Mafia 3 é estruturado com base em contrastes, em um lado se mostra como um dos pontos mais altos no que se refere a narrativa e desenvolvimento de personagens, mas também um dos mais baixos em repetição e cansaço. Desenvolvido pela Hangar 13, ele está disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One a partir de R$129,00.
O game conta a história de Lincoln Clay, um soldado negro que ao voltar da guerra do Vietnã, se reúne com a máfia negra de New Bordeaux. Traídos pela máfia italiana, comandada por Sal Marcano, Clay é o único sobrevivente que agora trilha um caminho de exterminação sem fim em busca por vingança.
Sim, a história de Clay não é nenhuma novidade tanto no mundo do cinema como no dos games. Mafia 3 entretanto executa esse história de máfia de uma maneira excelente, com dublagens e atuações maravilhosas. É capaz de retratar o racismo do período de maneira madura, com personagens que não estereotipados e que conseguem atrair a atenção do jogador. Em comparação a outros games que tentaram o mesmo este ano, como Mankind Divided — que sequer abordou o tema de maneira relevante a trama – Mafia 3 é capaz de retratar o racismo do período de maneira madura, com personagens que não são estereotipados e que conseguem atrair a atenção do jogador.
Não falo apenas dos personagens principais, personagens coadjuvantes — como o Agente Donovan, que ajuda Clay — também possuem motivações e arcos bem construídos. Dando outro ponto de “realismo” ao período temos a sua trilha sonora, com músicas da década que casam perfeitamente com a temática.
Quando tratamos da jogabilidade, da ação de momento em momento, Mafia 3 não desaponta, mas também não reinventa a roda. O combate em terceira pessoa não chega a ser polido, mas traz um feedback visual satisfatório e cria momentos de tensão graças a um sistema de regeneração de vida onde o jogador se vê constantemente em perigo. O ponto importante é que ele não é punitivo, mas passa a ideia de risco, de que caso coloque a cabeça para fora de uma proteção, bam, você está morto.
Mafia 3 tem todas essas coisas agradáveis para se dizer, mas o problema dele não está dentro da história, mas no que a encapsula. Nas minhas primeiras horas de jogo eu adorei jogá-lo. A trama seguia um ritmo consistente, novos elementos eram apresentados e o desejo de conhecer mais continuava a crescer. Até um ponto que, isto parou.
Este é um dos grandes problemas de jogos “open world”, fazer com que o jogador mantenha o interesse por um longo período de tempo. A bizarra solução da Hangar 13 para isso foi justamente uma das mais fracas possíveis. Missões repetitivas e cansativas.
A partir de certo ponto da trama você deve eliminar Capos e Subchefes de Sal Marcano. Até chegar a eles é preciso destruir estruturas que servem como fonte de rendas deles. Prostíbulos, armazéns de drogas, contrabando, etc.
Caso fossem tratadas como missões secundárias, até daria um desconto, mas não. Elas são essenciais para o avanço da trama e o que você vai basicamente fazer durante 80% do jogo. Vá a tal lugar, invada, mate, repita. Nem mesmo roubar caminhões, coisa que é facilmente relegada a missões mais do que opcionais em jogos como GTA V são enfiadas goela abaixo do jogador. É o melhor que temos para oferecer neste gênero? Creio que não.
Acima de tudo isso Mafia 3 coloca sistemas que não servem um propósito claro. O melhor exemplo que posso dar disto é a maneira de ganhar dinheiro. Você andar com dinheiro vivo no bolso ou guarda-lo em um cofre. Em tese imaginei que ele existisse para, mais uma vez, dar veracidade ao período em que se passa o jogo, muito pelo contrário. Eu posso facilmente chamar consiglieres para que guardem o dinheiro no cofre e depois gastá-lo diretamente.
Ora, qual o propósito de me arriscar com o dinheiro no meu bolso se o próprio jogo dá uma solução na sua cara? Parece que ele existe para “punir” quem for preguiçoso e não guardar o dinheiro. É literalmente uma mecânica sem sentido.
Apesar de reforçar o que disse anteriormente sobre os personagens, que são muito bem trabalhados esteticamente durante as cinemáticas e conseguem passar emoção para o jogador, o resto do jogo é pouco memorável graficamente. Texturas com resolução baixa e um estranho sistema climático quebram a imersão.
E por falar em representatividade, a Hangar 13 pode ter feito um belo trabalho em criar personagens negros mais ligados a realidade, mas não é imune de erros e repete um esteriótipo com irlandeses. Todos os irlandeses do jogo são beberrões e usam roupas verdes. Se o propósito é tratar de preconceitos, não seria mais interessante fazer isto de todos os ângulos e lados?
O racismo é tão real nos Estados Unidos como no Brasil e usar os jogos como uma forma de reforçar esta memória é algo que eu aprovo. Só que aqui vejo uma desenvolvedora que se apegou tanto a um aspecto — o que foi a visão dela — que esqueceu o resto.
Como se já não bastasse a enormidade de problemas e missões entediantes de Mafia 3, a versão para PC nos é presenteada com uma qualidade no mínimo duvidável. Em algumas horas de jogo ele fechou sozinho três vezes sem um alerta e no dia seguinte cheguei a ter a tão assustadora tela azul. Raramente comentamos sobre problemas técnicos em nossas análises no Hu3br, mas a frequência com que eles aconteciam era assustadora.
Não para por aí, os carros desafiam a gravidade, a inteligência artificial as vezes enlouquece, flutua pelo cenário e faz as mais bizarras decisões possíveis. Um dos destaques fica para um transeunte que deslizou pelo mapa e desapareceu em meio ao nada. Fui me certificar que não abri um jogo do Arquivo X por acaso.
Problemas descritos acima podem ser facilmente corrigidos com atualizações futuras e não duvido que isso venha a ocorrer. O problema de Mafia 3, no entanto, vai bem mais fundo do que isso. A falha é estrutural, na repetitividade das missões, nos momentos menos intensos.
Por mais que tenha acertado na representatividade, ambientação e trilha sonora, Mafia 3 é como ter um mapa para o tesouro em suas mãos, mas para chegar até ele você tem que escalar oito montanhas e fazer três provas de Triatlo. Vale a pena? Se você for muito corajoso vale, mas é bom ter em mente que vai chegar tão cansado na linha de chegada que a essa altura já vai ter esquecido até mesmo qual era o propósito inicial. Talvez os números romanos na caixa do jogo signifiquem “agora com o triplo de repetição”.
Mafia 3
Total - 5
5
Uma premissa excelente levada para baixo por um sistema de missões arcaico, jogabilidade repetitiva e um port para PC de qualidade duvidosa. Há muito o que se comemorar quando vemos personagens interessantes e diálogos bem produzidos. Para chegar até eles, porém, haja paciência.