Um dos primeiros jogos da Paradox que tive a oportunidade de jogar foi Hearts of Iron II. A complexidade assustou, passei horas na tentativa de entender o que acontecia naquele imenso cenário da segunda guerra mundial. Depois de inúmeros atrasos desde o seu anúncio oficial, a espera por Hearts of Iron IV valeu a pena.
Em uma escala de zero a “quase impossível” de se aprender, Hearts of Iron IV senta confortavelmente bem próximo do meio. Os primeiros minutos são quase desesperadores. Inúmeras interfaces, logística, produção, produção militar, movimentação de tropas, reforços, infraestrutura. Crise de ansiedade. “Calma, respira, não é tão difícil assim”, comentei brevemente a mim mesmo enquanto analisava meu poderio atual. Era o começo de 1939, a guerra estava prestes a começar e eu precisava estar preparado.
Comparado com seu predecessor, está em sua grande parte extremamente mais intuitiva. Os anos, e lançamentos como Crusader Kings, Europa Universalis IV e Stellaris, fizeram muito bem a Paradox. O tutorial é competente e te dá uma ótima base para entender o intricado sistema de movimentação de tropas e uso do terreno para a sua vantagem.
Esqueça aquele maldito Order of Battle de Hearts of Iron III, que queime no inferno, que eu nunca mais tenha que organizar as tropas de acordo com alcance de suprimentos por meio dos menus mais confusos e obtusos do universo. No lugar recebo o que a Paradox chama de “Battle Plan”, basicamente uma ferramenta previamente existente no anterior, mas que é usado agora para posicionamento de linhas de ataque, defesa ou proteção das tropas.
É possível, por exemplo, definir que certas divisões fiquem na frente de batalha, enquanto outras se preparam para uma invasão em territórios que julgo específicos para cortar o transporte de suprimentos. Na mesma ferramenta eu posso definir um ponto de recuo caso seja necessário interromper o ataque. É um pouco complicado de pegar o jeito de início, confesso. Mas, afinal, falamos de Hearts of Iron, o que não é complicado neste jogo? Talvez o menu inicial.
O sistema automatiza muito do que era uma das maiores dores de cabeça da série, o constante micro gerenciamento de tropas. Por mais que fosse divertido nas primeiras horas de jogo, lutar em três ou quatro frentes diferentes era uma dor de cabeça monstruosa. “Minhas tropas estão posicionadas corretamente? Devo movê-las para defender os flancos? ”. A Inteligência artificial — infinitamente melhorada — faz o meu trabalho de supervisionar muito mais prazeroso.
Mais cedo ou mais tarde você terá de efetuar um pouco de micro gerenciamento, ainda mais em ataques em locais fortificados. Cidades ou terrenos cuja visualização e reconhecimento das tropas inimigas podem ser prejudiciais devido ao mau tempo também requerem um pouco mais de atenção. Mas, novamente, a Paradox acerta em prover essa informação de maneira direta ao jogador.
No fim das contas, tudo o que tenho é sempre uma abstração do conflito real e quanto mais informações possuir, melhor serão as minhas decisões. Em grande parte, tudo o que eu preciso está diante de mim. Números, alertas, divisões, organização.
Mas a guerra, independente da nação que escolher, não é vencida apenas por números, mas também tecnologias e como aperfeiçoar seu exército. É onde Hearts of Iron IV começa a ficar cada vez mais complexo e ao mesmo tempo interessante. Criar divisões especiais com artilharias acopladas a elas, desenvolver variantes de tanques com uma armadura mais espessa ou com mobilidade aprimorada.
Em minha primeira partida, devido ao costume de “quanto mais melhor”, tentei segurar o front soviético apenas com algumas divisões Panzer, infantaria e fortes. Ao mesmo tempo negligenciei a minha manufatura de submarinos e comboios de transporte marítimo. O plano foi por água abaixo, minhas forças foram destruídas por uma avalanche de soldados soviéticos e bombardeios aos meus portos fizeram com que minha rota mercantil fosse severamente prejudicada.
Não existe um minuto de descanso em Hearts of Iron IV, cada hora que passa uma decisão deve ser tomada, a tensão é elevada ao extremo. Para quem está acostumado a esperar alguns meses ou até anos para ver algo acontecer, como em Europa Universalis IV, rapidamente se verá sobrecarregado de decisões.
Planejamento a curto e longo prazo são a base para uma campanha de sucesso. Estudar a árvore de tecnologia e foco de uma nação — dois elementos que receberam uma tremenda simplificação a favor da acessibilidade— deixa de ser um afazer chato para um “Será que se eu optar por ênfase em bombardeiros eu terei mais sucesso em invadir um país específico? ”.
