Existe uma distorcida noção de que homenagear clássicos significa seguir à risca tudo o que fizeram. Battle Chasers: Nightwar (PC, PlayStation 4), o sucesso de Kickstarter da Airship Syndicate, tenta lutar contra essa definição. E, em boa parte das vezes, ele perde a luta.
Baseado nos quadrinhos dos anos 90 de Joe Madureira, os quais eu confesso não ter lido, Battle Chasers começa como uma música no volume 11. Rapidamente sou apresentado aos principais personagens, que inclui uma órfã com braceletes mágicos, um golem gigante e uma ladina traiçoeira, e jogado em um local conhecido como o Lost Continent após um confronto com possíveis piratas do ar.
Protagonistas separados aos sete ventos, um continente desconhecido. Ora, temos aqui o setup perfeito para o começo de um JRPG. Começo a jornada e Battle Chasers já traz aquele cheirinho de nostalgia enlatada. Aquela coisa que supostamente faria parte da sua infância, mas não faz e ao mesmo tempo te remete ao passado. Eu fico incomodado, pois eu sei que uma hora essa sensação vai embora. A verdade é que eu fiquei surpreso em ver o quanto ela durou.
Quinze horas jogo adentro, eu ainda estava magicamente preso ao universo de Battle Chasers. Há um exemplar polimento no aspecto visual e sonoro que me prendem. A arte de Joe Madureira consegue, mais uma vez, brilhar na tela, trazer vida aos personagens e mostrar as diferentes formas que eles atuam dentro e fora do combate de maneira esplendorosa. Prontamente decidi procurar mais sobre o quadrinho — que terminou em um terrível cliffhanger em 2001 — antes de dar um passo a mais dentro do game; me peguei incrivelmente surpreso em como eles mantiveram a fidelidade do traço. “É como se eu visse o quadrinho em ação”, disse a mim mesmo.
Como uma paixão ardente que vem de supina, alegria me contagiava toda vez que encontrava um novo personagem. Na minha cabeça era a oportunidade de conhecer mais sobre o universo, andar pelas pequenas vilas do Lost Continent, ver aquele cenário tomar forma; à minha frente via sequências cinemáticas, dungeons e diálogos. Mas, é aí que está. Ver é uma coisa, interagir, outra.
Battle Chasers pode ser visto sob duas lentes: o que é um RPG e quais são os elementos que compõem um RPG. Ambas as opções não são necessariamente excludentes; de certa forma, é como questionar a função de um motor e quais são os componentes que o fazem funcionar. São esses elementos que a Airship Syndicate pareceu ter dificuldade em decidir como encaixar.
O combate, feito por turnos, é perfeito para instigar a nostalgia. Três personagens de um lado da tela, inimigos do outro, uma série de mecânicas que ao primeiro olhar parecem profundamente intricadas. Overdrive, por exemplo, é uma delas. Nele o jogador pode ir além do limite de mana do personagem ao realizar ataques e depois gastar essa mana adicional em habilidades especiais. Teoricamente estimula o uso de habilidades e combos — como redução de armadura ou dano físico do oponente —, mas a realidade é que, na prática, não funciona tão bem assim.
A falta de incentivo para alterar a line-up (um tank, um healer e um DPS), misturado com um sistema de combos que prefere viver mais de Theorycrafting do que de efeitos claramente tangíveis no combate, transforma o Overdrive em uma mecânica obrigatória mais do que algo “divertido”. A partir da metade do jogo ou você se debruça sob o Overdrive para causar um alto dano nos chefões ou você vai ter de fazer um grind tremendo.
Rapidamente comecei a ficar a par dos problemas do uso de turnos e do grind. Não existe a opção de um sistema de autobatalha ou de acelerar (ou ignorar) as animações. Quando você se vê de frente na vigésima hora de jogo com um grupo de duas aranhas que não apresentam a menor ameaça, mas ainda assim tendo que lutar contra elas, ver as animações e pegar o loot, é que as raízes dos RPGs de console dos anos 90 começam a aparecer. Obviamente, não as partes boas.
É por ele se espelhar demais na composição de elementos que fundamentam um sistema de combate por turnos de um RPG dos anos 90 que Battle Chasers é incapaz de prover uma noção de interatividade. Os turnos não possuem um Active Time Battle, como em Final Fantasy, nem provêm a sensação de imediatismo de um Tales of Phantasia. Tudo o que devia ser rápido é lento. Tudo o que devia ser claro é obtuso.
Um dos maiores erros que RPGs tendem a ter, e Battle Chasers definitivamente não está sozinho na lista, é traduzir um sistema de buffs e debuffs para algo que seja decifrável pelo jogador. Vamos pegar Calibretto, o imenso Golem. Uma das suas principais habilidades garante Sunder, o que significa a amplificação de 10% do dano causado ao inimigo. Porém, não há como saber o que exatamente é “10%” já que você precisa matar uma quantidade específica de inimigos até poder ter acesso a quantidade de pontos de vida, dano físico ou mágico, fraquezas ou resistência deles. O propósito disto eu não sei dizer, pois o único incentivo que o jogo te dá de fazer isso é, bem, um aumento de 1% em algum dos atributos da Party. O que é 1% em um RPG com 20, 30 horas de duração? Nada.
