Apesar dos trancos e barrancos com jogos como Perception, 2017 vem cada vez mais se provando como uma revitalização e reencontro do gênero de aventura. Depois de Blackwood Crossing e Stories Untold, The Lion’s Song continua maravilhosamente este movimento.
O game desenvolvido pela Mi’pu’mi Games se foca na história de três artistas/gênios em uma Viena antes da primeira guerra mundial. Em cada capitulo os acompanhamos em sua jornada de dificuldades para conseguirem se expressar e realizarem seus sonhos no século XX.
Todos esses três personagens são maravilhosos, profundos dos seus jeitos, e passam muito bem as suas dificuldades. Wilma, uma música, sofre pressão para finalizar a composição que talvez defina a sua carreira, e se reclusa em uma cabana longe da civilização. A pressão e a necessidade de alcançar o sucesso são palpáveis durante o capitulo.
Durante a estadia na cabana, há um tom bastante bucólico, que casa bem com as intenções e objetivos de Wilma, e algo bem relacionável. De vez em quando, o silencio natural é bastante acolhedor.
No segundo capitulo, Franz, um pintor que, apesar de ter a habilidade de enxergar as facetas de seus modelos, não consegue enxergar a si mesmo, e tenta se descobrir. The Lion’s Song passa bem os bloqueios e dificuldades de Franz para pintar, e como isso afeta ele.
Curiosamente, o capitulo de Franz conta, com um dos poucos usos de psicologia em jogos que já vi na minha vida, e dada as devidas proporções, um dos mais próximos da realidade. Apesar de novo até no contexto do jogo (em relação a teoria freudiana), a naturalidade com a qual isso é lidado é refrescante.
Emma, no terceiro capitulo, uma matemática, procura resolver um problema, mas ao procurar ajuda de outros matemáticos, sofre de preconceito por ser mulher, e deve procurar um meio de engana-los. Da melhor forma possível, este capitulo passa bastante raiva ao jogador, apesar do período, ainda uma mensagem atual, quando falamos da luta pelos direitos femininos.
Já no capítulo final, acompanhamos quatro personagens em um trem a um destino por enquanto desconhecido. Cada um, de sua forma, fez parte da história dos personagens dos capítulos anteriores, e podem aprender ou não com seus erros e acertos. Um capitulo bastante nostálgico, ao revermos Wilma, Franz e Emma.
A propósito, é um dos poucos capítulos em que eu recomendaria que o jogador desse um pouco de tempo após terminar os 3 primeiros. Durante e após termina-lo, apesar do sentimento de nostalgia ter sido bem presente, este poderia ter sido amplificado, similar ao projeto de Toy Story, onde os filmes são feitos para se assistir conforme o seu amadurecimento, e não seguidamente.
Mesmo que se passe no século XX, onde alguns diriam ter menos distratores na vida cotidiana, seja com as dificuldades de Emma por ser mulher, ou pelos emperramentos criativos e psicológicos de Wilma e Franz, todos eles ainda, infelizmente, são bem atuais. Avançamos de algumas formas, mas não o suficiente.
Aliás, “acompanhar” é uma boa definição para The Lion’s Song. Há muito pouco desafio ou quebra cabeças, se assimilando mais a uma visual novel. Os puzzles presentes pedem somente que o jogador tenha prestado atenção na história, para obter um resultado “melhor”, que nos leva as escolhas presentes no jogo.
Diferente de jogos como os da Telltale, pelo menos conceitualmente, nenhuma escolha vai modificar pesadamente a história, ou sequer lhe fazer falhar. Entretanto, algo que Lion’s Song faz extremamente bem, é tornar essas escolhas significativas, tanto para o personagem sendo controlado no momento como personagens futuros.
Um bom exemplo disso foi uma escolha que fiz no segundo capitulo, onde com Franz, eu devia escolher um modelo para pintar. Escolhi um homem num café. Devido as minhas escolhas, afugentei ele do meu estúdio, e somente após jogar o terceiro capitulo realmente entendi as reações daquele personagem. Novamente, nada que mude a trajetória do jogo, mas a ressignificação daquele contexto estampou um grande sorriso e surpresa em meu rosto.
Essa é a beleza das escolhas de The Lion’s Song. Pode soar clichê, mas jogando, eu percebo que o mais importante no jogo é a jornada de auto reconhecimento dos personagens, o enfretamento dos seus problemas, não o objetivo final.
Pouco importa se Franz conseguirá pintar o quadro perfeito, ou se Emma resolverá a teoria dela, mas se eles durante essa jornada, descobrem e revelam mais sobre si mesmos, e se engrandecem a partir disso.
Entretanto, mesmo com escolhas sutis, o jogo, após terminar cada capitulo, oferece ao jogador acesso rápido as escolhas mais importantes. Algo que facilita muito revisitar capítulos, e que gostaria de ver mais em jogos.
Esse foco maior na história é perceptível durante toda a temporada do jogo. Sim, os personagens têm dificuldades, e em casos como o de Emma, pessoas que ficam em seu caminho, bloqueando o alcance de seu objetivo, mas não existem vilões. Pessoas são multifacetadas, e tem os seus motivos, mesmo que errados, para agir da maneira que agem em The Lion’s Song. E isso enriquece muito o jogo.
Talvez por causa disso, também não existam muitos problemas. Acho que a única coisa negativa que realmente vale ser citada seria que em certos momentos, devido ao sistema de point em click, acabava interagindo repetidamente com algo ou algum personagem, ao invés de andar pela fase. Mas logo me acostumei, e deixou de ser um problema.
Nos aspectos mais técnicos, The Lion’s Song também não fica para trás. A palheta Sépia de cores é perfeita para o período, e muito bem usada. Junto da trilha sonora (essa inclusive que mal posso esperar ser disponibilizada), que nos mementos certos acompanha a história, e amplifica muito bem diversos momentos do jogo, especialmente os melancólicos.
Outro apontamento são as animações. Bem sutis, mas adicionam muito a história, e dão bastante vida aos personagens. Especialmente a Wilma, com a pressão de terminar a sua composição, sua respiração se torna presente durante grande parte do episodio
The Lion’s Song, junto dos outros, vem provando para mim que 2017 é o ano do renascimento de vários gêneros e jogos. Um perceptível amadurecimento e refinamento narrativo. Que 2017 continue assim.
The Lion's Song
Total - 9.5
9.5
Um adventure com várias histórias tocantes, mostra a dificuldade de artistas em busca de se expressar, e traz discussões ainda atuais. Se quer apresentar para alguém uma história madura e emocionante, The Lion’s Song é uma das melhores escolhas em 2017.