Uma das maiores desvantagens de ter crescido em um ambiente predominado por jogos de PC é a falta de tempo de jogar alguns clássicos de console. Se você me perguntasse em 2011 o que era Wonder Boy eu teria poucas informações sobre. Após uma pequena maratona, aprecio ainda mais tanto a série original como o remake Wonder Boy: The Dragon’s Trap pela Lizardcube.
O remake é um caso extremamente peculiar. Primeiro por ser um dos poucos a ser feito de um jogo relativamente antigo (1989), e segundo que ao mesmo tempo ele respeita o material original da forma mais precisa possível enquanto injeta uma personalidade própria nele.
Quando posto lado a lado com o original, também incluso nesta versão, a jogabilidade permanece praticamente idêntica salvo agora a não presença de lentidões devido a limitações de potência. The Dragon’s Trap é interessante mesmo nos dias de hoje. É um peixe fora d’água junto com Castlevania II, os dois primeiros Zeldas e Metroid quando o assunto é não-linearidade em um jogo de plataforma.
As fases, se é que posso chama-las disso, são pequenas áreas interconectadas com temáticas e alguns inimigos próprios. Pode não parecer nada revolucionário em pleno 2017, mas há de convir que há algo de especial ver um jogo tão bem interconectado e cheio de possibilidades com quase 30 anos de existência. Como alguém que tem criado um desgosto por open world e jogos que se auto intitulam “metroidvanias” (mesmo que esse não seja exatamente o caso de The Dragon’s Trap), a mudança de ritmo é bem-vinda.
É a mesma mudança de ritmo que eu vejo na forma que ele mantém a jogabilidade refrescante com a constante troca de personagens. Após derrotar um chefão o protagonista é transformado em um novo monstrinho, que vem junto de uma nova forma de ataque e habilidades únicas. Realizar o quase obrigatório backtracking se torna muito mais prazeroso dado as novas mecânicas introduzidas. O dragão, primeiro monstro o qual o protagonista se transforma, pode eliminar projéteis de fogo e tem um alcance maior de ataque, enquanto o ratinho guerreiro tem um alcance ridículo de baixo e só pode defender ataques de fogo com o escudo.
Ao invés de termos uma grande variedade de inimigos, The Dragon’s Trap propõe diferentes limitações ao jogador e ajustes dos obstáculos. Assim, passar duas ou mais vezes pela mesma área é sempre diferente dado a constante necessidade de ajustes na habilidade do jogador.
O passar dos anos, no entanto, não foi tão gracioso para The Dragon’s Trap quanto imaginava. Quando comparado com outros do mesmo período, é menos ambicioso e com certas inconsistências. Onde ao mesmo tempo as áreas conseguem ser bem interconectadas, elas também carecem de desafio, o mesmo pode ser dito para o jogo de maneira geral.
As áreas de plataforma, por exemplo, são não apenas fracas como frustrantes por conta de um controle impreciso — parece existir uma certa demora no tempo de resposta do pulo e do ataque. Eu acabava que parava de jogar não por estar cansado, mas frustrado quando não acertava um pulo direito. Já basta a minha incompetência com jogos de plataforma — que já é grande o suficiente.
Entretanto, o mais marcante do Remake não fica para os controles, nem pela nova belíssima estética aplicada pela Lizardcube, mas sim por ser um remake que une dois mundos, duas filosofias e estilos visuais diferentes. Um ocidental e um oriental.
Certo dia um amigo comentou comigo sobre como um jogo era “japonês” e o caso não poderia melhor ser exemplificado do que com The Dragon’s Trap. Ao colocar o jogo de 1989, incluso na versão, e a nova estética lado a lado, vai mais do que apenas melhorar os “gráficos” ou trazer um novo “estilo”. É a forma como nós, do ocidente, vemos o mundo e como isto é aplicado nos jogos e como os Japoneses o veem. O dragão, por exemplo tem um formato original relativamente similar aqueles encontrados aos filmes de Godzilla, aos monstros do cinema, enquanto o da Lizardcube toma um aspecto mais tradicional aos olhos ocidentais.
Por mais que as fases sejam praticamente idênticas, os ataques e os chefões idem, The Dragon’s Trap se mostra consideravelmente diferente do seu original. Não é só questão de mais frames de animação, ou do novo cenário, é a forma que duas desenvolvedoras enxergam o seu mundo. Talvez o game da Lizardcube seja até então o melhor exemplo de diferentes perspectivas aplicadas em um mesmo cenário que temos nos últimos cinco anos. É um interessante processo de usar o mesmo material base e termos duas experiencias completamente diferentes.
Quando jogado no modo original, The Dragon’s Trap não é nada mais do que um jogo de Master System de 1989 claramente feito por uma empresa japonesa. Este “claramente” é demarcado por como nós estamos acostumados com os estereótipos que nos foram, de certa forma, impostos. A trilha sonora, a arte, a forma que o personagem se movimenta. Voltando para o modo “remake”, você pode falar que o jogo foi feito nos últimos 10 anos que eu não duvidaria. Uma prova de que o design, mesmo com os problemas de jogabilidade, é atemporal.
E isto conclui em uma peculiar dualidade para os remakes e a forma que vemos jogos orientais de maneira geral. É a mesma linha de pensamento que nos leva a concluir que Dark Souls não é um jogo tão “japonês” quanto Dragon Quest unicamente por ter uma estética voltada ao público ocidental, mesmo que o RPG clássico da Enix tenha recebido a própria influência de RPGs para PC, como Wizardry.
Jogar The Dragon’s Trap também expõe uma nova luz sobre as tão chamadas “homenagens” que surgem de tempos em tempos. É o que diferencia Cosmic Star Heroine — RPG da Zeboyd Games, que pega emprestado algumas mecânicas de Chrono Trigger e evolui para um caminho próprio — de Shadows of Adam — um RPG da Something Classic Games que parece parar no tempo de tanto que se apropria das estéticas e mecânicas de um período específico do desenvolvimento de games. Ambos os jogos são válidos como um bom passatempo, porém somente a Zeboyd optou de adaptar as mecânicas para um público ocidental e para a sua própria visão de mundo.
Wonder Boy: The Dragon’s Trap da Lizardcube faz exatamente isso. Não duvido que há muitos que optaram por ignorá-lo, como eu fiz no passado, por ser antigo demais ou não cair exatamente sobre o estilo que eles imaginam que seja. Se você fez isso, repense não apenas as suas decisões sobre ele como a maneira de enxergar os jogos.
Independentemente de jogá-lo por diversão ou como um objeto de estudo, a LizardCube tirou leite de pedra com um material que em sua grande parte permanece atemporal. É uma nova visão sobre um clássico, e uma que aprecio muito.
Wonder Boy: The Dragon's Trap
Total - 8.5
8.5
Pequenos problemas na jogabilidade a parte, Wonder Boy: The Dragon’s Trap se revela atemporal e o remake chega para melhor representar a faceta de duas desenvolvedoras sobre o game. Um excelente exemplo de como respeitar o material original e ainda injetar uma visão diferente sob o mesmo.