Não é preciso se aprofundar nos RPGs para ver como é possível criar uma maior interação no combate. O Draw e Junction pode ser odiado por muitos fãs de Final Fantasy VIII, mas é claramente uma ferramenta que faz o jogador pensar se deve gastar o turno para acumular magia e arriscar ficar vulnerável. O já lançado Cosmic Star Heroine faz algo similar por meio de um sistema que lembra Chrono Trigger — cada habilidade só pode ser usada por uma quantidade específica de vezes e precisa ser recarregada ao gastar um turno. Quando é a hora correta de usá-las e como usá-las?
Descrevendo assim, você pode pensar que ambos os sistemas descritos acima deixam o jogador “acuado” em usar itens limitados e, em parte eles fazem isso pois não são perfeitos. O que eles acrescentam de melhor é o fato de cada decisão conta para um maior aproveitamento geral. Nada se esconde atrás de números imaginários ou tabelas mirabolantes. Toda ação feita tinha uma reação imediata e, por meio da tentativa e erro, era possível descobrir o que funcionava ou não em certos confrontos.
Isso é incrivelmente frustrante de se ver em Battle Chasers: Nightwar justamente por ele conter outros elementos que são excelentes, mas são arrastados para baixo por causa de um sistema de combate insosso. O design das dungeons, mesmo que proceduralmente geradas, é elegante e natural. O sistema de crafting de itens e equipamentos tem todos os ingredientes que supostamente o fariam interessante — saber equilibrar potência com bônus contra inimigos específicos. Na minha cabeça tudo isso era a paixão por Theorycrafting florescendo, mas já sabia que a realidade era muito mais dura.
Sempre que decidia fazer uma dungeon de nível mais alto para tentar coletar um loot de melhor qualidade me sentia desmotivado. Batalha após batalha, inimigo após inimigo. Tudo por um equipamento que pode ou não melhorar a minha situação. Não sabia como responder, pois, o restante do quebra-cabeça — informações sobre inimigos e quando eu realmente colocaria esse equipamento para uso — continuava um mistério.
Como um náufrago sem destino no meio de um oceano sem fim, me agarrei no que me fez interessado em Battle Chasers em primeiro lugar: os personagens. Que bom que o fiz, pois foi com isso que me motivei a ver sua história ser levada até o final.
Ainda que a narrativa principal seja recheada de clichês (tanto da época quanto atuais), com uma trama que gira em torno de um único vilão e poucas reviravoltas, há uma química especial entre os personagens e em como as relações são desenroladas ao longo da trama que quase me fazem esquecer de todos os problemas de Battle Chasers. A próxima batalha não era travada em troca de um novo equipamento, mas sim para descobrir como que Gully e Garrison iriam se portar diante de um novo desafio.
É estranho descrever o ato de “me prender aos personagens como a última linha de frente”, principalmente pelos meus jogos preferidos ultimamente serem sobre os personagens em si, como Observer e RUINER. A diferença está justamente em que esses dois jogos usam das mecânicas para revelarem a sua real faceta, enquanto Battle Chasers usa mecânicas apenas como ferramenta de locomoção entre pontos-chave da história.
Em partes me peguei em uma situação similar à de 12 anos atrás, quando comecei a jogar Persona, mas por motivos diferentes. Enquanto que o jogo da Atlus me esgotou pela sua longevidade, o da Airship Corporation não soube lidar e evoluir dentro do seu tempo de jogo.
Quando o aspecto de RPG que a desenvolvedora planeja exaltar fica puramente nas costas do ato de apresentar e desenvolver os personagens — o de “ser” um RPG —Battle Chasers é ótimo. São os seus componentes que seguem sem rumo. É um RPG que tenta imitar “clássicos” sem saber o que é que os faz “clássicos” em primeiro lugar. É a nostalgia enlatada, o ar de antigo no novo puramente por razões estéticas. Pode ser a conclusão narrativa que os fãs tão ansiosamente esperavam, mas certamente não é o jogo que eu aguardava.
A análise foi feita com base em uma cópia para PC enviada pela THQ Nordic
Battle Chasers: Nightwar
Total - 7
7
Battle Chasers tenta agregar o que era de “nostálgico” nos RPGs dos anos 90, mas se perde dentro da própria ambição e não consegue entregar mecânicas concisas. Excelente em concluir uma trama deixada em aberto há mais de 10 anos, e com personagens cuja interação é um deleite de se acompanhar, acaba sendo infelizmente tedioso de se jogar.