Trapacear, subverter, destruir expectativas e sonhos. Ganhar a partida. Elementos que servem para a base de Antihero (Steam, GOG), de Tim Conkling. Como o nome sugere, não é sobre ser um herói, muito pelo contrário. O propósito é causar o máximo de “caos” em uma partida e tomar o controle de uma cidade na era Vitoriana. Estética simpática, boa dublagem, tutorial simples. Comecei a me perguntar se existia espaço para ser um competente jogo de tabuleiro digital.
Evito me prender a semânticas, mas chamar Antihero de um jogo de estratégia por turnos é.…bizarro. Turnos existem, sim, mas o dinamismo é o mesmo de um jogo de tabuleiro. Ações rápidas, peão ali, unidade acolá. Tim consegue o que muitos desenvolvedores dificultam em favor dos gráficos ou de uma apresentação mais elaborada, não gastar o meu tempo. Digo isto pois jogos de tabuleiros digitais não precisam de animações espetaculares, nem mesmo gráficos estonteantes. Assim como as versões reais, precisam ter fundamentos sólidos. Antihero tem isto de sobra.
Trinta minutos depois do início e qualquer um já tem as regras básicas decoradas. Antihero funciona por meio de três pilares: Navegação, reconhecimento e estabelecimento de zonas de influência. Com o mapa repleto de “névoa”, o jogador deve reconhecer o terreno, encontrar prédios que oferecem recursos e depois usar suas unidades, os chamados Urchins, para invadi-los e gerar recursos por turno. Feito isto, ele começa então a estabelecer zonas com capangas para evitar que o oponente ataque estes prédios por meio gangues ou Truant Officers — unidades que recolhem crianças e as levam de volta para orfanatos ou escolas.
É claro de perceber o quão viciante este loop pode se tornar. Uma ação leva a outra, que leva a outra e depois mais uma. A cidade vira um imenso parque de diversões, o jogador começa a analisar ruas e estabelecer pontos cruciais que podem ser usados para atrasar o avanço do oponente. Atrasar, a palavra-chave de Antihero. Afinal, no crime nada é eterno.
Os primeiros turnos são sempre uma correria para estabelecer território. Gastar moedas de ouro e lanternas — usadas para compra de unidades e melhorias — e estar um passo à frente do adversário. Não importa o grau de habilidade que tenha, no quinto turno, quando as coisas estão relativamente estabelecidas, é que a tensão começa a aparecer.
Antihero sempre garante que a quantidade de ações do personagem principal — usado para reconhecimento e roubos — seja severamente limitada. Raríssimas foram as partidas onde eu tinha visão geral do mapa. Quando tinha, significava que eu havia feito algo de terrivelmente errado nos turnos anteriores e não investido meus pontos corretamente. O que leva para o grande problema de Antihero, o mid para late game.
Você já se mudou de apartamento? Ou quem sabe, morou no mesmo local e começou a conhecer mais sobre ele durante a adolescência e a vida adulta? No início é tudo mágico, novos locais, comércios fecham, outros abrem. Novos restaurantes surgem. Você fica entristecido com aquela quitanda que gostava de visitar e agora não existe mais. Depois de um tempo se estabelece uma estagnação. Os detalhes somem em meio ao cotidiano. Um ar de que você está preso em um local que não avança. É assim que se desenrolam as partidas de Antihero a partir do 10º ou 15º turno.
Você sabe quais são os objetivos do mapa. Eliminar X oponentes, quem sabe remover guardas da tela para executar um roubo a um palácio que dá dois ou mais pontos de vitória — sendo um total de cinco por partida — ou controlar todas as catedrais para ser vitorioso. Os jogadores entram em um estado de estagnação por terem investido corretamente no early game e uma batalha de atrito desnecessária entra em vigor. Gangues entram em confronto, capangas e mais capangas aparecem na tela para bloquear o caminho. Objetivos se tornam quase inalcançáveis. A única “carta na manga” para o jogador é a Assassina, que custa uma quantia considerável de gold e pode ser usada uma única vez por turno. Mesmo assim, longe de uma garantia de sucesso.
