Algumas das minhas mais fortes lembranças em jogos sempre são ligadas à decadência. De lugares, pessoas, histórias. Absolver (PC, PlayStation 4) pode ser primariamente um jogo de luta, mas traz um forte componente de tristeza e desamparo consigo.
Sem mecânicas de “survival”, ele trata principalmente da luta pela sobrevivência. Por mais branda que a história seja — e ela é quase inexistente — cada inimigo funciona quase que literalmente como uma prova de que você é capaz de subsistir nas inóspitas ruínas do Império Adal. Um soco, um chute, um passo em falso e seu corpo se reduzirá as cinzas.
Fúnebre do começo ao fim, Absolver é o compartilhar da solidão. Dois protagonistas, controlados por pessoas, podem se encontrar em qualquer lugar no mapa, mas só podem se comunicar por meio de gestos. A jornada é sempre silenciosa. Colaborar ou não vai de cada um.
Ao longo da minha exploração em cada uma das três principais regiões do mapa para me tornar um melhor lutador, cruzei sim com companheiros, mas também com pessoas extremamente violentas. Seus punhos falavam por eles. Se mecanicamente era um incômodo — já que ninguém gosta de morrer e ter que lutar contra os mesmos inimigos — tematicamente era perfeito; atendia à necessidade de se sentir em constante ameaça, incapaz de confiar em desconhecidos, disposto a arriscar sua vida para uma provação.
De dentro dessa decadência, das ruínas com pontes moldadas de madeiras carcomidas, das estátuas que representam o passado glorioso é que surge a beleza. A fluidez dos golpes, da dança entre a vida e a morte, dos estilos de luta inspirados pelas artes marciais japonesas.
Estou muito longe de ser o maior conhecedor de lutas, muito menos de filmes sobre eles, mas sempre me pego boquiaberto quando presencio tais cenas. A leveza dos corpos, a maneira com que os lutadores quase pairam no ar, sendo ao mesmo tempo capazes de entregar imensa força ao se chocarem. Tal aspecto é revelado com a mesma sutileza e violência pela Sloclap em Absolver.
O som dos corpos reagindo contra o vento ao se movimentarem rapidamente, o contato entre as partes que mais parece a força de mil trovões. Trinta horas de jogo e eu ainda fico impressionado com o excelentíssimo trabalho da Sloclap em tornar o combate tão impactante e imprevisível.
Combate é a alma de Absolver, a engrenagem principal que rege toda as outras. Não há uma forma simples de detalhá-lo. Ao mesmo tempo ele é superficialmente fácil de entender e incrivelmente complexo de se dominar.
Em uma tacada a Sloclap descomplica e despe os dois dos maiores problemas de acessibilidade nos jogos de luta — e não venham me falar que eles não existem. Toda vez que eu cogito em aprender um eu sou impedido devido à imensa barreira que é entender o sistema de golpes e como aplicá-los. Em Absolver a “solução” da desenvolvedora foi utilizar um sistema modular, onde timing e posicionamento são mais importantes do que a necessidade de decorar um conjunto de botões.
Cada jogador pode escolher um entre três estilos iniciais de combate, cada um com uma habilidade específica. O Windfall, por exemplo, permite com que ele se esquive com maior facilidade, enquanto o Forsaken pode parar um golpe vindo da direita ou esquerda com o antebraço.
Muito faceiro, decidi obviamente pelo Windfall, afinal, nada mais fácil do que esquivar para a esquerda ou direita, não é? Claro que o tapa — literalmente — na cara veio no meu primeiro combate. Não era só esquivar para um lado, mas também saber se agachar ou pular de uma rasteira. O analógico direito do controle, responsável por decidir tais ações, parecia na minha mão uma tentativa apressada de ganhar uma partida de Mario Party. Eu me desesperei; e desesperos em Absolver servem somente um propósito: levar ao erro.
Entender, respeitar e analisar o ritmo de cada oponente é crucial, e diferente de muitos jogos de luta, há um espaço para isso. É necessário compreender a velocidade de cada golpe e como o próximo pode ser aplicado.
Olha, eu sei, agora você vai levantar a mão e falar “Ah, mas isso tem um nome e é ‘X’”. Sim, eu não sou um novato em jogos de luta, apesar de ser terrível neles, mas aí é que está a chave: como você passar essa informação sem que ela se perca em um mar de nomenclaturas bizarras, oito tutoriais, e umas 100 páginas de um guia? É pelo mesmo motivo que eu recomendo Ace Combat e não um dos meus simuladores loucos com manuais de 700 páginas para um amigo que quer jogar algo com aviões. Ao invés de um conjunto de botões, um botão de ataque principal e um botão de ataque alternativo.
Ao trazer esse aspecto de maneira mais clara para a tela, seja por pistas visuais — como um pequeno brilho toda vez que o seu personagem pode “cancelar” um golpe e desferir outro — ou uma névoa negra ao fingir aplicar um ataque e na verdade se esquivar, Absolver consegue ser mais atraente para quem está de fora do circuito dos jogos de luta.
Porém, toda a complexidade para se formular um sistema robusto tinha de cair sob alguma mecânica, e no caso de Absolver quem carrega é o sistema de “Stances”. As stances são estados — que definem como serão os combos do jogador — quatro posições com três slots cada, e outros três slots alternativos. O sistema que mais precisa de explicação, é ironicamente o que menos recebe.
Vejo por trás da decisão um ímpeto da desenvolvedora em promover a experimentação, evitar que o jogador seja traído por um conjunto de combos que facilmente pode ser decifrado pelo oponente; mas também vejo que deixar tudo ao acaso não é a melhor ideia.
