O primeiro elemento que me saltou a vista quando li sobre Affogato (Steam) era o conceito de “Tower Defense reverso”, que ao invés de você colocar as torres, você controla as unidades. O que eu não prestei atenção era na parte “Visual Novel”. Ainda bem que eu não sou alérgico a elas, pois se não teria tido uma experiência terrível com ele.
O título da Befun Studio puxa influências de todas as fontes possíveis, Persona, VA-11 Hall-A ou Coffe Talk para um exemplo mais recente e de certa forma como um parente distante, Arknights. Eu aponto isso como uma crítica em si, apenas como o que você esperar do jogo assim que começar a jogá-lo. Estava esperando um jogo “relaxante” onde ia administrar um pequeno café e conversar com clientes e recebi um tapão na cara, um “Aprende a maximizar o seu potencial de dano” e “saiba compreender o que cada cliente gosta”.
Mas, vamos com calma e rebobinar para o começo. A história começa com a protagonista que dá nome ao jogo, Affogato e Mephista, uma demônia / ajudante / constante fonte de irritação se você não gostar da atitude dela. Após se mudar para a cidade de Arorua e decide abrir um café. Isto é, quando ela não está arrancando demônios ou maldições das pessoas no seu tempo livre.
Como todo jogo com elementos de RPG que se preze, não tarda para que a protagonista cruze com antigos amigos — alguns bastante amistosos, outros nem tanto. É o pontapé inicial que para que a história entre no modo “turbo” e não saia dele até os créditos rolarem.
Eu não exagero quando digo que “Affogato” me deixava exausto a cada sessão. Você precisa gerenciar o seu tempo entre administrar o café, conhecer mais as pessoas que o visitam, expulsar demônios e completar objetivos aleatórios.
Soa como Persona, não? Pois é, mas a diferença-chave aqui é que Persona te dava um tempo relativamente longo para completar certos objetivos. “Affogato” segue o caminho contrário. Recebeu uma notificação? Você tem três dias para completá-la e trate de correr atrás dos requerimentos necessários.
Por um lado eu aprecio o enfoque preciso da Befun Studio em fazer com que o jogador gerencie preciosamente o seu tempo. Por outro, eu queria um pouco mais de liberdade para poder fazer objetivos secundários, explorar a cidade ou até comprar novos móveis para o meu café. Sim, comprar novos móveis também faz o tempo passar.
Por falar em gerenciar o tempo, uma das partes decepcionantes de “Affogato” é administrar a loja de café em si. Eu esperava algo no estilo “Dave the Diver” ou ao menos algo mais envolvente, mas infelizmente a preparação do café só serve para avançar parte da história. Tanto que a opção “administrar a loja” é feita de maneira automática — que faz um tempo precioso passar.
A necessidade de ser preciso não poderia ser melhor apresentada do que na camada “estratégica” de “Affogato”. O conceito de “Tower Defense reverso” é executado com maestria em muitas partes — ainda mais nas missões primárias. Pegue um objetivo secundário e prepare-se para sofrer até dizer “chega”.
Cada “missão” se inicia com você munido de uma série de cartas de Tarot que representam as unidades, cada uma com uma habilidade passiva e ativa. “Strength” obviamente é uma carta de ataque, enquanto “Chariot” é um gigantesco tank capaz de aguentar todo tipo de pancada — até mesmo de chefões. Para invocar as cartas você precisa de “Penta”, uma moeda que é obtida ao derrotar monstros ou abrir baús no mapa. Ou seja, saber a melhor rota para diminuir o dano para as suas unidades ou flanquear unidades inimigas é essencial. Até aí não há problema, o problema em si está na composição dessas cartas.
Eu senti que muitas missões secundárias requerem uma composição bem específica de cartas com níveis específicos e posições ainda mais específicas. O que até então eram partidas desafiadoras, mas agradáveis, viraram um marasmo de tentativa e erro.
Voltava um save, dois saves, três saves e me perguntava o que diabos eu estava fazendo de errado. Será que eu não tinha a carta necessária para completar o objetivo? Será que eu não subi a carta correta de nível e agora não vou conseguir completar a missão secundária?
Não teria muitos problemas acerca disso se “Affogato” ao menos oferecesse mais variedade de missões, relaxasse mais em questão ao tempo limite ou até tivesse um elenco mais vasto. Infelizmente, ele é uma “linha reta” do começo ao fim e as minhas chances de jogá-lo novamente são ínfimas.
Ao menos eu posso garantir uma coisa: Caso você decida seguir a história principal, vai encontrar arenas de combate fantásticas. Eu não exagero ao dizer que alguns dos layouts das missões principais são alguns dos melhores que eu já vi em termos de jogos que incorporam elementos de “Tower Defense”. Mesmo quando eu morria — muitas vezes por descuido meu — eu abria um sorrisão quando chegava no chefão. A desenvolvedora de fato se esforçou e muito para trazer aquela sensação “épica” de batalhar contra uma maldição, um medo, algo pavoroso que existe dentro de nós — o que é a aflição de muitos personagens — para algo palpável.
Se eu cortar a parte de “Tower Defense reverso”, “Affogato” me fez gostar ainda mais de “Visual Novels”. Como disse antes, o elenco não pode ser gigante, mas o esforço da Befun Studio em fazer com que cada personagem se destacasse é impressionante. A trama de alguns são bem mais elaboradas do que outros, enquanto certos clientes do café que eu queria conhecer mais acabam sendo deixados para trás em favor da história progredir.
Sei bem que muitas vezes eu posso soar negativo demais nas minhas críticas, mas em parte eu queria tanto, mas tanto que “Affogato” desse um passo a mais, expandisse só um pouco mais o tempo, me deixasse conversar com os clientes mais vezes ou me deixasse personalizar o meu café sem ter que olhar a todo tempo para o relógio preocupado se eu vou conseguir atingir a data limite para certa atividade. Se eu quisesse esse tipo de pressão, eu teria criado um site sobre games há 10 anos atrás. Pera aí, eu fiz isso, então eu realmente não preciso disso.
O jogo que a Befun Studio criou é ambicioso, às vezes irregular, e muitas vezes frustrante. Entretanto, cada dia mais eu tenho preferido essas tentativas do que mais uma sequência, um remake ou um jogo que quer prestar mais homenagens do que ter uma identidade própria. “Affogato” sabe quando e como homenagear, e no fim acaba tendo a sua própria identidade própria. Certamente uma surpresa para 2023, e uma que eu não tenho dúvidas que no fim do ano eu vou olhar para trás e dizer “Ainda bem que eu joguei ‘Affogato’”. Um bom jogo de “Tower Defense”, uma ótima “Visual Novel”.
Affogato
Total - 8
8
Nem todas as partes de “Affogato” estão aparadas como eu gostaria. Algumas missões secundárias são profundamente frustrantes, e o tempo limite para certas tarefas é um pouco brutal deamis. Mas, para um jogo que se propõe ser ao mesmo tempo um “Tower Defense reverso” e uma “Visual Novel”, ele se sai muitíssimo bem. Pontos bônus se você for um grande fã de visual novels.