De quem é o lado “correto” da história? Você faz algo pelo seu bem, pelo o bem dos outros, ou porque sente que é a melhor forma possível? Ambiguidade não é algo incomum em histórias, mas é o ponto principal de Dishonored: Death of the Outsider (PC, Xbox One, PlayStation 4), e é o que o faz tão interessante comparado ao restante da franquia.
Por mais sedimentado que fosse o confronto entre forças que buscavam superioridade em cidades devastadas por pragas (Dunwall e Karnaca), o jogador sempre tinha um inimigo central, uma força que o motivava a continuar. A história de Billie Lurk e Daud não poderia ser contada de uma maneira melhor. Ambos assassinos, com pontos de vistas diferentes, a sensação de arrependimento e despedida.
Death of the Outsider carrega esse tom por grande parte da sua jornada. Voltamos para uma Karnaca ainda mais escura, mais entristecida, num notável contraste em relação à primeira vez que colocamos os pés na cidade em Dishonored 2. Ao invés de um ensolarado estaleiro, o esconderijo da Dreadful Wale, longe dos olhares opoentes que a cidade demonstra tanto para Daud como a Billie.
Dishonored sempre foi um jogo que permite duas abordagens ao mesmo tempo opostas e complementares: jogar de uma forma caótica e assassinar todos, ou passar despercebido. O mesmo servia para os objetivos – devia matar aquele alvo ou não? Era fácil, na minha concepção, decidir isso nos antecessores. Se aquela pessoa fazia um mal à sociedade, ela deveria morrer. Era uma questão de vingança por tudo que fizeram com Corvo e Emily.
Não existe termo para descrever Billie a não ser como uma “Outsider”, uma esquecida. Discípula de Daud, ela cumpria ordens, mas nem sempre era o foco do conflito. Foi quando a história de Death of the Outsider começou a se desenrolar que eu percebi, e questionei, meus atos.
Cheguei no meu primeiro alvo, hesitei.
Teria eu “jogado errado” Dishonored todos esses anos? Não, não é possível. Eu joguei da maneira que eu presumi ser a minha verdade naquela época. Para mim aquela era a única solução. Em partes me deixei ser guiado pelo o que ele mostrava superficialmente e não me prendia aos detalhes.
“Eu não ficaria triste de vê-lo morto”, falou Billie em uma das cenas. Nem eu ficaria, mas também, seria a morte a solução para aquela questão, ou para todos os acontecimentos até então desenrolados em Death of the Outsider? Chega até a ser engraçado uma expansão cuja proposta é a morte de um dos principais antagonistas ser a que mais questiona esse princípio.
Me senti constantemente, de uma “boa maneira”, restringido tanto em relação às ações que aconteciam à minha volta, limitado em termos de quanto eu poderia influenciá-las. É bem isso como é viver, não é mesmo? A não-existência de um controle sobre tudo.
Billie não é Corvo, nem Daud, muito menos Emily. Death of the Outsider transforma a liberdade de poderes dos dois games anteriores em uma limitação. Jogue fora o sistema de melhorias e variedade. Você tem três poderes, alterações via os boneshards (itens que alteram a forma como o jogador utiliza certos poderes ou navega pelo mundo), e faça o melhor possível com isso.
Ironicamente, eu enxergo e atravesso situações perigosas melhor quando tenho limitações do que quando tenho liberdade. Se Dishonored 2 me fazia ficar zonzo de tantas opções que tinha para chegar do ponto A ao B, Death of The Outsider me apontava: “presta bastante atenção no que você vai fazer, um passo em falso e pode ser a sua morte”.
Você não tem mais aquele “status” de deus, como quando se jogava com Corvo, por exemplo. Apesar de todos os protagonistas serem frutos do ambiente em que cresceram, Billie é a que mais traz uma sensação de humanidade para a franquia. Você não é da realeza, nem mesmo teve seus poderes dados pelo Outsider como Daud. Você é a construção de uma sobrevivente, que agarrou as oportunidades que lhe foram dadas e as pôs para uso da forma que achou conveniente – ações feitas sem pensar, que anos depois voltam para te assombrar. “Teria sido o melhor? ”
Ter essa noção me fazia sentir constantemente acuado. Pela primeira vez na série me senti profundamente vulnerável. Como lidar com uma sala repleta de guardas sem tantas escolhas como antes – sem ser um “deus”? E, por mais que matar fosse a melhor solução para muitos dos confrontos, seria quebrar o que Death of the Outsider tenta passar.