Eu mesmo demorei a entender o que significavam certos ícones (sim, me chame de ignorante). Antes presumi que um dos quadrados se referia a Stance, mas na verdade era apenas o início e término dos combos. “Por que eu coloquei um chute e ele não é aplicado?”, disse o idiota aqui até perceber como funcionava o menu. Quando o entendi já era tarde demais — estava completamente absorvido por Absolver.
Completada a campanha, mais curta do que eu esperava, eu pulei direto para apanhar no PVP. PVP é o segundo elemento mais crucial de Absolver, e o que vai ditar o futuro do game. Mesmo que só com o modo 1vs1 disponível no lançamento, já era mais do que o suficiente para eu gastar horas das minhas manhãs, tardes e noites na tentativa de construir a “build” perfeita.
Não importava se eu ganhava ou perdia — cada luta era uma chance de enxergar falhas nos golpes que havia escolhido. Alguns ajustes, uma rápida troca de equipamento — usado primariamente para definir a velocidade e quantidade de dano causada — e lá estava eu na fila do PVP de novo.
É um pouco assustador pensar em que ponto chegou a minha obsessão por Absolver e seu componente online. Falo de momentos como estar saboreando um delicioso café e pensar “aquela rasteira que coloquei ontem à noite não está funcionando muito bem, demora demais em relação aos outros golpes, o inimigo pode esquivar fácil”. Neste dia em específico eu levantei com o café na mão, vim para o PC, fiz a mudança e depois de nove partidas percebi que tinha sido uma boa decisão. O café ficou no copo, frio, pelo resto da manhã.
Entrava em partida, saia de partida. Tudo por mais um ponto no ranque de PVP e a chance de obter uma nova peça de equipamento. Aumentar mais um pouco do nível até chegar ao 60. Ficar com uma ligeira inveja do outro jogador que tinha uma máscara mais bonita que a minha. Sim, falo sério.
Quando cansava de apanhar no PVP, tentava um pouco da sorte com os inimigos controlados pela IA, que ainda assim são um considerável desafio. Cada área tende a ter tipos de inimigos com diferentes conjuntos de golpes, e para aprendê-los o jogador precisa se esquivar ou bloqueá-los até que a barra de “experiência” seja preenchida.
Esses foram os únicos momentos em que fiquei ligeiramente decepcionado com o conteúdo PVE. Completar a campanha não é o suficiente para liberar todos os mais de 60 tipos de golpes, e voltar para lutar contra inimigos tradicionais ao invés de outros jogadores só para fazer “grind” de golpes (possivelmente o termo mais bizarro que já escrevi este ano), não é divertido. Isto é, para não dizer que nenhum tipo de grind é divertido.
E, para ser totalmente honesto, eu só não estou no PVP de Absolver ao invés de escrever esse texto pois tenho um grande senso de responsabilidade e também porque, bem, ter o online como um dos componentes principais tem suas desvantagens. No caso, o lag é um dos principais.
Antes mesmo do lançamento eu já havia presenciado preocupantes instâncias de lag, mais comuns no modo “open-world” do jogo do que nas partidas PVP. Entrava em uma nova área e os inimigos não me atacavam, desapareciam ou se teletransportavam para outro canto do mapa. No dia antes de ser aberto para o público, Absolver estava praticamente injogável, mais uma vez nas áreas abertas. Me restringi ao PVP e torci para que as coisas melhorassem. Na data que este texto foi ao ar (30), as coisas já estavam consideravelmente melhores, com problemas reduzidos para apenas períodos de pico e tudo caminhava para uma perspectiva favorável.
Quem já participou de qualquer lançamento de um jogo com conectividade online sabe que há chance de dar problema. Injusto seria atribuir toda a culpa aos desenvolvedores, pois pelo o que eu vi até então a Sloclap foi capaz de produzir um sistema robusto o suficiente ao ponto que partidas com jogadores dos Estados Unidos não serem um problema gritante. Por si só já é melhor do que mais da metade dos jogos de luta que eu experimentei nessa vida.
Teria eu gostado ainda mais de Absolver com o restante do conteúdo prometido no lançamento? Com certeza. Mas confesso que não poderia concordar mais com a decisão da Sloclap em entregar uma base extremamente sólida; que foi o que fizeram, e achei melhor do que se oferecer uma “infinidade” de modos. O que vejo é um jogo de luta com um ótimo PVP, um sistema de equipamentos e estilo de lutas vasto o suficiente sem estar desequilibrado. A última vez que eu vi um jogo de luta “não tradicional” tentar demais, por assim dizer, foi com For Honor, que está desequilibrado e inconsistente até hoje. É nessas horas que eu tenho de reforçar que “menos é mais”.
A última coisa que eu quero é soar como alguém resmunguento, se existe algo que eu apoio são jogos capazes de trazer novos horizontes para um gênero. Absolver não vai revolucionar os jogos de luta, nem deve. Mas se ele conseguir abrir esta porta para uma pequena porcentagem da sua comunidade, já vai ser mais relevante do que muita sequência por aí. Só por esse feito, merece reverência.
A análise foi feita com base na versão PC enviada pela Devolver Digital.
Absolver
Total - 8.5
8.5
Ainda que carregue alguns maneirismos do gênero que o inspira, assim como um componente PVE que requer mais “grind” do que deveria, Absolver é um ar de renovação em um mar de jogos de luta que vive de sequência em sequência. Do tom triste que carrega ao vasto sistema de personalização de golpes, ele mostra que acessibilidade pode sim, andar junto com complexidade — e que palavras não precisam ser ditas para duas pessoas se entenderem. E que na arena; é o punho que sempre vai falar mais alto.