Algumas espiadas na tabela de logística mostravam que meu equipamento estava em um déficit maior do que eu desejava. O treinamento de tropas os gasta consideravelmente e era hora de introduzir novas fábricas militares. Ou seria mais importante converter as minhas fábricas civis para atender a constante demanda de novos equipamentos e reforços no front? E quanto a infraestrutura do país? Focos de resistência começavam a surgir em cidades.
Decisões, decisões, decisões. A cada segundo em Hearts of Iron IV via minhas tropas tomarem um novo território, murmurava baixo enquanto rascunhava sobre um caderno acerca dos próximos planos de dominação e possíveis ameaças. Os anos passavam, as invasões dos aliados estavam próximas. A tensão aumentava, meu nervosismo também. Levemente tocava com a ponta dos dedos sobre a mesa enquanto esperava a linha de produção se adaptar à nova variante de tanque que havia criado. Seria ela o suficiente para impedir o avanço de tropas no Norte da África?
Foi quando me recostei na cadeira, respirei fundo e percebi. Nenhum jogo da Paradox me fez me sentir tão investido em um conflito como Hearts of Iron IV faz. Stellaris me fez imaginar mundos, Europa Universalis me faz conquistar territórios de maneira significativa. Mas nada, nada se compara a tensão de ver apenas quadrados se moverem pela tela na esperança de que uma hora ou outra a defesa inimiga sucumba aos constantes ataques de aviões, cerco de províncias importantes ou a destruição de bases aéreas.
Mecanicamente ele acerta em muitos aspectos, mas ainda retém uma camada de complexidade que vem mais da interface em si do que os sistemas usados. O combate terrestre ainda é o maior elemento da campanha e o que claramente recebeu maior polimento. Áreas como a designação de divisões aéreas e o combate naval são mais complexos do que aparentam justamente pela interface não tão intuitiva.
Um dos exemplos mais claros se deu quando tentei apontar que um esquadrão desse suporte aéreo às tropas localizadas no sul da Itália. Simplesmente não conseguia encontrar quais aviões eram capazes de fazer isso sem ter de ir de aeroporto em aeroporto para fazer isso.
No combate naval um problema similar apareceu, mas dessa vez na dificuldade de identificar quais frotas estavam atracadas, quais estavam em escolta a comboios e quais atacavam os comboios inimigos. Coçava a cabeça enquanto pulava de menu em menu para encontrar o que eu queria. Ainda assim, comparado ao que eu passei para fazer exatamente a mesma coisa em Hearts of Iron III, está muito intuitivo.
O sistema de política perdeu um pouco de profundidade, ou melhor dizendo, complexidade em favor de uma interface mais limpa. As principais nações possuem uma “árvore de eventos”, por assim dizer que norteiam a forma que influenciam a guerra. Nações menores usam uma árvore genérica que pode ou não ser expandida no futuro. Um mal necessário, mas que até então não me fez falta.
O sistema de espionagem de Hearts of Iron III, um daqueles que é na base do “ame ou odeie” fica de fora. Como alguém que achava peculiarmente interessante é uma pena, mas no panorama geral, não é uma remoção que afeta o ritmo ou a interatividade entre os países.
E por falar nessa interatividade, a inteligência artificial tomou algumas decisões…peculiares… ao longo de minhas partidas. A Hungria decidiu atacar o Eixo sozinha, enquanto o Reino Unido conquistou boa parte da Suíça. Ainda não sei muito bem explicar como isso aconteceu, mas é essa a magia de Hearts of Iron IV e dos jogos da Paradox, não é mesmo? Criar cenários aleatórios e perspectivas não restritamente históricas.
Como uma poderosa máquina de guerra, a Paradox conseguiu moldar suas engrenagens para que tenham um aspecto estético mais atraente, amenizar a curva de aprendizado e manter a essência do que é jogar Hearts of Iron.
Mas, acima de tudo, ele passa a ideia de ser um jogo “completo”. É estranho falar isso, mas os últimos lançamentos da Paradox — como Stellaris ou algumas expansões de Europa Universalis IV — a desenvolvedora parecia deixar lacunas que seriam posteriormente preenchidas com expansões ou DLCs. Hearts of Iron IV é espetacular do começo ao fim. Gera tensão, faz você pensar a curto e longo prazo e ver a tomada de uma decisão tomar um rumo completamente inesperado.
Hearts of Iron IV
Total - 9.5
9.5
Simplificado sem perder sua essência, Hearts of Iron IV define um novo patamar para a Paradox ou para qualquer empresa que deseja criar um game de estratégia em grande escala. Os combates nunca foram tão tensos, as decisões, tão impactantes. Alguns menus carecem refinamento, mas no calor da batalha, o que importa é que suas tropas estejam bem equipadas e preparadas.