E eu sei que muitos fãs da Arkane, ainda mais com a maneira que eles trabalham a liberdade em seus jogos, vão torcer o nariz para o parágrafo acima. Mas a desenvolvedora consegue exaltar os pontos que ela quer passar por meio do design das áreas — mais compactas e claustrofóbicas — e reforçar a ideia da criatividade.
Criar oportunidades, armadilhas e usar seus poderes para prevalecer ainda é a base da jogabilidade, só requer um tanto mais de esforço por parte do jogador. Como a trama em si, nada é exatamente o que parece à primeira vista. Pare, tome o seu tempo, veja como prosseguir. Pense antes de agir.
Sem traçar comparações, os poderes da Billie são os mais peculiares até então. Como Death of the Outsider de maneira geral, eles fogem da norma que a Arkane havia tanto estruturado no passado. Semblance permite que o jogador roube temporariamente a aparência de outro personagem e se passe por ele. Ao invés das sombras, andar no sol, junto com outras pessoas. É a primeira vez na franquia que você não precisa necessariamente se esconder.
A importância dessa habilidade fica em paralelo à história que Death of the Outsider tenta contar: uma máscara versus o real – o contraste que sempre foi imposto pela Arkane tanto para Corvo e Emily. Ambos vestiam uma (quem não veste, não é mesmo), seriam então as ações deles o real desejo ou o falar da “máscara”? Por outro lado, Billie não usa uma; ela é quem ela é.
Logo no começo da segunda missão eu precisava pegar a chave de um dos alvos; demorei por volta de quarenta minutos. Sem entrar em spoilers, demorei muito tempo por conta de encontrar uma maneira de arrastar todos os guardas para fora da área e finalmente roubar a chave. Não decidi por tal caminho pelo objetivo de fazer com perfeição, mas porque queria fazer da forma que pensei que Billie faria.
Há um estranho contraponto quando observo a forma que jogo outros games. Em SOMA me senti o protagonista, em Observer questionei o passado; aqui o inverso — e o mais raro — aconteceu, entrar no papel do personagem. Creio que, dado a quantidade de horas que passei nesse mundo, seria muito difícil isso não acontecer.
Por isso que parece um tanto quanto estranho tratar essa expansão como algo standalone, pois jogá-la sem ter apreciado tanto Dishonored, seus DLCs e Dishonored 2 é como começar um livro pelo capítulo final e esperar entender a motivação dos personagens. Você pode até ter uma pincelada do que é jogar Dishonored, mas não vai conseguir enxergar o quadro completo que foi a evolução e reinvenção da Arkane como desenvolvedora e para a franquia.
Até de um ponto de vista de “conteúdo” (por mais que este seja extremamente subjetivo), é fácil de criticar Death of the Outsider. Muitas missões se passam em locais que já foram vistos no game anterior, mas o importante — muito importante aqui — é o contexto. Sabe quando você volta para um lugar do seu passado, porém mais maduro? É assim agora que caminho pelas ruas de Karnaca.
De uma maneira muito peculiar, e pessoal, sinto um certo conforto na tristeza que Death of the Outsider traz. É como se visse pela primeira vez o seu mundo sem lentes. Perceber que “correto”, não é o “melhor” para aquelas circunstâncias.
Por mais que eu gostaria de gritar “eu quero mais Dishonored”, não existe ponto melhor para finalizar a franquia do que com Death of the Outsider. Não é o ápice da Arkane como estúdio, mas é o conjunto do que ela construiu dentro da franquia, e depois me fez questionar a verdade sobre as ações dos personagens, que o faz especial. Se for essa a última vez que piso em Karnaca, Dunwall, o que seja, não poderia pedir por uma despedida melhor.
A análise foi feita com base na versão PC enviada pela Bethesda.
Dishonored: Death of the Outsider
Total - 9.5
9.5
Brilhantemente executado, Death of the Outsider captura e expõe uma nova visão sobre o mundo de Dishonored e seus personagens. Adiciona um toque mais humano e mostra como ainda é capaz de ser variado mesmo dentro de limitações e situações intensas. Um espetacular adeus para a história e a franquia.