A primeira vez que eu mencionei Age of Empires 3 (Steam / Microsoft Store) aqui no site, eu o descrevi como o “patinho feio” da franquia. Um sentimento que foi refutado por muitos leitores que o viam como um jogo bom, até mesmo um dos seus favoritos. Jogando quase que incansavelmente a Definitive Edition, eu começo a entender a razão de alguns gostarem tanto dele — mas também compreender os desafios e as armadilhas que a Ensemble Studios criou para si mesma.
De antemão já digo, se você não gostou de Age of Empires 3, a Definitive Edition pode não mudar a sua opinião. Todavia, a nova versão — além das incríveis melhorias visuais e refinamentos na IA — abre portas para uma discussão sobre o turbulento período de mudanças tanto de design como de cultura no cenário de estratégia.
Eu acredito que Age of Empires 3, mais do que qualquer outro jogo da série, teve que lidar com uma mudança radical não só na maneira que você enxerga o campo de batalha, mas também como você interage com ele. A Ensemble Studios deixou de lado sistemas de colheita e prontos de drop-off em favor de um sistema automatizado, criando um ritmo mais frenético para cada partida. Unidades militares podem entrar no campo de batalha muito mais cedo do que em uma partida média de Age of Empires. Vindo do ritmo de um jogador médio de Age of Empires 2, isso é assustador.
O que antes era uma partida “tranquila” vira uma corrida contra o tempo para ver quem obtém mais recursos, controla posições do mapa, faz decisões impactantes. Isso é comum de se ver em Starcraft ou até hoje em dia em jogos que se focam cada vez menos em base building, mas não estava tão presente no DNA de Age of Empires II para aqueles que jogavam de uma forma mais relaxada.
Mas é preciso lembrar que Age of Empires III estava batendo de frente com outros jogos de peso na época. Dawn of War havia sido lançado um ano antes (Relic, 2004) e “aboliu” o sistema de coleta de materiais do jeito que Age of Empires fazia para um sistema focado na conquista territorial. Isso sem contar com Company of Heroes (Relic, 2006), que trouxe mais uma leva de inovações para o gênero. Eu não queria estar na pele da Ensemble naquela época — ainda mais depois de Age of Mythology, o jogo com mais recursos e construção de base já feito pela desenvolvedora —, e acredito que ela fez de tudo para manter o estilo original de Age of Empires intacto e iterar o que era possível para convertê-lo em algo considerado “moderno” no período.
Todavia, dois empecilhos gigantescos fazem com que a curva de aprendizado dele seja muito mais feroz do que qualquer outro jogo da franquia: o período no qual ele se passa e o seu sistema de decks.
Age of Empires 2 pega um período da história onde a evolução militar caminhou de forma “lenta”. No final de uma partida você ainda tinha noção de quais unidades podiam ser usadas para derrotar outras. Agora olhe para Age of Empires 3, que começa na “Era da Exploração”, onde formações táticas como “Pike and Shot” começaram a tomar conta dos campos de batalha da Europa, para depois serem trocados por mosquetes e canhões, morteiros e tantas outras artimanhas de guerra.
O que era um simples “pedra / papel /tesoura” vira “pedra/papel/tesoura/lagarto/Spock,”. Age of Empires 3 possui três tipos de canhões, sendo que só dois deles são eficazes contra infantaria. Como repassar toda essa informação para o jogador em uma ou mais partidas?
Esta gigantesca dor de cabeça não se limita a Age of Empires 3, mas se estende para todos os jogos que encostam nos avanços do século XV ao XVII. A própria série Total War – com Empire e Napoleon – era um emaranhado de sistemas e mecânicas que poucos entendiam (sem contar a enormidade de bugs, mas isso não vem ao caso). A vantagem da Creative Assembly no caso era o uso de uma camada estratégica por turnos, que ao menos dava tempo para o jogador respirar e entender como cada unidade agia no campo de batalha. Age of Empires 3? Se vira meu camarada, aprende na marra.
O mais irônico disso tudo? Eu adoro o fato que Age of Empires III deu esse pulo, pois eu vivo para esse tipo de nuance em jogos de estratégia. Se dependesse de mim todo jogo de estratégia devia ser assim e muito mais. Não é à toa que gosto de Graviteam Tactics, Combat Mission e outros Wargames. Fiquem felizes por eu não desenvolver jogos de estratégia.
Age of Empires 3 poderia ter uma curva de aprendizado mais gentil? Sem sombra de dúvidas, tanto que a Definitive Edition faz isso pelo sistema Art of War, que explica os conceitos básicos e avançados de uma maneira muito mais coerente do que a sua terrível campanha. Perdoem-me, mas não há como defender o quão arrastada é a campanha e seus objetivos — um dos pontos mais fracos do jogo e que só teria alguma salvação se fosse refeita do zero por uma equipe experiente. É um daqueles aspectos que poucas desenvolvedoras são capazes de fazer bem, sendo a já citada Relic Entertainment uma delas.
