Tenho um imenso respeito por desenvolvedores que tentam transformar experiências “mundanas” em algo mais interativo, seja dirigir de caminhão, pescar ou mais recentemente, com theHunter Call of The Wild. A sequência/spinoff do game free to play disponível no Steam por R$55,99 marca um novo capítulo para a franquia, dando um passo para frente, oito para trás.
Com quase dez anos desde que foi lançado em 2009, a série theHunter aparenta atingir o ponto da puberdade, onde não sabe bem o que quer da vida, que todo momento precisa ser intenso e quer tentar agradar a todos para participar de todos os grupinhos.
Isto se reflete na jogabilidade com uma mistura do estilo tradicional do game e a inclusão de um bizarro sistema de habilidades passivas. Não vejo problema nelas a partir do momento em que elas se traduzem em um objeto que complementa a jogabilidade, e não um que a torna mais fácil.
theHunter era estabelecido em uma abordagem mais realista. Havia um processo de busca pelo animal por meio de rastros deixados por ele, condições climáticas, local onde ele tipicamente se encontra e a própria habilidade do jogador em interpretar estes sinais. Agora, a barreira de entrada foi significantemente reduzida e não para um sistema que consiga se balancear a gratificação de encontrar os rastros e eliminar o animal.
Tais rastros agora brilham a dezenas de metros de distância — que podem aparecer ainda mais longe ao melhorar uma habilidade —, você pode fazer com que fique menos visível durante a chuva com outra habilidade, até andar entre arbustos pode ser removido com outra habilidade passiva.
Você perde a sensação de planejamento e trabalhar com informações limitadas para se tornar quase que uma máquina de guerra. As primeiras horas eu ainda tinha a sensação de jogar um theHunter, quando consegui o suficiente para comprar algumas habilidades e armas, o jogo bem, perdeu a graça.
Existe uma noção distorcida que a diversão de um jogo de caça é justamente eliminar os animais. Muito pelo contrário, é o planejamento e a tensão de se mover em silêncio, garantir que o alvo está próximo e dar o tiro certeiro para que ganhe uma boa pontuação. Escolha a arma e o equipamento errado para o trabalho e tudo vai por água abaixo.
Call of The Wild raramente me fez usar, por exemplo, apetrechos como odores para alces, postos para vasculhar o cenário ou verificar a direção do vento. Bastava ouvir um sinal, calmamente andar até o ponto e lá estava um alce a espera de ser morto.
Eu ainda não sei se a inteligência artificial de thehunter Call of The Wild é incompetente ou apenas está repleta de pequenos bugs, pois mais de uma vez eu fiquei frente a frente com um animal e ele parecia não se importar. Ou, em dado momento, fui rodeado por um grupo de nove raposas que me encaravam como quem quisesse saber “Ei, que história é essa de você por aí matando geral? ”.
O próprio sistema de progressão é meio confuso, com pontos dados de acordo com a sua habilidade em eliminar um animal. Parte disto oriundo do game original. Entretanto, lá você batalhava por esses pontos, se sentia satisfeito. Aqui, vira uma caçada sem sentido, torna a matança de animais algo tão banal quanto matar alces com flechas em Rise of The Tomb Raider. É como que os fins justificassem os meios. “Ah, eu vou matar X alces para aumentar a minha habilidade Y” ao invés de um “Preciso comprar esta roupa que reduz a minha visibilidade, procurar um local de descanso dos animais e esperar o momento certo.”.
Muitos momentos me fizeram parar para refletir qual era o propósito de continuar a jogar Call of The Wild. Eu não estava ali apenas para matar animais. Eu queria o meu planejamento de volta, eu queria sentir a sensação de estar quase invisível entre arbustos na espera da minha presa. Gratificação instantânea não é algo que funciona com jogos de caça, eles transmitem a mesma sensação de 1812 de Tchaikovsky.
Mas, TheHunter Call of The Wild também não é toda esta aberração que menciono. As novas regras estabelecidas, por mais que estejam desbalanceadas, tem espaço para serem reajustadas de acordo com o que a desenvolvedora quer. E desde o lançamento em 22 de fevereiro desenvolvedora já lançou duas grandes atualizações para correção de bugs e correção no sistema de movimentação.
Outra grande adição é um sistema de missões, que quebra um pouco a monotonia de apenas caçar — que, dentro das circunstâncias dadas pelas habilidades passivas —, é bem-vindo. Em grande maioria não são muito inovadoras, vá ali, explore um local, tire a foto de um animal raro, etc. O mais importante é que elas evocam o senso de exploração que não estava necessariamente presente no antecessor. Lá você tinha apenas um objetivo: caçar. Aqui as atividades secundárias, mesmo que superficiais, te impulsionam a conhecer mais das duas imensas reservas disponíveis até o momento.
No momento, theHunter Call of The Wild é um game que ainda não foi lapidado, o potencial está lá, mas a Expansive Worlds tem que decidir que tipo de jogador ela quer atrair. Os fãs dos theHunters antigos ou uma nova geração? Ambos? Com essa mistura de ideias fica difícil de descobrir.
Meu receio é que a franquia perca o que ela tem de melhor. Da mesma maneira que Euro Truck Simulator 2 consegue estabelecer narrativas por meio de seus espaços transitórios, theHunter era especialista em traduzir isto para um ambiente realista e fazer com que cada caçada fosse 90% planejamento, 10% execução.
Boto fé que “dias melhores virão” para thehunter Call of The Wild, mas por ora, eu prefiro me manter no theHunter original, mesmo com as micro transações abusivas. Ao menos lá eu sinto que faço parte de um ambiente que moldei para alcançar o que desejo. Aqui, tenho conteúdo dado a conta gotas como se isto fosse fazer com que meu interesse aumentasse.
theHunter Call of The Wild
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Com uma tremenda crise de identidade, theHunter Call of The Wild se distancia demais do que torna a série original um sucesso, mas também não faz avanços para abraçar uma nova comunidade. Há espaço para melhoras, agora se elas virão, é um mistério.