e como franquia 4X. Claro que há pontos que precisam ser melhorados ou refinados, mas só pelo simples fato de você ser dono do seu destino e poder traçar a sua história de um jeito mais impactante do que seus antecessores, ele chega com o potencial de ser um dos melhores jogos de estratégia em turnos de 2023.