Porém, o que sedimenta a dificuldade de aprendizado de Age of Empires III é o seu sistema de decks. Para quem nunca jogou, você tem a sua “cidade natal”, a qual você sobe de nível durante a campanha, obtendo assim acesso a novos recursos especiais. O sistema, construído para incentivar o jogador a explorar ainda mais o mapa e criar “trade posts”, é uma ideia fantástica refinada por anos e adotada por jogos como Company of Heroes 2. Entretanto, a implementação original era dolorosa. Primeiro por ter a maioria das cartas bloqueadas por um sistema de níveis – o que limitava suas opções no multiplayer –, segundo pela já mencionada complexidade de tantos outros sistemas em ação.
Usando Company of Heroes 2 como um rápido exemplo, a maioria das “cartas” (das quais apenas três podem ser levadas por batalha) envolvem um aumento de 10% de dano de infantaria ou redução de dano de tanques. Age of Empires 3 tem este arsenal expandido para cartas que vão de uma bela leva de recursos como alimento ou madeira até unidades especiais. Lembrando que isto já está sendo inserido sobre um sistema de combate e exploração demasiadamente complexo. Não é à toa que a maioria das partidas multiplayer da época eram vencidas por quem controlava mais trade posts e tinha todas as cartas do deck liberadas. Ao menos a Definitive Edition removeu essa necessidade de “grind” durante o multiplayer, reduzindo um tiquinho a barreira de aprendizado.
Mais uma vez preciso apontar a importância desse sistema de Age of Empires III e como ele influenciou o grau de dificuldade do jogo. Ora, até hoje jogos que usam um sistema de decks para montar os seus exércitos como a Eugen Systems faz em Wargame e Steel Division 1/2 são focados em um nicho específico. Até mesmo o tutorial da desenvolvedora francesa vai muito além do que a Ensemble fez em Age of Empires 3.
Por isso que não culpo os fãs de Age of Empires 2 olharem para a sequência e dizerem “nossa, não é isso que eu quero para a série”, muito menos a Relic – atual desenvolvedora de Age of Empires IV – voltar para as suas raízes. Eu mesmo passei por isso com Dawn of War III e a tentativa bizarra da Relic de transformar o que era o seu famoso sistema de conquista “aberto” e foco em partidas mais táticas para um multiplayer focado em lanes e atrito. Ela até tentou voltar atrás com novos mapas, mas era tarde demais.
Eu não quero, nem vou desmerecer os incríveis avanços feitos por Age of Empires III: Definitive Edition pela Tantalus Media e a Forgotten Empires. As novas civilizações são um deleite, há melhorias significativas na IA e no pathfinding, mas isso tudo é um grande remendo em um jogo que, desde o seu início, tinha bons conceitos mas é um produto do seu tempo, de uma desenvolvedora que deu um passo largo demais para tentar competir com outros gigantes do mercado e, por consequência, acabou por “descaracterizar” a franquia para quem gostava do estilão clássico dela.
Mas, apesar dos pesares, não nego que Age of Empires 3 – ao menos de um ponto de vista de design – é o meu favorito. Como disse antes, as nuances me atraem, o período é muito mais o que eu gosto do que o milésimo jogo medieval que vejo por aí. É uma grande joia bruta, lapidada ao seu limite pela Definitive Edition.
Por conta disso, a minha recomendação é: se for para jogar Age of Empires 3 – Definitive Edition, faça isso de mente aberta. Não o compare com o seu antecessor, não espere que ele tenha o mesmo estilo. Ele trilha o seu próprio caminho, e eu fico mais feliz com isso do que ver a Ensemble regurgitar o mesmo jogo pelo resto da sua existência. Uma pena que o estúdio fechou, mas ao menos temos uma nova chance de olhar para Age of Empires 3 com uma visão mais madura, com um contexto mais aprofundado sobre o que ele trouxe para os jogos de estratégia e quais aprendizados podemos tirar dele.
E vai saber, pode ser que daqui a 15 anos outro jogo venha com a mesma proposta e entregue tudo que Age of Empires 3 prometeu e muito mais. Só o tempo dirá.
Age of Empires 3 - Definitive Edition
Total - 8.5
8.5
A campanha de Age of Empires 3 – Definitive Edition pode não ser a melhor da franquia, seus sistemas são complexos e nem sempre bem explicados. A Tantalus Media e a Forgotten Empires tiraram leite de pedra para refinar ao máximo esta joia bruta. Se você estiver disposto a vê-lo com um olhar mais abrangente do que ele significou para a comunidade de estratégia nos últimos 15 anos, vai notar a sua importância em inspirar tantos jogos – mesmo que muitos tenham acabado virando um nicho.