É estranho imaginar parte da minha vida sem jogos rítmicos, que por quase vinte anos fizeram parte da minha rotina. A série Project DIVA, presente desde 2011 após conhece-la no PSP, nunca se mostrou tão relevante quanto em Future Tone, a compilação com clássicos e novas músicas que finalmente chega no ocidente para PlayStation 4.
Uma coisa que gosto de destacar é como fico de bom humor após uma partida de Project DIVA. Não importa quantas horas de jogo eu tenha de me frustrar para fazer 100% em uma música, eu sempre saio mais leve do que entrei. Com Future Tone não foi diferente. Eu penava mas passava da maldita música.
Parte disso vem do extremo carisma exalado pela protagonista Hatsune Miku. Mas, quem é Miku exatamente? Pergunte para dez pessoas e você terá dez respostas diferentes. Ela é um quadro em branco, de certa forma uma extensão da nossa personalidade. Para mim, uma forma de me conectar com as melhores partes de quem eu fui no passado.
Por longuíssimos anos eu vivi em um estado de autocensura em não aceitar que eu gostava da franquia, não pergunte o motivo, mas ela havia se tornado algo como o meu “guilty pleasure”. Acompanhava os lançamentos de longe, mas nem sempre os jogava no lançamento. Foi só em Project Mirai DX — sim, demorei bastante tempo —, para demonstrar publicamente que sou fã. Um processo de amadurecimento onde eu comecei a dar menos bola para a impressão que deixava nas outras pessoas.
Foi a partir daí que comecei a entender o motivo de gostarem tanto do sistema de vestimentas da personagem, que antes ignorava quase que completamente por achar imaturo. Com outros olhos notei que inconscientemente alterava para que se adequasse a minha personalidade. Eu sei que soa um pouco absurdo neste contexto, mas é apenas uma outra forma de personalizar um personagem como fazemos em outros jogos.
Quando eu deixei me levar por ele e não atribuir um pré-conceito, foi que eu percebi o quanto de “mim” eu mostrava em cada música. Comecei a recuperar as lembranças (e os saves) de versões anteriores enquanto jogava Future Tone e percebi como eu saí de alguém que se auto repreendia para “vou colocar esta roupa de natal nesta música porque tem neve”. Ótimo é ver que posso aproveitar boa parte disso em Future Tone.
Separado em dois pacotes — Future Sound e Colorful Tone —, ele tem a maior seleção tanto de roupas quanto músicas disponíveis. São mais de 220 músicas e pelo menos 140 peças entre todos os cantores, incluindo Space Channel 5 e especiais de inverno de anos anteriores. São raros os casos onde eu aponto quantidade como um fator positivo, mas acho difícil nesta enormidade de músicas, você não tirar ao menos umas vinte favoritas.
Não tinha como eu não ficar levemente emocionado por nostalgia ao reencontrar as músicas que fizeram a franquia se tornar, mesmo que longe dos olhos dos outros, uma das minhas favoritas. No momento que percebi que Strobe Nights estava listada, passei cinco horas (ou mais) para fazer 100% nela no Extreme e ainda me falta o Ultra Extreme, a dificuldade mais alta de Future Tone.
As pequenas mudanças na jogabilidade fazem com que este seja até então o jogo mais difícil — caso jogue nas dificuldades mais altas —, da série. A adição de Sliders e a necessidade de apertar e segurar até quatro botões ao mesmo tempo faz com que eu deseje ser um polvo.
Como todo jogo rítmico, Future Tone pode ser um terrível consumidor de tempo caso você não se controle, o que é justamente o meu caso. Entre completar 100% de todas as músicas em todas as dificuldades, uma tarefa quase herculana, subir arduamente a tabela de liderança e completar o modo survival — onde você tem de fazer a melhor pontuação em uma série de músicas sem falhar —, aposto no mínimo 100 ou mais horas de jogo.
Future Tone, ironicamente também é um ótimo ponto de partida para quem não tem a menor intimidade com a série. Até ano passado poderia apontar Project DIVA X, mas acredito que a partir do momento que o jogador tem a liberdade de escolher o ritmo no qual se deve completar as músicas, o processo de aprendizado é bem mais fácil. Além do que, você tem a opção de pegar apenas um dos pacotes, e quando se sentir mais à vontade pegar o outro.
É um dos pontos onde jogos rítmicos ocidentais sempre falharam em passar para o jogador. A mudança da época do Beatmania para a explosão que foi Guitar Hero / Rock Band fez com que o gênero perdesse alguns dos nuances que faziam a progressão do jogador parecer uma trilha e não uma escalada. Ou você acertava, ou errava uma nota e isto é irritante.
Future Tone, portanto, também é consolidação da minha preferência pelo estilo aplicado por Project DIVA, Dj Max, Beatmania, dentre outros — que uma graduação de acerto de notas é bem mais atraente do que apenas errar ou acertar.
The Disappearance of Hatsune Miku, uma das minhas músicas favoritas e também um inferno de ser tocada nas dificuldades mais altas, nunca me deixou desmotivado de tentar pois eu via que a cada tentativa eu fazia nem que uma pequena porcentagem de progressão. Era uma nota que saía do Safe para o Good, outra que saía do Good para o Great e assim iam embora as minhas horas, na busca pela perfeição.
Perfeição que se atinge também com o ótimo sistema de treinamento, onde você pode escolher parte de uma música e treiná-la repetidamente até ter certeza que pegou o jeito. Mais jogos deviam ter este sistema, teria me economizado umas belas horas de frustração.
Depois de ter andado cambaleando por aí à procura dessa necessidade de preencher o vazio deixado pela redução de games do gênero e a minha não aceitação por anos com o fato de ser fã de Project DIVA, Future Tone é exatamente o que eu preciso. Uma abordagem direta ao ponto e uma vasta seleção de músicas. Nada de bloqueio ou a necessidade de subir de nível para liberar novas músicas, pode deixar que eu faço a minha própria diversão.
Sabe quando você passa um tempo sem ver um amigo de longa data, encontra ele e parece que nada mudou? É assim que eu me sinto ao ver a lista de músicas de Future Tone. No fundo eu sei que eu mudei, que eu me aceitei e que eu fiz dezenas de escolhas desde que comecei a acompanhar a série. Mas, no final do dia, aquelas duas músicas que eu deixava de jogar faziam uma diferença enorme.
Não esperava que fosse criar um diálogo tão íntimo com uma franquia de jogos rítmicos, mas aqui estamos com Future Tone para provar o contrário. Acho difícil eu encontrar um pacote tão completo, e que melhore o meu humor tanto quanto este. Quem sabe daqui a uns dez anos em Future Tone 2.
Hatsune Miku: Project DIVA Future Tone
Total - 10
10
Future Tone é um marco para a série Project DIVA. A seleção de músicas e a abordagem clássica farão você lembrar os melhores momentos, ou criar novos caso você ainda não seja fã. Não há melhor momento para começar a jogar. Tente maneirar para não gastar uma tarde inteira em uma música.