Os mapas mais variados, como o anteriormente mencionado roubo ao palácio, ficam “manjados” muito facilmente. Assim que um jogador bloqueia o avanço, é muito difícil de remover sem desequilibrar completamente a economia.
Inconscientemente Antihero instiga a busca por vias mais tradicionais para a vitória. No caso as catedrais, ou aguardar para ter lanternas suficiente para comprar um ponto de vitória. Afinal, quem vai se arriscar de desestabilizar a taxa de renda para a “chance” de terminar uma partida mais cedo pelo assassinato de um alvo no mapa se você pode atingir o mesmo ao aguardar alguns turnos? Ainda é arriscado, mas consideravelmente menos do que as outras opções oferecidas.
Eu esperava que mais variedade, uma forma de desestruturar a partida do oponente, viesse por meio dos mais de quinze personagens disponíveis, mas não. São apenas avatares que compartilham das mesmas mecânicas. Tal simetria prejudica ainda mais o aproveitamento das partidas de Antihero.
Recentemente comecei a jogar algumas partidas de B-17: Queen of the Skies, um tremendo jogo de tabuleiro da Avalon Hill publicado em meados da década de 80. Voltado unicamente para jogadores solo, o conceito é bem fácil de entender. Você administra uma tripulação de um bombardeiro em direção a alvos na Europa dominada pela Alemanha Nazista e deve causar o máximo de destruição possível.
Por mais que o jogador esteja confinado a um ambiente — o avião bombardeiro — existe um grande elemento de aleatoriedade. Condições climáticas afetam a maneira que a missão se desenrola, cobertura de aviões aliados garantem ou não uma viagem de ida e volta tranquila. Se estabelece uma narrativa, uma conexão com o jogador.
Antihero falta um elemento mais forte de aleatoriedade. Não possui a capacidade de surpreender o jogador, de encontrar a fraqueza do oponente e aplica-la ao mapa e depois esperar que o mesmo aconteça com você. As partidas tomam formas muito similares uma com as outras. Os detalhes se perdem. A mudança temática de mapas? Serve para ver as diferentes maneiras de estabelecer uma partida estagnada.
O cenário não é incomum para quem tem experiência com jogos de estratégia 4X (Explore, Expand, Exploit, Exterminate). Muitos deles, principalmente a série Civilization, tem seu ponto alto no early game, na exploração, no ato de descobrir o mapa. Assim que as estruturas e posição dos oponentes estão bem estabelecidas, o jogo atinge um grau imenso de estagnação. Ao menos no caso do game da Firaxis, há mecânicas — como a gigantesca diferenciação de rotas de tecnologias e os nuances das nações — dão oportunidades de tirar o jogador desse estado.
Uma coisa é certa em Antihero, porém. É um jogo incrivelmente balanceado. Mas um jogo balanceado não equivale a um jogo divertido, nem mecânicas que criam mais oportunidades. Equilíbrio não é ter a mesma chance com as mesmas ferramentas. É ter ferramentas que podem ser usadas de duas ou mais maneiras para acabar com a dominação de um jogador no mapa.
Um jogo de estratégia em tempo real não é menos balanceado quando você tem dois jogadores com a mesma facção em uma partida. Um soldado pode servir para atacar e para defender. Para reconhecimento, para atrair a atenção do oponente, para despistar. São esses pequenos detalhes que fazem com que eu volte mais e mais vezes para muitos jogos. São esses que faltam em Antihero. Depois que a fundação é inspecionada é que você percebe: Ainda falta muito para terminar de construir o prédio.
Antihero
Total - 6.5
6.5
Fácil de aprender, Antihero é um agradável jogo de tabuleiro digital que tenta incentivar o jogador a manipular o mapa. Infelizmente, ele não consegue evoluir da ideia base e estabelecer mecânicas que o deem uma vida mais longa. Divertido por algumas partidas, mas só por algumas partidas.