O ano é 2010, após alguns meses de atraso, o tão aguardado Syberia 3, sequência da série desenvolvida pela Microids e Benoit Sokal (Amerzone) é um sucesso. O game consegue misturar elementos dos adventures clássicos com a nova leva e traz um excelente final para a jornada de Kate Walker. Bem, é assim que a história acaba na minha cabeça, não na real versão de Syberia 3, lançada quase 13 anos depois para PlayStation 4, Xbox One e PC.
Eu não sei por onde começar, os doze anos de espera mudaram minha sensação de expectativa, para esperança depois total apatia. Se me falassem que Syberia 3 havia sido cancelado, responderia com “Que pena”, e seguiria a minha vida. Mas, por algum motivo a Microids seguiu em frente com um projeto que pode ser melhor representado por uma cocha de retalhos.
Syberia 3 não faz, literalmente, o menor esforço para situar o jogador na sequência. Posso ter uma memória boa, mas eu não lembro completamente dos acontecimentos de Syberia 2 e ao menos uma breve explicação já ajudava bastante. Mas no fundo, também não importa. Salvo Kate Walker e dois outros protagonistas, Syberia 3 funciona quase como uma história separada. A pior contada na série.
Ele é um encontro de duas gerações, preso no passado com uma câmera e alguns dos puzzles, mas tenta canalizar a nova forma de interação com o cenário, diálogos via prompts do controle e uma maior ênfase na “expressão” dos protagonistas. Isto é, se os protagonistas expressassem algo a não ser profundo desdém ou total desinteresse.
Quando esse choque de realidades ocorre, Syberia 3 se despedaça e não sabe qual lado quer estar. Em momentos tenta de tudo para ser nostálgicos com os, agora pouquíssimos, fãs da série. Outras horas ele se torna dependente demais de puzzles fracos, sem sentido e que conseguem ser piorados devido a uma jogabilidade que não sabe se decidir se foi feita para um controle ou para o teclado e mouse.
Não precisar ir muito longe para perceber os problemas de Syberia 3, já na primeira sala ele te dá um resumo básico do que vai acontecer nas próximas dez ou mais horas da jornada. Kate Walker começa em um hospital ao lado de um Yukol, povo da região que a resgatou da possível morte após encontra-la em um barco ao meio de uma nevasca.
Syberia 3 mantém a tradição da série dos “tank controls”, nada preocupante para quem jogou os games anteriores e coisa que se acostuma rapidamente para quem não conhece. Acabou por aí a parte boa. A interação com o cenário é absolutamente sofrível seja com o mouse e o teclado ou o controle. Diferentes botões equivalem a diferentes ações por motivos que eu não sei explicar.
O primeiro puzzle, por exemplo, requer que o jogador abra uma pequena caixa e reconecte dois fios. Com o controle do XBOX, você reconecta um dos fios com o A, o segundo fio com o Y, depois fecha a caixa com outro botão e usa o analógico para rosquear o parafuso. Para que? Qual a decisão por trás de constantemente mudar os botões sendo que nem ao menos tentam fazer com que o controle seja alguma “extensão do corpo” a là David Cage em Farenheit, Beyond: Two Souls ou Heavy Rain? Ah, nem se dê ao trabalho de decorá-los, pois mudam a cada puzzle. Isto quando o jogo decide que você não vai passar do puzzle e simplesmente não avança mesmo com a solução correta ou fecha sem nenhuma tela de erro.
Tirando uma página do manual de “como criar diálogos horríveis” de Fallout 4, Syberia 3 continua a tendência de mostrar um prompt na tela e entregar uma pergunta ou resposta completamente diferente. No caso do game da Microids, ainda mais discrepante quando você tem uma questão “X” e a resposta é “Z”. Imagina que você esteja lendo esse texto e no próximo paragrafo eu começo a falar o quanto eu gosto de salmão, e eu realmente gosto muito de salmão. Esta é o quão gritante é a disparidade.
Nem mesmo a fantástica arte de Benoit Sokal, que fazia com que até os seus jogos mais fracos — como Paradise — ainda se sobressaíssem de alguma forma, escapa do terrível destino de Syberia 3. Vão embora os belíssimos cenários 2D e entram áreas em 3D pouco inspiradas, incapazes de capturar a mesma magia da cidade de Valadilène ou de Barrockstadt no primeiro Syberia.
Se há um ponto positivo em Syberia 3, é que ele não me deu sono. A história sem sentido, arrastada e com terríveis motivações para empurrar a trama de Kate Walker é tão irritante que acabei boa parte do tempo vociferando “é sério isso? ” e “Esse puzzle não faz sentid- ah, um prompt não apareceu e eu acho que tenho que reiniciar o jogo”.
Syberia 3 é o resultado do que parece ter sido um longo e conturbado tempo de desenvolvimento. Uma desenvolvedora que corria atrás das principais tendências do mercado da época sem cogitar como elas se encaixariam no game. Queria morar no meu universo paralelo onde Syberia 3 não demorou 13 anos e não perdeu sua identidade. Um adventure preso no tempo, que sinceramente era melhor ter sido deixado para trás.
Syberia 3
Total
Syberia 3 não consegue decidir entre abraçar o antigo ou o novo e vira uma salada de ideias incrivelmente decepcionante. O melhor é que a história de Kate Walker seja esquecida e que as memórias dos anteriores permaneçam.